segunda-feira, 31 de maio de 2021

Enquanto a bola rodopia, o mundo gira...


Enquanto a bola rodopia, o mundo gira...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto muitos eram tomados pela indignação sobre o silêncio de alguns veículos nacionais de comunicação e informação, a respeito das manifestações ocorridas no sábado, 29 de maio de 2021, deixaram passar despercebida a quietude do Presidente da República, cujo comportamento aos domingos é sempre esfuziante e dado a aglomerações. Assim, somando-se os dois momentos do fim de semana, havia algo de estranho no reino tupiniquim.

E a resposta as possíveis conjecturas veio rápido. Na manhã, dessa segunda feira, 31 de maio, a Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol) noticiou via redes sociais que a Copa América 2021 será sediada no país, após recusas anteriores da Colômbia e da Argentina por razões sociais profundamente relevantes. Destacaram, inclusive, agradecimentos ao Presidente brasileiro, seu gabinete e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pela disponibilidade em sediar o evento.

Precisa dizer mais alguma coisa? Foi claríssima a réplica do governo brasileiro às manifestações de sábado. O protesto enlutado e doloroso de todos que saíram às ruas permanece distante de qualquer atitude respeitosa e solidária. Eles não querem ouvir. Eles não querem mudar o curso da história. Eles não querem reconhecer os seus erros. E ponto final.

O Presidente nem precisou se expor diretamente, bastou utilizar de um artifício propagandista para invisibilizar a realidade, criar uma gigantesca nuvem de fumaça em torno das reivindicações populares; mesmo, sabendo que isso significa tripudiar sobre centenas de milhares de vidas humanas.

Como já havia comentado em outro texto, “trata-se da ‘autoria intelectual’, ou seja, alguém que possa tanto restringir-se à organização e direção de empreitada criminosa quanto participar diretamente da prática delituosa planejada” 1. Afinal, é pública e notória a consciência nacional sobre o recrudescimento da Pandemia no país, para se cogitar a possibilidade de algo nesse sentido.

As mortes permanecem em torno de 2000 mil/dia e o contágio em torno de 60000/dia, enquanto a vacinação completa contra a COVID-19 está em torno de 10% da população vacinável. O que demonstra a inexistência de um movimento, por parte do governo federal, efetivamente disposto a debelar a Pandemia e seus terríveis reflexos socioeconômicos, a fim de recolocar o país nos trilhos da retomada do desenvolvimento.  

Uma verdade tão preocupante que, embora sem relação direta, foi sustentada por uma carta assinada por 230 pessoas, incluindo profissionais e estudiosos judeus, trazida na coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha, hoje. Segundo a matéria, há uma “evidente inclinação nazista e fascista”, por parte do atual Presidente da República 2; de modo que, “O projeto de poder avança. Genocídio, destruição das estruturas democráticas do Estado e práticas eugênicas estão escancaradas”.

Pois é, ninguém melhor do que os descendentes diretos do maior atentado contra os direitos humanos, na história mundial, para trazerem luz ao que acontece no Brasil, nesses longos meses pandêmicos.

Volto a repetir, “O Brasil está se desintegrando na forma e no conteúdo como o conhecíamos até aqui. E não se trata de uma desconstrução em nome de uma reconstrução melhor, mais vanguardista, mais ajustada as visões do Terceiro Milênio; mas, de uma implosão que só deixa escombros e uma paralisia apegada as reminiscências de um passado que não existe há tempos” 3.

A questão é que, tendo em vista o fato de que as marcas deixadas pela Segunda Guerra Mundial foram profundas demais, o mundo consegue perceber rapidamente os sinais, como os que estão emergindo aqui no país.

Isso significa que a inação interna não tende a encontrar respaldo internacionalmente. Ao contrário, as chances de o país ser isolado e sofrer consequências e sanções, especialmente econômicas, é imensa. O que colocaria abaixo as eventuais expectativas positivas da economia nacional; visto que, ruídos políticos dessa magnitude comprometem o estabelecimento dialógico profícuo as relações comerciais e diplomáticas.

Assim, diante do panorama, as palavras de Bertolt Brecht adquirem, ainda mais, significância reflexiva; na medida em que, “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”. Por isso, a verdade é que não está na polarização ideológica o que nos fragmenta dia a dia; mas, no analfabetismo social que nos predispomos a colocar em prática.  

domingo, 30 de maio de 2021

Quando tudo parece desabar...


Quando tudo parece desabar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se a Pandemia não nos matar a todos, certamente, a ignorância assim o fará. Os sinais, quanto a esse caminho, que se mostram no horizonte, são claríssimos. O Brasil está se desintegrando na forma e no conteúdo como o conhecíamos até aqui. E não se trata de uma desconstrução em nome de uma reconstrução melhor, mais vanguardista, mais ajustada as visões do Terceiro Milênio; mas, de uma implosão que só deixa escombros e uma paralisia apegada as reminiscências de um passado que não existe há tempos.

Que jornais de grande circulação e renome tenham abdicado do compromisso jornalístico com a nação é uma pena; mas, posso dizer que não faz falta. O jornalismo mundial, também renomado, cumpriu magistralmente esse papel e deu a visibilidade devida, como sempre faz, a realidade do cotidiano de cada lugar. Portanto... a vida segue e a história vai sendo contada, pela perspectiva daqueles que não se entregam a “cegueira”.

Aliás, esse tipo de silêncio é curioso porque ele fala tão alto, que chama a atenção, até, dos mais desavisados. Traz uma visibilidade de tamanha intensidade, para a notícia relegada, que se estabelece uma discussão natural em torno do caso, perpetuando o assunto por um tempo muito maior do que o desejado. Sem contar, os precedentes especulativos que começam a circular em torno do episódio, os quais fomentam ainda mais a imaginação popular.

Porém, esse breve recorte no campo de metamorfoses abruptas do país, não altera o essencial que são os fatos. Isso quer dizer que as reivindicações populares de ontem, de hoje ou de amanhã estarão resguardadas na sua materialidade e integralidade, porque ultrapassam os espaços dos veículos de imprensa e comunicação, diariamente, para serem sentidos e compreendidos na própria perspectiva do cidadão.

Antes de ler, ainda que de maneira superficial e tendenciosa, como acontece frequentemente na contemporaneidade, as pessoas experimentam a realidade; o que as faz se apropriar de um entendimento muito particular dos acontecimentos, mesmo que não tenham uma consciência plena disso.

