quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Apesar dos pesares... Ainda há esperança!


Apesar dos pesares... Ainda há esperança!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Tantos episódios de desrespeito, de indiferença, de desumanidade explícita, que já estava quase me rendendo ao pensamento no qual não tardaria o dia em que coração e cérebro se tornariam órgãos vestigiais pelo simples desuso.

Mas, eis que um sopro de esperança aconteceu através dos noticiários. Uma reportagem exibida nesta última tarde de 2020, dava conta das centenas de homenageados pela Coroa Britânica em razão de seus esforços em diferentes áreas neste ano pandêmico. Famosos e anônimos que voluntariamente se puseram nas linhas de frente da história para tecer solidariedade, fraternidade, cidadania. Gente movida pela consciência e pelo coração.

Uau! Que fantástico! Como diriam os Titãs, “o pulso ainda pulsa...”1, no sentido mais pleno e humanista da existência de uma corrente do Bem. Uma corrente onde cada elo se coloca a serviço sem precisar ser convocado. Por pura vontade. Por genuína humanidade. Sem barganha. Sem recompensa material. Sem pódio. Um sinal claro de que nem tudo está perdido.

E assim se esvaem as desculpas. As justificativas insanas e frágeis. Os pretextos ridículos. Porque a consciência, o exercício pleno do bom senso, a grandeza do caráter digno fala por si só. O altruísmo não está fora de moda. Ser do Bem ainda é um clássico indefectível. Ainda é uma honraria. Ainda faz distinção.

Enquanto o mundo rodopia nas voltas do infinito, são esses seres humanos que estão sob os verdadeiros holofotes. Iluminados por uma luz que transcende suas próprias almas e faz jorrar sobre o planeta uma onda imaterial de reflexão. Pacificados pelo desapego em relação as frivolidades virtuais e contemporâneas, eles são os agentes das mudanças silenciosas. Porque se engana quem pensa estar a metamorfose necessária do mundo atrelada aos burburinhos midiáticos.

Segundo Charles Darwin, “O homem que tem coragem de desperdiçar uma hora do seu tempo não descobriu o valor da vida”. Afinal, por mais que se faça haverá sempre o que fazer. No mundo desigual as razões clamam à inquietude humana. Talvez, por isso “A verdadeira inteligência trabalha em silêncio. É no silêncio em que a criatividade e a solução de problemas se encontram” (Eckhart Tolle) 2.

O COVID-19 é apenas um item de uma lista infindável de questões a perturbar a humanidade. Por isso não adianta se avestruzar diante da vida ou usar lentes cor- de-rosa para fingir que a vida não é o que é. Tudo está sempre por um triz. Uma hora é o desemprego. Outra é a carestia. Mais adiante são as catástrofes naturais. Aqui e ali as doenças. Enfim...

Diante dessa realidade o mundo precisa de corações e cérebros funcionantes. Não pelas metades. Não seletivos. Não alienados pela reverberação dos efeitos manadas existentes. Mas, plenos. Plenamente aptos a cumprirem seus papeis. Plenamente aptos a contribuir com nossa essência humana. A fim de que o pêndulo da vida possa oscilar no perfeito equilíbrio entre a razão e a sensibilidade. Que 2021 seja, então, um ano pródigo em revelar mais seres humanos dotados dessa habilidade. Afinal, apesar dos pesares, ainda há esperança! 

 

domingo, 27 de dezembro de 2020

Conservadorismo... Violência... Feminicídio...


Conservadorismo... Violência... Feminicídio...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

 

Para onde vai a marcha conservadora eu não sei. Mas que a defesa tradicional da família se esfacela, quando mulheres são assassinadas diante de seus filhos, disso eu não tenho dúvida. De repente o conservadorismo ficou permissivo demais, especialmente, no que diz respeito à violência. Tudo se resolve na facada, no tiro, na asfixia... enquanto isso, famílias são implodidas sumariamente, em um país cuja a pena capital não faz parte das leis.

Se quiserem saber os desdobramentos da guerra procurem conversar com aqueles que viveram de perto os seus horrores ou leiam livros biográficos que tratam do assunto. A violência não tem fim. Ela reverbera pelo tempo. Ela promove feridas que não cicatrizam. Ela marca a ferro o inconsciente por meio das lembranças.

Então, imagine pensar no que ela faz para as crianças. Seres em formação que deveriam estar se desenvolvendo acolhidas por ambientes harmônicos e pacíficos, para poderem desabrochar suas potencialidades cognitivas, emocionais e afetivas.

