quarta-feira, 26 de maio de 2021

Ação ou resultado? Eis a questão!


Ação ou resultado? Eis a questão!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quase meio milhão de mortos pela Pandemia, no Brasil. ... É do comportamento humano uma tendência natural de responder aos incômodos e agressões na mesma moeda; sobretudo, diante do efeito cumulativo dos acontecimentos. Com base nisso, é que milhares de cidadãos brasileiros estão se organizando para uma manifestação pública, no próximo sábado, em oposição aos atos do governo federal, em relação aos descaminhos estabelecidos quanto as medidas sanitárias e preventivas ao Sars-Cov-2, no país.

Então, me coloquei a pensar a respeito; mas, me abstendo do calor da indignação legítima e do desalento terrível que teima em nos envolver. De repente, algo ficou claro nessa reflexão. O comportamento acintoso do Presidente da República, especialmente nos fins de semana, quando promove voluntariamente aglomerações e reafirma seus pontos de vista, em discursos bastante questionáveis, é uma forma de instigar aqueles que não comungam das mesmas ideias, a saírem as ruas, então, e bradar seus descontentamentos.

Não precisa ser nenhum gênio para saber, por meio das pesquisas de opinião, que a insatisfação cresce dia a dia no país. Os números dão conta de um “mar de gente” que já ultrapassou os limites da tolerância com as notícias do cotidiano tupiniquim. Portanto, o governo já sabe que o seu nicho de apoiadores está bem menos expressivo do que o dos outros.

Essa é, também, uma outra razão para eles precisarem fazer barulho e aglomeração para persuadirem algum alienado que, ainda, esteja em cima do muro. Não passa de estratégia de motivação barata para manter acesa a chama de seus seguidores mais fanáticos.

Então, “morder essa isca” seria oferecer de bandeja o argumento que o governo tanto espera, ou seja, “eles nos criticam, mas agem exatamente da mesma forma”. Se as aglomerações do governo configuram um estopim favorável para a disseminação da Pandemia, por que a de seus contestadores seria diferente? Pois é...

Sem contar que, quaisquer atitudes impensadas e mais agressivas de alguém disposto a desestabilizações premeditadas, poderiam diluir em fração de segundos a constitucionalidade pacífica da manifestação e torná-la um campo de confronto, com a eventual possibilidade de pessoas feridas, necessitando de atendimento médico em tempos de tanta sobrecarga no setor. Um prato cheio para governo.

Como, também, é ingenuidade pensar que ir para as ruas, nesse momento, vai dissuadir o Congresso Nacional. Eles estão muito confortáveis na ideia de que “brasileiro tem memória curta” e já contam com sua reeleição no pleito de 2022. Se assim não fosse, não haveria mais de 100 pedidos de impeachment lotando as gavetas da presidência da Câmara dos Deputados, em total inação. Talvez, muitas pessoas não entendam que a repetição das ideias leva ao esgarçamento delas. O “efeito surpresa” só funciona, quando de sua primeira vez. Depois se transforma em mais do mesmo.

Não adianta se mirar em movimentos, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), ocorridos nos EUA e em outros países europeus, porque a própria realidade pandêmica deles seguiu por caminhos totalmente diferentes do Brasil, em razão do próprio posicionamento governamental.

Lá, eles podiam sair às ruas em plena Pandemia, apesar dos riscos de contaminação, porque ninguém iria questionar o seu direito ao exercício de cidadania. Ninguém iria usar dessas manifestações para acusá-los de disseminar o vírus em larga escala, porque os governos estavam trabalhando a favor de combatê-lo. Sem contar que os próprios governos reconheciam a legitimidade e a legalidade das manifestações, por se tratar de uma justíssima reivindicação histórica.

Estamos no século XXI, no auge da tecnologia e da comunicação, esse é o momento de repensar, de maneira inteligente e focada, os caminhos para visibilizar o descontentamento social. Ao propor marchas, passeatas, carreatas, tenho a impressão de que abdicamos da evolução do tempo para nos apegar a segurança primitiva dos velhos hábitos, como se importasse mais a representação do fazer do que o próprio resultado.

Nesse sentido, não se esqueça de que “As palavras podem ser como os raios-x, se as usarmos adequadamente: penetram em tudo. A gente lê e é trespassado”; embora, “Não basta que as frases sejam boas, seria preciso que o que delas se fizesse também fosse bom” (Aldous Huxley – Admirável Mundo Novo, 1932).

Por isso, se Mahatma Gandhi conseguiu a independência da Índia, influenciando mais de 350 milhões de pessoas em uma não-guerra contra os Ingleses, é sobre isso que se deve pensar. Afinal, como escreveu Victor Hugo, “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”.