Elas entendem a carestia no supermercado, na farmácia, no posto de gasolina, ... Elas se preocupam com o desemprego e as baixas ofertas de trabalho formal no país. Elas enxergam o aumento da mendicância nas ruas. Elas se apavoram com os riscos das violências disseminadas dentro da sociedade. Elas se indignam com a falta e a insuficiência de vacinas contra a COVID-19... De modo que o papel do jornalismo se restringe a significância de fornecer eventuais elementos a mais para a reflexão; mas, não significa que parta de suas palavras e ideias o insight das pessoas em relação ao cotidiano.  

E em meio a tudo isso, eis que me deparei com uma notícia importantíssima, a qual amarra subliminarmente as considerações feitas até aqui. “Ensino Médio não terá mais livros exclusivos por disciplinas. História, geografia, sociologia e filosofia foram diluídas dentro de um único livro didático” 1, o que foi justificado como uma ação fundamentada nas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular do Novo Ensino Médio. Apenas, “Português, literatura e matemática foram os que menos sofreram alterações em suas bases curriculares, e são as disciplinas consideradas obrigatórias”.

Basta, então, uma leitura da notícia para depurar intenções profundas sobre aquele “desmantelamento” do país. A ideia não é só corte de gastos com livros didáticos. Não é só obter controle ideológico sobre os assuntos. Não é só uma questão de ensinar pela via interdisciplinar, como propõe as áreas de conhecimento – Ciências humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias. É, simplesmente, fragilizar a formação da identidade cidadã do aluno e controlar a sua capacidade de análise crítico-reflexiva, por meio de conteúdos demasiadamente resumidos.

Em suma, o governo, e não o cidadão, está decidindo o quê deve ser aprendido e como deve ser aprendido. Bem-vindos, ao caminho de retrocesso da excelência. Um modo peculiar de frustrar as potencialidades humanas, de minar as Ciências, as pesquisas e o desenvolvimento científico e tecnológico, de motivar o surgimento de mão e obra desqualificada e incapaz. Para isso não é preciso grandes investimentos, grandes planejamentos, grandes comprometimentos sociais, grandes salários e benefícios.

Por mais impactante que possa parecer, estamos diante do que escreveu Aldous Huxley, em 1932. “Um Estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que os chefes políticos de um Poder Executivo todo-poderoso e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos porque amariam a sua servidão. Fazer com que eles a amem é a tarefa confiada, nos Estados totalitários de hoje, aos ministérios de propaganda, diretores de jornais e professores” (Admirável Mundo novo).

Assim, não nos esqueçamos de que “Grande é a verdade, mas ainda maior, do ponto de vista prático, é o silêncio em torno da verdade” (Admirável Mundo novo), porque esse fia lentamente o infortúnio e a destruição. A beira do precipício é logo ali.

sábado, 29 de maio de 2021

Agora, só resta aguardar...


Agora, só resta aguardar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Pesando prós e contras, em relação a sair às ruas em plena conjuntura de recrudescimento da COVID-19 no território nacional, dezenas de milhares de pessoas, munidas de máscaras do tipo Pff2 e álcool em gel, além de algum distanciamento possível, deram o seu recado de total indignação à política de enfrentamento à Pandemia, estabelecida pelo governo federal. Foram 23 capitais, o DF e diversas cidades do interior, além de grupos representantes em outros países, em uma união de esforços democráticos contra o morticínio que se abate sobre o Brasil.

Politicamente, o sucesso da empreitada não surpreende, tendo em vista os números das recentes pesquisas de opinião sobre a gestão do governo. Apesar da relevância histórica da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19, instaurada pelo Senado Federal, o curso avassalador da Pandemia no cotidiano brasileiro persiste. Com uma média diária de 2000 mortos e uma vacinação completa, 1ª e 2ª doses dos imunizantes disponíveis, alcançando um percentual em torno de 10% da população, é perceptível que as estratégias estejam equivocadas.

O que não se trata apenas de uma exposição dos cidadãos ao risco de contaminação pelo Sars-Cov-2, em decorrência da baixa imunização e das campanhas contrárias às medidas sanitárias de prevenção preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS); mas, do que esse conjunto de fatores representa no âmbito geral da dinâmica socioeconômica do país. Porque, de um contingente de 94% da população, distribuídos entre a classe média tradicional e a classe baixa, quase que a maioria absoluta deles foi lançada ao risco de contaminação em nome da sobrevivência.

Eles não tiveram escolha social para manterem-se em isolamento. Fosse pelas impossibilidades da própria organização urbana das cidades, com seus aglomerados sem a menor infraestrutura habitacional compatível as demandas sanitárias da COVID-19. Fosse pela precariedade dos serviços de transporte público, desfavorecendo por completo o distanciamento, a higienização dos veículos de maneira qualitativa e quantitativa necessária. Fosse pelo período de exposição diária em decorrência do deslocamento para o trabalho e outras atividades essenciais. Enfim...

Então, a negligência, a incompetência, o descaso, o desrespeito, ... atingiram essas pessoas em cheio. Está nesse estrato social a expressão maior das perdas ocasionadas pela Pandemia. Perdas humanas. Perdas materiais. Perdas educacionais. Perdas emocionais. Que se resumem e se traduzem na perda da dignidade cidadã. O seu existir, enquanto cidadão brasileiro, previsto constitucionalmente, foi sumariamente alijado pelo governo federal.

De modo que essas pessoas reconhecem que já não dispunham de atenção governamental antes da Pandemia, que durante o processo isso se acirrou e que no Pós-Pandemia tende a ficar ainda pior. Portanto, foi esse contexto que moveu milhares de pessoas a materializar a sua insatisfação, a estabelecer o seu limite de tolerância social, buscando um lugar de fala em que suas dores pudessem caber de fato e de direito no mundo.

E se isso não as absolve, por completo, a atitude temerária em tempos tão complexos de disseminação da pandemia no país; em parte, as manifestações de hoje demonstraram um nível de comprometimento com as medidas sanitárias que jamais foi visto nas aglomerações, sem nenhum sentido ou razão, promovidas pelo Presidente da República e seus seguidores. Havia uma causa a se lutar, havia preocupação, havia cuidado, em cada um que se fez presente pelas ruas brasileiras, neste sábado.