A violência, sobretudo aquela que se traduz na morte estúpida e bárbara, é uma manifestação social sempre muito difícil de entender para qualquer pessoa, em quaisquer idades. Mas, para as crianças, esse processo é muito maior. É como se fosse feito um rasgo profundo na sua história. Remendá-lo, ou repará-lo, é uma tarefa impossível. Haverá sempre uma pausa fúnebre, uma grosseira marca naquele ponto, a sinalizar o momento exato que a vida se esfacelou.

Recentemente assisti ao filme “A vida secreta das abelhas”(The Secret Life of Bees)1, de 2008. Não só pelo elenco de primeira linha, o qual inclui Dakota Fanning, Queen Latifah, Jennifer Hudson e Alicia Keys; mas, pela delicada forma de abordar a violência doméstica a luz de toda uma violência social ainda maior, o filme traz uma reflexão valorosa em tempos tão conturbados.

Afinal, a história baseada no livro homônimo da escritora Sue Monk Kidd, descreve com uma sensibilidade tocante como a violência aprisiona o ser humano além das grades reais; de modo que, o sofrimento não se extingue voluntariamente na passagem do tempo. Ele é sentido e manifesto de maneiras e intensidades distintas por todos os que vivenciam aquele processo.

Não nos esqueçamos: “Nossas vidas começam a morrer no dia em que calamos coisas que são verdadeiramente importantes” (Martin Luther King Jr.). Nesse contexto, considerando os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres, o feminicídio vai muito além de um atentado contra a vida humana feminina.

Ele promove, portanto, uma desorganização social sem precedentes que se desdobra sobre segmentos diversos do cotidiano. A começar pelo fato de que 28,9 milhões de famílias no Brasil são chefiadas por mulheres. As mulheres exercem um papel de liderança e manutenção do equilíbrio interno e externo das famílias dentro da sociedade. E em média uma mulher vem sendo assassinada no país a cada 7 horas. Então...

Rompendo a ideia de estratificação social, o feminicídio se dissemina nos veios da diversidade populacional, desconstruindo discursos insistentemente estereotipados. Mulheres estão sendo extirpadas da sociedade e o impacto disso já vem sendo sentido e questionado. Afinal, a matança de seres humanos do sexo feminino afronta e desqualifica o papel das instituições do Estado, enquanto desconsidera as legislações vigentes e as parcas políticas públicas em curso.

Em que mundo vivem, então, os conservadores de plantão? Filhas, netas, mães, estudantes, trabalhadoras, ... mulheres estão morrendo pela desassistência e conivência da sociedade que sustenta o ideário do patriarcado. Não há constrangimento. Não há contestação. Não há repúdio. Até a consternação parece comedida. E não pela brutalidade, pela covardia, pelo absurdo. É que enquanto rodopia o século XXI, esse campo da história permite girar sob antigas rotações em nome da ousadia de não mudar, de não evoluir.

Caro (a) leitor (a), estamos diante de uma humanidade seca. A aridez tomou conta de seus sentidos, de suas emoções. Ela não consegue mais depurar a essencial consciência de que “a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir” (Hannah Arendt). Portanto, isso se explica como, “a força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une” (Milton Santos).

sábado, 26 de dezembro de 2020

Como será o amanhã?!


Como será o amanhã?!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

 

Quem diria que o ser humano iria fazer aposta com a própria vida! Houve um tempo em que acreditei piamente que as pessoas possuíam instinto de sobrevivência e preservação. Mas, vendo o mundo como está, me questiono todos os dias a esse respeito. A humanidade foi envolvida pela força do imediatismo. Que se danem as consequências! ...

A questão é que elas chegam! Inevitavelmente, elas chegam. À revelia de vontades e desejos, o cotidiano é muito mais complexo do que se possa imaginar ou querer. A vida é tecida sobre um labirinto de regras, de normas, de protocolos, de leis, os quais ultrapassam os limites da displicência humana.

Não se trata de muito ou pouco conhecimento a respeito. Nem de querer ou não os seguir. Eles estão lá e pronto. Fingir que não viu ou quaisquer outras desculpas não se sustentam. As decisões sempre cobram seu preço; sobretudo, quando tomadas sem pesar os prós e os contra, sem considerar as possibilidades e seus vieses. A ansiedade não é uma boa conselheira. Porque o “agora” podem ser muitos; nunca se sabe.   

