Ação
ou resultado? Eis a questão!
Por
Alessandra Leles Rocha
Quase meio milhão de mortos pela
Pandemia, no Brasil. ... É do comportamento humano uma tendência natural de
responder aos incômodos e agressões na mesma moeda; sobretudo, diante do efeito
cumulativo dos acontecimentos. Com base nisso, é que milhares de cidadãos
brasileiros estão se organizando para uma manifestação pública, no próximo
sábado, em oposição aos atos do governo federal, em relação aos descaminhos
estabelecidos quanto as medidas sanitárias e preventivas ao Sars-Cov-2, no
país.
Então, me coloquei a pensar a
respeito; mas, me abstendo do calor da indignação legítima e do desalento
terrível que teima em nos envolver. De repente, algo ficou claro nessa
reflexão. O comportamento acintoso do Presidente da República, especialmente
nos fins de semana, quando promove voluntariamente aglomerações e reafirma seus
pontos de vista, em discursos bastante questionáveis, é uma forma de instigar
aqueles que não comungam das mesmas ideias, a saírem as ruas, então, e bradar
seus descontentamentos.
Não precisa ser nenhum gênio para
saber, por meio das pesquisas de opinião, que a insatisfação cresce dia a dia
no país. Os números dão conta de um “mar
de gente” que já ultrapassou os limites da tolerância com as notícias do
cotidiano tupiniquim. Portanto, o governo já sabe que o seu nicho de apoiadores
está bem menos expressivo do que o dos outros.
Essa é, também, uma outra razão
para eles precisarem fazer barulho e aglomeração para persuadirem algum
alienado que, ainda, esteja em cima do muro. Não passa de estratégia de
motivação barata para manter acesa a chama de seus seguidores mais fanáticos.
Então, “morder essa isca” seria oferecer de bandeja o argumento que o
governo tanto espera, ou seja, “eles nos
criticam, mas agem exatamente da mesma forma”. Se as aglomerações do governo
configuram um estopim favorável para a disseminação da Pandemia, por que a de
seus contestadores seria diferente? Pois é...
Sem contar que, quaisquer
atitudes impensadas e mais agressivas de alguém disposto a desestabilizações
premeditadas, poderiam diluir em fração de segundos a constitucionalidade pacífica
da manifestação e torná-la um campo de confronto, com a eventual possibilidade
de pessoas feridas, necessitando de atendimento médico em tempos de tanta
sobrecarga no setor. Um prato cheio para governo.
Como, também, é ingenuidade
pensar que ir para as ruas, nesse momento, vai dissuadir o Congresso Nacional.
Eles estão muito confortáveis na ideia de que “brasileiro tem memória curta” e já contam com sua reeleição no
pleito de 2022. Se assim não fosse, não haveria mais de 100 pedidos de impeachment lotando as gavetas da presidência
da Câmara dos Deputados, em total inação. Talvez, muitas pessoas não entendam
que a repetição das ideias leva ao esgarçamento delas. O “efeito surpresa” só funciona, quando de sua primeira vez. Depois se
transforma em mais do mesmo.
Não adianta se mirar em
movimentos, como o Black Lives Matter
(Vidas Negras Importam), ocorridos nos EUA e em outros países europeus, porque
a própria realidade pandêmica deles seguiu por caminhos totalmente diferentes
do Brasil, em razão do próprio posicionamento governamental.
Lá, eles podiam sair às ruas em
plena Pandemia, apesar dos riscos de contaminação, porque ninguém iria
questionar o seu direito ao exercício de cidadania. Ninguém iria usar dessas
manifestações para acusá-los de disseminar o vírus em larga escala, porque os
governos estavam trabalhando a favor de combatê-lo. Sem contar que os próprios
governos reconheciam a legitimidade e a legalidade das manifestações, por se
tratar de uma justíssima reivindicação histórica.
Estamos no século XXI, no auge da
tecnologia e da comunicação, esse é o momento de repensar, de maneira
inteligente e focada, os caminhos para visibilizar o descontentamento social. Ao
propor marchas, passeatas, carreatas, tenho a impressão de que abdicamos da
evolução do tempo para nos apegar a segurança primitiva dos velhos hábitos,
como se importasse mais a representação do fazer do que o próprio resultado.
Nesse sentido, não se esqueça de
que “As palavras podem ser como os
raios-x, se as usarmos adequadamente: penetram em tudo. A gente lê e é
trespassado”; embora, “Não basta que
as frases sejam boas, seria preciso que o que delas se fizesse também fosse bom”
(Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo, 1932).
Por isso, se Mahatma Gandhi
conseguiu a independência da Índia, influenciando mais de 350 milhões de
pessoas em uma não-guerra contra os Ingleses, é sobre isso que se deve pensar. Afinal,
como escreveu Victor Hugo, “As palavras têm
a leveza do vento e a força da tempestade”.