Agora, ratificadas as pesquisas de opinião, não há como negar a situação e nem seus vieses; só resta aguardar. O silêncio das cruzes, dos caixões, das criptas mortuárias, tão confortável ao torpor de certos cidadãos e instituições, foi rompido pelo sopro de vida que, ainda, resiste e persiste, ecoando seus gemidos e lamentos.

Vidas que são o retrato da realidade nada palatável desse país, porque desnudam e confrontam as frágeis narrativas circulantes. Vidas que, de um jeito ou de outro, estão computadas nas estatísticas da dramaticidade social brasileira.

Há, portanto, um pedido de socorro humanitário pairando sobre os céus do país. Brasileiros de todos os gêneros, credos, raças, etnias, status social, escolaridade, expressam indignados a mensagem que se faz subscrita pelos quase 460 mil mortos, e que se traduz em um apelo uníssono por justiça.

Afinal, como tão bem escreveu Rui Barbosa, “A injustiça, senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas” 1.

  



1 BARBOSA, R. Excertos de discurso parlamentar de 17 de dezembro de 1914. In: Discursos Parlamentares. Obras Completas. Vol. XLI, Tomo III, 1914. p.86-87. (https://institutopoimenica.com/2012/05/18/a-runa-da-justia-rui-barbosa/

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Bem mais do que simples hipocondria...


Bem mais do que simples hipocondria...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Desde que a Pandemia foi declarada, quem não desejou por uma solução rápida e milagrosa? A questão é que solucionar os impactos advindos de uma doença não é, tão simples, assim. Não é à toa que a Ciência tem se debruçado ininterruptamente sobre o assunto, a fim de elucidar as linhas e as entrelinhas desse inimigo viral e possibilitar melhores estratégias de prevenção e mitigação de sua ação patogênica.

Entretanto, vivendo sob os ares da contemporaneidade, as pessoas têm pressa o tempo todo, tornando a vida um labirinto da fugacidade. De modo que se tornam alvos fáceis de atalhos incertos, de promessas vãs, de respostas vazias, de credulidades infantis, ... só para satisfazer o seu desejo imediato, para não frustrar as suas expectativas. Entre a solução efetiva e uma desculpa qualquer; mas, que tenha potencial de ser mais rápida, as pessoas optam pela segunda opção, sem pestanejar.

Isso porque pensar, refletir, ponderar, criticizar, tornaram-se atos demasiadamente cansativos, diante da velocidade assumida pelo cotidiano. Razão pela qual é cada vez mais comum perceber como a sociedade abdica do seu protagonismo intelectual, para se permitir conduzir pelo “efeito manada” circulante no momento. Tornando, então, as supostas “soluções mágicas” um mecanismo de regra e não de exceção.

Entendido, então, o porquê de a Ciência estar perdendo espaço para o charlatanismo de ocasião? Por mais dedicada e devotada na busca por respostas e soluções, a Ciência é escrava do tempo. Um meio de cultura não vai se desenvolver mais rápido por conta da vontade de ninguém. Nenhum organismo vai responder a um experimento abaixo do prazo esperado, porque alguém quer que seja assim.

Na ciência, tudo tem o seu tempo e tentar romper essa lógica é assumir a opção pelo fracasso de uma resposta inconsistente e/ou equivocada. Afinal, por mais que ela tenha se desenvolvido do ponto de vista tecnológico, há premissas cientificas que não permitem inovações. Aquilo que é de caráter biológico funciona dentro de padrões existenciais próprios. E se estamos diante de um agente infectocontagioso desconhecido, como imaginar que é possível interferir no seu comportamento e na sua biodinâmica?

Por isso, o que milhares de brasileiros e brasileiras assistem em relação a disseminação de Fake News sobre a COVID-19 é fruto de um mundo que rodopia ao interesse do capital, de modo que o tempo desafia a paciência e a tolerância humana. A única maneira, então, de romper com esse “obstáculo” é encontrar vozes que referendem soluções ajustadas a esse interesse. Soluções que não transitam pelos caminhos da Ciência. Que não se respaldam por métodos e técnicas já consagradas. Que não se limitam pelas observações éticas da comunidade científica. 

Além disso, não se pode esquecer que as soluções científicas demandam investimentos elevados, os quais, nem sempre, são de interesse dos governos. Daí as tais “soluções mágicas” virem acompanhadas de custos, geralmente, módicos ou abaixo do mercado. O que resulta no velho provérbio, “matar dois coelhos de uma cajadada só”. Ao agir assim, o governo tenta apenas construir uma imagem de atitude e comprometimento em fazer, em tentar solucionar; mesmo ciente de que, tal (is) medida (s), é (são) inócua (s).

É exatamente isso que tem ocorrido no Brasil. Há uma insistente promoção de tratamentos preventivos (ou precoces) para COVID-19 – Hidroxicloroquina/cloroquina, Azitromicina e Ivermectina. O uso dessas medicações para a doença já demonstrou total ineficácia, segundo estudos desenvolvidos pela comunidade científica de maior relevância no Brasil e no exterior, incluindo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, tendo em vista o baixo quantitativo de vacinas disponíveis pelo governo brasileiro, para a imunização da sua população, e a lentidão do processo, a vulnerabilidade das pessoas faz com que tentem se apegar em alguma coisa, como uma boia de salvação; visto que, a doença já sinaliza um terceiro movimento de recrudescimento de transmissão.

Acontece que, o fato dessas medicações serem ineficazes para a COVID-19, não significa que não possam causar efeitos colaterais no ser humano, que variam de leves a gravíssimos. No caso da Azitromicina, por exemplo, que é um antibiótico, o uso desnecessário contribui para promover o desenvolvimento de mecanismo de resistência e adaptação. Isso significa que o antibiótico, normalmente usado no tratamento especifico de doenças bacterianas, passa a não ser mais eficaz, tornando o combate à infecção mais complexo e demorado, inclusive, podendo agravar o quadro clínico do paciente. 

Do mesmo modo, a Cloroquina/Hidroxicloroquina e a Ivermectina trazem em suas respectivas bulas farmacêuticas informações sobre efeitos colaterais, os quais não podem ser desprezados ou negligenciados pela população, dada a eventual gravidade de sua manifestação no indivíduo. Como nenhum ser humano dispõe de conhecimento prévio completo sobre a sua bioquímica e imunofisiologia corporal, a susceptibilidade as reações adversas aos medicamentos é uma roleta-russa, que pode matar.