Pena que a humanidade abriu mão de pensar, de refletir, para transitar pelos atalhos, pelos pretextos, pelos subterfúgios insustentáveis. Como se a vida pudesse ser vivida na concepção de um jogo de regras em constante mutação, segundo os interesses e necessidades do jogador. Só que não é assim.

De modo que esse processo vai tecendo teias enoveladas que parecem não ter fim. Os problemas vão se misturando, se confundindo, se tornando mais e mais complexos e difíceis; embora, pudessem ter sido tão simples de resolver no início da sua gênese. Então...

Há uma arrogância intrínseca ao ser humano que o faz pensar não precisar pensar, ou que pode delegar essa tarefa a quem possa interessar e só usufruir da praticidade do chamado “efeito manada” da existência humana. Ele não gosta de despender seu tempo aprendendo. Não lê manuais. Não se importa com as leis. Não considera as regras. Enfim... age sob a batuta da própria cabeça. Estufa o peito para ostentar seus achismos. Para dar seus jeitinhos. Para se vestir de esperteza e embromação. Até que um dia “a casa cai” como haveria de ser.

Por mais autonomia que o ser humano deva manifestar a sua existência, ela não é fruto do acaso e nem tampouco está dissociada do mundo. A individualidade não é o bastante para sobrepor a coletividade. Não é à toa que Santo Agostinho já dizia “Há homens que se agarram a sua opinião, não por ser verdadeira, mas simplesmente por ser sua”. E um ponto importantíssimo nessa reflexão, é que a velocidade com que a vida responde a esse tipo de imprevidência pode ser mais rápida que a esperada.

Para se absterem do comprometimento, da responsabilidade, da análise, os seres humanos acabam construindo um pacto velado de confiança entre si. Depositam uns aos outros níveis de expectativa e credulidade sobre o incerto, o incomensurável, que chega a assustar.

Sabe aquela velha história de não se debruçar sobre as notas de rodapé, as letrinhas miúdas dos contratos?! Apenas dispensam uma leitura dinâmica mequetrefe e fim. E na insistência dos avisos e alertas, dão de ombros e fazem ouvidos de mercador. É como se “de repente” se esquecessem de que não devemos confiar nem mesmo na própria sombra.

Aí, quando o barco naufraga, a bomba estoura, a casa implode, choram sua vitimização sem pudores. Como se pudessem realmente se distanciar mais uma vez do comprometimento, da responsabilidade, da análise, dos fatos em si. E se há coisas que podem ser remendadas, restauradas, recuperadas, há outras que não. São definitivas, imutáveis. Prejuízos que custam a própria vida ou a de muitos outros.

Por mais afoitas, desesperadas ou imediatistas que as pessoas sejam, sob muitos aspectos o mundo ainda é o mesmo. A rotação da Terra permanece em 24 horas. A translação em 365 dias.  A morte sem aviso prévio.  ... Isso significa, então, que ao invés de debochar e de menosprezar a vida, você devesse dispensar “Cuidado com seus pensamentos, eles podem se tornar palavras. Cuidado com suas palavras, elas podem se tornar ações. Cuidado com suas ações, elas podem se tornar hábitos. Cuidado com seus hábitos, eles podem se tornar seu caráter. Cuidado com seu caráter, ele pode se tornar seu destino” (frase do filme A Dama de Ferro). Assim, antes de se perguntar como será o amanhã, observe antes como está o seu agora.  


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A revolta “pós-moderna” da vacina


A revolta “pós-moderna” da vacina

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Uma história não se conta da perspectiva de um único quadro. O Negacionismo científico que se exacerbou nesses tempos pandêmicos não chegou agora. Basta uma consulta nos boletins de vacinação das últimas décadas para se perceber como as pessoas têm negligenciado a prevenção. Não é à toa que recentemente as mortes por Sarampo têm assustado e ganhado as páginas da imprensa mundial.

O que separa o ser humano desse microuniverso patogênico não passa de um véu de invisibilidade microscópica. Estamos com eles dia e noite sem nos darmos conta. Dentro e fora de nossos corpos eles se multiplicam e se armam na cruzada infectante. Portanto, isso não é privilégio do COVID-19 para se lançar mão de uma “obrigatoriedade vacinal” exclusiva.