É preciso cuidado com essa corrente hipocondríaca pandêmica, que leva a sociedade ao absurdo, pelo medo excessivo de que a COVID-19 possa ameaçar sua vida. Afinal, ela envolve com uma teia tão hipnotizante, que as pessoas deixam de perceber que o limite entre viver e morrer não está definido pelo vírus; mas, pelas ações (ou a carência delas) por parte dos governos.

Se há uma corrida por uma solução milagrosa, na fórmula de pílulas ou comprimidos, é porque alguém insiste na defesa tremulante da ineficiência e da insuficiência. Não investiu em vacinas para todos. Não se empenhou em medidas profiláticas simples (higienizar bem as mãos, usar máscara e álcool em gel, manter distanciamento uns dos outros). Não pensou em políticas públicas emergenciais que garantissem efetivamente a dignidade humana. 

Assim, se essa hipocondria voraz resiste é porque, no fundo, as pessoas de alguma forma se convenceram de que não há esperança de uma solução; sobretudo, rápida, por parte das autoridades.  De modo que qualquer fiapo de sobrevivência, significa simplesmente que “Depois da tristeza vem a alegria; depois da alegria vem a tristeza. Estamos sempre na instabilidade, entre a esperança e o medo” (John Owen – teólogo do século XVII), como interessa aos jogos de poder do mundo, os quais o ser humano é só uma peça no tabuleiro. 

quinta-feira, 27 de maio de 2021

(In)ação...

(In)ação...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mahatma Gandhi dizia que “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. Mas, olhando para a situação do Brasil, nesse momento, o problema é não se ver o certo em nenhuma área; mas, uma sucessão de desmantelamentos que comprometem não só o desenvolvimento do país, como a sobrevivência de sua população.

Não há nenhum setor em que não se perceba a velha história do “cachorro correndo atrás do rabo”, ou seja, um esforço imenso que não traduz em absolutamente nada. Tudo porque a estrutura foi comprometida pela ausência de planejamento, de conhecimento, de interesse em promover melhorias e avanços. Transformaram o país em uma gigantesca arena de confronto ideológico, que não conseguiu ser claro nas suas próprias convicções e, nem tampouco, estabeleceu uma mudança com efetividade e relevância propositiva; apenas, discussão arbitrária e ruptura. Puseram abaixo o que estava funcionando, sem que houvesse um plano melhor para colocar no lugar.

Por isso, não é justo lançar sobre a Pandemia a culpa sobre o caos. A presença do Sars-Cov-2 em território nacional foi, tão somente, mais uma questão a revelar esse movimento desconstrutivo do país. Mais uma vez, ele manteve sua posição de caminhar na contramão do desenvolvimento contemporâneo e das perspectivas globais. Uma trilha própria repleta de atraso e de inação que revela o nível de despreparo e de ausência plena de habilidades e competências, por parte daqueles que deveriam tocar as agendas governamentais.

É lógico que se o governo federal age de maneira atabalhoada, isso repercute diretamente nos demais entes federativos. A governança do país se dá por uma engrenagem que precisa articular todos de maneira precisa, a fim de evitar o travamento e a interrupção dos processos e resultados. Ninguém é pior ou melhor nesse contexto, todos têm sua importância e sua participação bem definida. Caso contrário, o país não avança e a população padece as consequências e a cronificação das mazelas.

Portanto, não é à toa, que paire no ar um clima de insatisfação generalizada. Universidades sendo “derretidas” a olhos vistos, pela insuficiência de recursos. Pesquisas importantíssimas para o avanço científico e tecnológico sendo paralisadas, por perseguições ideologizadas aos grandes nomes da Ciência nacional. Investidas brutais de uma economia perversa à sobrevivência da população, especialmente, as parcelas mais vulneráveis. O retorno triunfante do desemprego e da miséria nacional. A lentidão da imunização contra a COVID-19 pela carência quantitativa de vacinas. O gargalo logístico nos serviços de saúde. Enfim... Não adianta culpar a imprensa por tantas más notícias. A população sente na pele, na dramaticidade cotidiana, o que está acontecendo no país.

Infelizmente, a resposta mais elucidativa quanto ao porquê de todo esse movimento, talvez, esteja nas palavras de George Orwell, quando ele afirma que “O essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas de produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que de outra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e, portanto, com o passar do tempo, inteligentes” 1.

Deixar o país em escombros significa, então, tornar os 94% da população distribuídos entre a classe média tradicional e a classe baixa, totalmente, subservientes aos interesses e objetivos mercantis da elite. Daí a governança se revestir de uma fundamentação teórica baseada no Biopoder, na Necropolítica e na Aporofobia.

Os indivíduos das camadas estruturantes da pirâmide social são, portanto, “peças” sem importância humana para a sociedade, apenas econômica. Por isso, todo e qualquer investimento em políticas públicas vem sendo preterido. O que faz com que os direitos sociais2 - Educação, Saúde, Alimentação, Trabalho, Moradia, Transporte, Lazer, Segurança, Previdência Social, Proteção à maternidade e a infância e Assistência aos desamparados – estejam sempre na lista da prioridade de cortes no orçamento público, independentemente da conjuntura vigente.

Por mais que pareça indigesta, essa breve reflexão é um lampejo da realidade brasileira. Assim, não se esqueça de que “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados” (Aldous Huxley); é preciso entender que “[...] quem não espera o bem não teme o mal” (Maquiavel). Talvez, por isso, Jean-Paul Sartre dizia, “O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”, porque dele se constitui a nossa voluntária inação.  



1 ORWELL, G. 1984. Companhia das Letras, 2009.

2 art. 6º, CF. 1988.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Ação ou resultado? Eis a questão!


Ação ou resultado? Eis a questão!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quase meio milhão de mortos pela Pandemia, no Brasil. ... É do comportamento humano uma tendência natural de responder aos incômodos e agressões na mesma moeda; sobretudo, diante do efeito cumulativo dos acontecimentos. Com base nisso, é que milhares de cidadãos brasileiros estão se organizando para uma manifestação pública, no próximo sábado, em oposição aos atos do governo federal, em relação aos descaminhos estabelecidos quanto as medidas sanitárias e preventivas ao Sars-Cov-2, no país.

Então, me coloquei a pensar a respeito; mas, me abstendo do calor da indignação legítima e do desalento terrível que teima em nos envolver. De repente, algo ficou claro nessa reflexão. O comportamento acintoso do Presidente da República, especialmente nos fins de semana, quando promove voluntariamente aglomerações e reafirma seus pontos de vista, em discursos bastante questionáveis, é uma forma de instigar aqueles que não comungam das mesmas ideias, a saírem as ruas, então, e bradar seus descontentamentos.

Não precisa ser nenhum gênio para saber, por meio das pesquisas de opinião, que a insatisfação cresce dia a dia no país. Os números dão conta de um “mar de gente” que já ultrapassou os limites da tolerância com as notícias do cotidiano tupiniquim. Portanto, o governo já sabe que o seu nicho de apoiadores está bem menos expressivo do que o dos outros.

Essa é, também, uma outra razão para eles precisarem fazer barulho e aglomeração para persuadirem algum alienado que, ainda, esteja em cima do muro. Não passa de estratégia de motivação barata para manter acesa a chama de seus seguidores mais fanáticos.

Então, “morder essa isca” seria oferecer de bandeja o argumento que o governo tanto espera, ou seja, “eles nos criticam, mas agem exatamente da mesma forma”. Se as aglomerações do governo configuram um estopim favorável para a disseminação da Pandemia, por que a de seus contestadores seria diferente? Pois é...

Sem contar que, quaisquer atitudes impensadas e mais agressivas de alguém disposto a desestabilizações premeditadas, poderiam diluir em fração de segundos a constitucionalidade pacífica da manifestação e torná-la um campo de confronto, com a eventual possibilidade de pessoas feridas, necessitando de atendimento médico em tempos de tanta sobrecarga no setor. Um prato cheio para governo.

Como, também, é ingenuidade pensar que ir para as ruas, nesse momento, vai dissuadir o Congresso Nacional. Eles estão muito confortáveis na ideia de que “brasileiro tem memória curta” e já contam com sua reeleição no pleito de 2022. Se assim não fosse, não haveria mais de 100 pedidos de impeachment lotando as gavetas da presidência da Câmara dos Deputados, em total inação. Talvez, muitas pessoas não entendam que a repetição das ideias leva ao esgarçamento delas. O “efeito surpresa” só funciona, quando de sua primeira vez. Depois se transforma em mais do mesmo.

Não adianta se mirar em movimentos, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), ocorridos nos EUA e em outros países europeus, porque a própria realidade pandêmica deles seguiu por caminhos totalmente diferentes do Brasil, em razão do próprio posicionamento governamental.

Lá, eles podiam sair às ruas em plena Pandemia, apesar dos riscos de contaminação, porque ninguém iria questionar o seu direito ao exercício de cidadania. Ninguém iria usar dessas manifestações para acusá-los de disseminar o vírus em larga escala, porque os governos estavam trabalhando a favor de combatê-lo. Sem contar que os próprios governos reconheciam a legitimidade e a legalidade das manifestações, por se tratar de uma justíssima reivindicação histórica.

Estamos no século XXI, no auge da tecnologia e da comunicação, esse é o momento de repensar, de maneira inteligente e focada, os caminhos para visibilizar o descontentamento social. Ao propor marchas, passeatas, carreatas, tenho a impressão de que abdicamos da evolução do tempo para nos apegar a segurança primitiva dos velhos hábitos, como se importasse mais a representação do fazer do que o próprio resultado.

Nesse sentido, não se esqueça de que “As palavras podem ser como os raios-x, se as usarmos adequadamente: penetram em tudo. A gente lê e é trespassado”; embora, “Não basta que as frases sejam boas, seria preciso que o que delas se fizesse também fosse bom” (Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo, 1932).

Por isso, se Mahatma Gandhi conseguiu a independência da Índia, influenciando mais de 350 milhões de pessoas em uma não-guerra contra os Ingleses, é sobre isso que se deve pensar. Afinal, como escreveu Victor Hugo, “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”.


segunda-feira, 24 de maio de 2021

As más influências


As más influências

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quando o germe da transgressão e da desobediência são ativos no ser humano, qualquer empurrãozinho extra é suficiente para desencadear o seu potencial. Más influências existem em todo canto e geralmente atuam no sentido de reafirmarem a sua própria “fama de má”, projetando-a no outro. Isso porque, diante do calor dos acontecimentos, ninguém reflete sobre a autodeterminação do infeliz, mas alude, imediatamente, a qualquer má influência de plantão. É assim que as chamadas “más influências” agem sem deixar vestígios ou digitais.   

No entanto, o que pode parecer bobagem, sem maior importância, esconde algo tão grave que o próprio Direito Penal brasileiro se dedica a comentar a respeito. Trata-se da “autoria intelectual”, ou seja, alguém que possa tanto restringir-se à organização e direção da empreitada criminosa quanto participar diretamente da prática delituosa planejada. Geralmente, tal mentoria é exercida por quem dispõe de experiência e traquejo no contexto daquela determinada situação. Que sabe calcular as estratégias, os riscos, os ganhos, ... enfim.

E por mais que estejamos em pleno século XXI, esse movimento de manipulação social parece cada vez mais vivo e altivo. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos terem colocado a sociedade em uma posição de informação e conhecimento mais amplo, esse processo também traz consigo um viés manipulador.

Primeiro, porque as ideias chegam, na maioria das vezes, recortadas a fim de atenderem a um determinado objetivo. Segundo, porque a dimensão quantitativa e qualitativa dos fatos e informações impossibilita as pessoas de exercerem uma absorção crítico-reflexiva em relação ao mundo. E, por fim, as relações sociais contemporâneas são tão bombardeadas pelos jogos de poder e interesse, que muitos se tornam presas fáceis de serem envolvidos pelas artimanhas das más influências.

Acaba ocorrendo, segundo diz o provérbio, “junta-se a fome com a vontade de comer”. De modo que não se pode atribuir desigualdade nesse processo. Influenciados e más influências encontram-se em pé de igualdade, porque nenhum deles é melhor ou pior do que o outro. No fim das contas, o que os aproxima e celebra a sua relação é a existência de interesses comuns, quase sempre, não muito éticos e morais.

Tudo isso nos dá uma pequena noção de o porquê da corrupção ser tão difícil de combater. Porque não se tem como saber, de antemão, se este ou aquele tem o tal germe, citado acima. Já, em relação as más influências, essas exibem sua marca até com certa determinação, porque se julgam tão espertas, sagazes e descoladas, que não fazem questão de medir as palavras ou as atitudes. Embora, em raríssimas conjunturas, tentem fazer o tipo “lobo em pele de cordeiro”; mais como charme, do que por instinto de sobrevivência.  

Assim, vez por outra, emergem os constrangimentos e os escândalos. Algumas cabeças rolam, metaforicamente. Outras se equilibram para não terem o mesmo fim. Como se o “Baile da Ilha Fiscal” pudesse perpetuar pelo tempo e pela história, com todo o seu simbolismo esbanjador a tripudiar sobre as mazelas do povo, a ideia da imunidade que lustra a impunidade no seio social privilegiado.

Com escreveu William Shakespeare, em Rei Lear, “Eis a sublime estupidez do mundo; quando nossa fortuna está abalada – muitas vezes pelos excessos de nossos próprios atos – culpamos o sol, a lua e as estrelas pelos nossos desastres; como se fossemos canalhas por necessidade, idiotas por influência celeste, escroques, ladrões e traidores por comando do zodíaco; bêbados, mentirosos e adúlteros por forçada obediência as determinações dos planetas; como se toda a perversidade que há em nós fosse pura instigação divina. É admirável desculpa do homem devasso – responsabiliza uma estrela por sua devassidão. [...] Bah! Eu seria o que sou, mesmo que a estrela mais virginal do mundo tivesse iluminado a minha bastardia”.

Assim, se muitos entregam-se à transgressão e a desobediência é porque, na verdade, veem nisso uma dádiva para sobreviver as distorções do mundo. Sentem-se apequenados e vulneráveis, a tal ponto, que se permitem ceder ao flerte das más influências, em um bom pretexto de alegação de que “os fins justificam os meios”. Em contrapartida, as más influências não se fazem de rogadas e regalam a sua imensa satisfação em ter, também, quem lhes encubra as ranhuras profundas de sua má índole, por meio de uma paga módica.     


domingo, 23 de maio de 2021

Qual é a surpresa, hein?!


Qual é a surpresa, hein?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sejamos sinceros, mas não há surpresa nas atitudes do alto escalão do Governo Federal, em relação à Pandemia. Todos seguem a cartilha determinada pelo Presidente e ponto final. Simples assim. E se isso causa incômodo, desconforto, indignação é problema de cada um, porque eles não têm a mínima intenção de mudar. Dentro de suas mentes tudo parece estar completamente em ordem, pelo menos, na ótica da ordem que eles reconhecem. Então...

Semana a semana, eles exercitam suas táticas de “cabo-de-guerra” com a opinião pública, buscando vencer pela elevação do nível de irritação e descontentamento. Afinal, cada morte computada nas estatísticas esgarça um pouco mais o bom ânimo popular. Sem contar, toda a paralisia que consome a tomada de decisões que poderiam mitigar satisfatoriamente as mazelas, arrastadas como correntes há tanto tempo. Parafraseando o Velho Chacrinha 1, eles não vieram para resolver, vieram para complicar.

Sendo assim, enquanto houver plateia para aplaudi-los, o espetáculo fica em cartaz. Aliás, particularmente, o absurdo não está necessariamente neles; mas, na descoberta de que existem pessoas, além dos muros palacianos, que comungam exatamente das mesmas ideias. Ou seja, gente comum, sem maior notoriedade, que padece o cotidiano como qualquer um; mas, prefere se abster de ver a vida como ela é. Gente que se permite ser capacho, “bobo da corte”, à espera de alguma migalha, de raspas e de restos.

Esses, agora, estão visíveis. Saíram de suas sombras para alguns minutos de fama. Algo que considero bastante produtivo, porque nos dá a oportunidade de desconstruir algumas ideias equivocadas sobre essa gente brasileira. A começar de uma percepção homogeneizada e feliz que nunca existiu; mas, que por falta de um bom aprofundamento sobre a história brasileira, quase se firmava como verdade.

 O Brasil das dimensões continentais é, antes de tudo, o país das desigualdades. Uma imensa mão com dedos disformes e irregulares que coexiste por pura falta de opção, se esbarrando e disputando espaço o tempo todo. Pequenos nichos que vivem a iminência dos atritos, que lhes favorecem manter a cabeça fora d’água por alguns instantes. Uma relação intensa de amor e ódio que lhes sustenta a possibilidade de sobrevivência.

Ora, tudo nessa terra aconteceu de maneira atabalhoada. No entanto, ninguém nunca se preocupou em “colocar os pingos nos is”. Deixaram rolar solta a história, de modo que as arestas foram tecendo paralelismos indigestos que comprometeram, significativamente, a expressão da consciência cidadã, da identidade nacional, do pluralismo existencial. Paira sobre cada um, uma nuvem tóxica de aparente civilidade que, a menor fagulha de instabilidade, põe tudo a perder.

O mais intrigante é que ao contrário de ser a maioria a ter vez e voz nesse processo, é a extrema minoria quem faz e dita as regras, tendo em vista que o Colonialismo saiu do Brasil; mas, o Brasil jamais saiu do Colonialismo. Aliás, foi esse apego que permitiu fazer crescer sobremaneira a maioria, enquanto expressão numérica, para atender as demandas minoritárias; mas, exercendo sobre ela tamanho controle social que não lhes permitiu florescer a dignidade de seus direitos fundamentais.

Então, o que se vê, na atual conjuntura, é a exacerbação desse movimento, o qual a minoria não se importa nem um pouco com a grande massa da população, ou seja, a classe média tradicional e a classe baixa, que juntas representam 94% do total de cidadãos. Para eles, “tanto fez como tanto faz”, porque sente-se seguros economicamente. Afinal, como escreveu Machado de Assis, “O capital existe, se forma e sobrevive à custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera”.

Portanto, não importa para o governo se há meia dúzia de pessoas ou cem mil a lhe aplaudir, bajular ou manifestar explicitamente sua alienação coletiva, todo fim de semana. No frigir dos ovos, ele sabe que jamais lhe faltará o sangue, o suor e as lágrimas de 94% da população, movendo as engrenagens da sua política ultraliberal de extrema direita. Concordando ou discordando do governo, essas pessoas estão historicamente mergulhadas nessa conjuntura.  

Assim, o que tem sido visto, ao longo desses pouco mais de 2 anos, é como escreveu George Orwell, no livro A Revolução dos Bichos, ou seja, “De modo geral, porém, os bichos gostavam daquelas celebrações. Achavam confortador serem relembrados de que, afinal, não tinham patrões e todo o trabalho que enfrentavam era em seu próprio benefício. E assim, às custas das cantorias, dos desfiles, do estrondo da espingarda e do drapejar da bandeira, conseguiram esquecer de que estavam de barriga vazia, pelo menos a maior parte do tempo”.



1 “Eu não vim para explicar. Vim para confundir”.


sábado, 22 de maio de 2021

O duelo entre as variantes e a inação


O duelo entre as variantes e a inação

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Noticiadas as estratégias de alguns estados brasileiros em relação ao controle da disseminação da variante indiana do Sars-Cov-2, através de portos, aeroportos e pontos de fronteiras terrestres, elas só fazem reafirmar a consciência de que nem tudo foi feito para conter a doença desde o início, há pouco mais de um ano.

Diferentemente de outras tragédias em que a percepção irrealista do ser humano quanto a imortalidade foi fundamental para um desfecho terrível, no caso da Pandemia, não me parece que esse tenha sido o fiel da balança; mas, a necessidade de não romper com a estrutura econômica pensada para o país.

Seja como for, a verdade é que a vida do cidadão brasileiro foi preterida. Tudo pareceu mais importante e merecedor de atenção do que o ser humano. Como se o cotidiano pudesse seguir seu curso sem a presença das pessoas. Por isso, mais de 446 mil mortos até agora.

Negligência. Despreparo. Omissão. Irresponsabilidade. Desatenção. ... quaisquer tentativas de explicar o que vêm acontecendo são insuficientes e ineficientes diante do quadro de horror em que vivem os brasileiros; pelo menos, os mais conscientes, os mais humanos, os mais sensíveis, os mais indignados.  

E não há desculpas nem retratações que sejam capazes de cumprir seu papel. Antes mesmo que o pior nos atingisse em cheio, tivemos a possibilidade de acompanhar pelos veículos de comunicação e informação, a saga devastadora da Pandemia por diversos países da Europa e nos EUA. Assistimos ao desespero nos hospitais, as cidades vazias pela obrigação urgente dos severos lockdown, os veículos militares abarrotados de caixões transportando-os até os locais de sepultamento coletivo, a dor das famílias enlutadas que não puderam se despedir de seus entes queridos, ... Nada disso nos foi negado de participar de antemão.

Mas a cobiça, a ganância, as regalias, os privilégios, a farra, o oba-oba, tudo tem sido mais importante do que a vida. Nossa compaixão, ou empatia, ou fraternidade, ou qualquer outra manifestação altruísta, tem sido surpreendentemente incapaz de ressaltar o próprio instinto de sobrevivência natural de cada um. Como se estivéssemos blindados pelas armaduras da imortalidade dos deuses.

Então, eu paro, penso, respiro e me surpreendo. Se essa convicção imortal é tão pulsante, como parece ser, por que, então, se preocupar “nos 45 do segundo tempo” com o recrudescimento da doença no país? Por que tomar as decisões que deveriam ter sido tomadas lá no início? Por que acreditar que, agora, elas seriam eficientes e mudariam o curso da história?

Ora, as estatísticas só chegaram ao ponto em que estão porque além de todas as estratégias erráticas até aqui, muitos continuam resistentes as orientações mais simples de prevenção, ou seja, uso de máscaras, distanciamento social, higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel. Então, a preocupação tardia, a essas alturas do campeonato, é inócua. A escolha por ficar no atraso, no bloco dos retardatários, foi da gestão pública e seus asseclas.

Por enquanto, a variante indiana parece restrita a alguns poucos casos no estado Maranhão. Acontece que no restante do país, a curva de estabilidade da doença, que já se configurava em patamar bastante elevado, voltou a subir e despertar atenção para uma terceira onda de agravamento. Estamos de volta ao sobressalto, ao risco iminente do colapso no sistema de saúde, a insuficiência de medicamentos, ... ao caos.

Tudo acontecendo as portas do inverno nacional, quando as temperaturas caem, na maior parte do país, e por essa razão, a presença em ambientes fechados favorece as doenças virais, bacterianas e fúngicas se manifestarem com mais intensidade.

Sem falar, na probabilidade do racionamento de água, em muitos municípios, decorrente da escassez de chuvas no período de outono/inverno que diminuem drasticamente o abastecimento dos reservatórios, ou seja, mais um obstáculo para a higienização correta da população, especialmente, aquela mais vulnerável.

De modo que ao deparar com a notícia de que o Instituto Para Métricas de Saúde e Avaliação (IHME), da Universidade de Washington, nos EUA, projeta um cenário sombrio para as mortes pela COVID-19, no Brasil, dentro dos próximos meses 1, isso aponta claramente para a ausência de um panorama de recuperação da Pandemia no país.

Ou seja, estamos patinando sobre os erros sem sairmos do lugar e desconsiderando, totalmente, a complexidade que envolve as questões de saúde no país, tendo em vista tantas variáveis distintas que interferem naturalmente nesse processo.

Mas, onde está a surpresa, se o Brasil nunca levou a sério o Planejamento em Saúde Pública. Basta ver as epidemias de Dengue, Chikungunya, Zika, Malária, Tuberculose, Sífilis, que acontecem bem debaixo do nosso nariz e vitimam milhares de pessoas ano após ano. Sem contar outras doenças que, se não matam em profusão, deixam sequelas incapacitantes física e socialmente, como é o caso da Hanseníase.  

Como se vê, a Pandemia veio lançar luz sobre essa “verdade inconveniente”, desnudar os silêncios que tanto mal fazem ao país. Mas, isso não é tudo. É preciso desconstruir esse modus operandi de governança e se alinhar aos parâmetros da contemporaneidade científica e tecnológica para assistir adequadamente as demandas seculares que clamam por aqui. Caso contrário, não tardará o dia em que o país será varrido do mapa, por qualquer doença tratável, que ele, simplesmente, optou por fingir não existir.  



1 https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/05/4925457-instituto-da-universidade-de-washington-faz-previsao-sombria-para-covid-19-no-brasil.html 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Xenofobia: a indiferença e o medo


Xenofobia: a indiferença e o medo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não é de hoje, que a história da humanidade relata a migração forçada de centenas de milhares de pessoas. Ao contrário do que muitos possam pensar, a vida sobre a Terra é quase sempre hostil e cruel.

Além de questões climáticas e ambientais, as quais, de certo modo, são também frutos das ações antrópicas, todo um conjunto de guerras, conflitos armados, instabilidade política, miséria e desalento impulsiona o êxodo populacional em diversas partes do planeta.

De modo que, cada vez mais, se vê urgente a constituição de políticas humanitárias capazes de lidar com as demandas desse novo rearranjo populacional.  

E como a vida é dinâmica, tudo acontece simultaneamente, os problemas só fazem se avolumar sem uma solução minimamente satisfatória. Afinal, esse deslocamento populacional não se restringe a uma realocação espacial ou geográfica.

Por trás de cada refugiado existe uma base identitária sociocultural que precisa ser respeitada e resignificada dentro de uma nova conjuntura. O que significa um ajuste comportamental e processual entre quem recebe e quem é recebido.

A condição de refugiado se assemelha, portanto, a um renascimento social em condições, geralmente, muito adversas. Quando sobrevivem as travessias em mar aberto, eles chegam, quase sempre, munidos com a roupa do corpo e nada mais.

A maioria encontra-se separada de suas famílias e amigos, durante esse movimento, ficando sem nenhuma notícia uns dos outros por semanas, meses e, até, anos.

Tanto do ponto de vista físico quanto psicológico, eles chegam, portanto, muito fragilizados e dependentes de cuidados especiais; o que demanda uma expressiva disponibilidade humanitária dos países que se propõem a recebê-los.

Acontece que, vistas de perto, cada nação, por mais bem-sucedida que possa aparentar, tem inúmeras demandas a serem resolvidas internamente. As desigualdades sociais não se restringem aos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento; elas estão distribuídas de maneira particular por todo o mundo sem exceção.

O que faz com que em alguns lugares o nível de resistência em acolher refugiados seja manifesto por exacerbada intolerância e violência, fomentadas pelas crescentes correntes de extrema-direita ultranacionalistas.

Tomando por base as suas respectivas realidades e eventuais perdas sociais, decorrentes dos próprios movimentos socioeconômicos globalizantes, muitos desses cidadãos enxergam nos refugiados um acirramento da competição por bens, serviços e trabalhos.

Por um lado, é certo que alguns dos recém-chegados possuem formação profissional e nível de escolaridade suficiente para os colocar em condição de igualdade para concorrer no mercado. Mas, por outro, muitos necessitarão de assistência básica do governo para sobreviverem até que seja possível se reorganizarem socialmente. Fato é que, agora, com a Pandemia, essa questão se agravou ainda mais.  

A severidade com a qual o Sars-Cov-2 impactou a dinâmica do mundo repercutiu em prejuízos tão significativos, que as nações têm sido obrigadas a redesenhar as suas expectativas e perspectivas futuras, segundo o avanço da doença.

A necessidade de uma nova projeção de redistribuição de recursos econômicos para atender as populações em diferentes situações afunila o gargalo humanitário; sobretudo, em relação aos refugiados. Há, em muitos lugares, uma impossibilidade real de dar-lhes asilo, dada a uma insuficiência logística de atendimento.

Basta observar, por exemplo, a lentidão da imunização contra a COVID-19 pelo mundo. A escassez de vacinas, em diversos países, favorece a permanência e circulação do vírus; bem como, sua capacidade de mutação e geração de cepas cada vez mais infectocontagiosas.

De modo que, tão cedo, não há prognóstico de controle real da Pandemia. Afinal, são quase 8 bilhões de seres humanos a serem imunizados e, ainda não se sabe pela Ciência, se essa imunização será anual como acontece com o vírus Influenza (Gripe), o qual demanda investimento e estratégia para a sua realização.

Até lá, é imperioso traçar estratégias que venham proteger as populações e evitar novas ondas de recrudescimento da doença, a fim de mitigar eventuais sobrecargas de demandas nos serviços de saúde.

Situação que esbarra diretamente na presença de contingentes refugiados, que passam a compor repentinamente a população de um determinado local, o que faz ultrapassar a capacidade natural estimada para os atendimentos.

É por essas e por outras, que não cabe qualquer tipo de indiferença ao ser humano. Ainda que, à revelia de milhares, as relações humanas são muito mais próximas do que se pode imaginar. Quando nos permitimos fechar os olhos ao que acontece de ruim com os outros, quase sempre estamos oportunizando que os desdobramentos de suas mazelas atinjam diretamente o nosso próprio espaço. No fundo, somos uma teia corresponsável pelo o que acontece de melhor ou de pior no mundo.

Por trás dos diferentes cenários que desencadeiam as legiões de refugiados há um ponto comum, a distribuição global da renda. O modo como a sociedade lida com os recursos econômicos tem contribuído para os desastres climáticos e ambientais que expulsam milhões de pessoas de seus territórios pela escassez de água e alimentos.

Mas, também, custeia as guerras, os conflitos armados, a instabilidade política, a miséria e o desalento, porque divide a sociedade em nichos que perdem a capacidade de coexistência pela carência dialógica. O dinheiro passa a determinar quem manda e quem obedece, a partir de discursos fundamentados na vigilância e na punição.

Como manifestou Zygmunt Bauman, “os refugiados simbolizam, personificam nossos medos. Ontem, eram pessoas poderosas em seus países. Felizes. Como nós somos aqui, hoje. Mas, veja o que aconteceu hoje. Eles perderam suas casas, perderam seus trabalhos. O choque está apenas começando”.

Portanto, caro (a) leitor (a), a verdade é que a indiferença é tanto xenofóbica quanto aporofóbica. Assim como, em relação à ganância e o poder. Porque as pessoas não querem rever seus conceitos, suas posições, seus erros, seus equívocos, ...

Enfim, não querem sair de suas zonas de conforto, de regalias, de privilégios, muitas vezes, conquistados e construídos à custa de esforços e sacrifícios extremos de outros seres humanos. Não querem dividir, compartilhar, cooperar. Querem apenas invisibilizar, desprezar, maltratar os outros, porque, assim, lhes parece mais fácil negar a si mesmos a iminente possiblidade de virem a estar na mesma posição que eles.