Aliás, o que vem garantindo a humanidade certo equilíbrio nessa relação é justamente a presença de vacinas disponíveis e acessíveis ao maior número de pessoas.  É importante destacar a respeito da imunização, o fato de que não existe totalidade em razão de que, apesar dos rígidos controles científicos e sanitários, algumas pessoas não são aptas a vacinação por razões médicas diversas.

Não se trata de um problema com uma determinada vacina, mas de uma incompatibilidade biológica do próprio indivíduo que pode representar um prejuízo maior do que o benefício da imunização. Mas isso só pode ser avaliado pelo médico que acompanha esse paciente, que conhece o histórico de saúde do mesmo na sua completude. Não é uma mera questão de achismo, ok?

Por isso, é muito preocupante o comportamento que vem sendo imposto pela sociedade mundial em negar a prática da vacinação. Seria muito oportuno que os meios de comunicação, conjuntamente com os gestores públicos, começassem a trabalhar na publicidade dos boletins epidemiológicos junto à população, para trazer uma consciência holística a respeito dos riscos de reincidência de doenças, as quais já poderiam estar até erradicadas.

É fundamental considerar que algumas doenças, como a Febre Amarela, são endêmicas, estão presentes em várias regiões do Brasil e do mundo. Outras, como a Tuberculose, jamais deixaram de marcar presença nas sociedades, especialmente, no tocante aos sistemas carcerários superpopulosos, em virtude do surgimento da AIDS. De modo que, o controle de vacinação se faz necessário para evitar surtos epidêmicos severos entre a população, porque neles o foco inicial da doença se expande em uma velocidade assustadora para todo o conjunto social.

Esta, inclusive, é uma das razões pelas quais diversos países impõem nas suas normas sanitárias a exigência compulsória de apresentação da carteira de vacinação para ingresso em seus territórios. Trata-se de um dos mecanismos de barreira sanitária alfandegária, que contribui para a análise e proposição de medidas de controle no caso de um eventual surto de determinada doença. Isso facilita o rastreamento do agente infectocontagioso entre a população.

No que diz respeito ao COVID-19, acima de discussões políticas e ideológicas, talvez o que seja de fato necessário considerar é que as vacinas propostas estão longe da consagração pública que todas as demais já alcançaram ao longo do tempo. Ainda que todo o trabalho técnico e científico das empresas produtoras esteja amparado por extrema vigilância e regulação, tudo acontece concomitantemente a ampla elucidação sobre a doença em si.

O COVID-19 é um agente viral desconhecido. Portanto, os últimos meses foram dedicados a se conhecer profundamente o seu comportamento biológico, seus mecanismos de infecção e reinfecção, suas potencialidades em relação a mutabilidade gênica e, particularmente, os riscos de sequelas pós contato com o vírus; visto que, ele consegue impactar com severidade órgãos do sistema cardiovascular e respiratório, sistema renal e sistema neural por períodos relativamente longos, demandando tratamentos suporte. Portanto, ainda que as vacinas em curso sejam uma esperança na prevenção da COVID-19, as respostas não podem ser consideradas plenamente conclusivas.

Levando-se em consideração todas as expectativas criadas em torno delas quanto à retomada imediata do cotidiano em nível pré-pandemia, a verdade é que a cautela e as medidas sanitárias básicas propostas – uso de máscara, higienização constante das mãos, evitar aglomerações e contatos físicos – tenderão a persistir por um tempo não previsível. O que gera em muitos um sentimento de frustração e desalento em relação à vacinação; afinal, as outras já existentes mostraram-se uma solução quando aplicadas dentro dos critérios estabelecidos pelos sistemas de saúde. Mas, como isso não é uma receita de bolo, então...

O importante é estar atento as informações e as orientações disponibilizadas pelos órgãos oficiais de saúde, especialmente a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a respeito do andamento da vacinação nos países que já iniciaram os processos, ainda que em nível emergencial. As vacinas autorizadas, as quais se saíram bem-sucedidas nas fases de testagem, agora ganham o espaço público fora dos laboratórios e podem reafirmar seus dados iniciais; bem como, trazer novas e importantes informações sobre o produto desenvolvido.

Enquanto aguarda-se o processo começar no país, analisar e refletir são palavras de ordem. Essas são as verdadeiras obrigações do cidadão antes de qualquer iniciativa. Porque o que se vê em qualquer esquina é uma baixíssima utilização do bom senso, do respeito mútuo, da solidariedade diante dos milhares que vieram a óbito pela COVID-19, da ausência de amor próprio.

Estamos diante da visão mais clássica da sociedade pós-moderna, ou seja, aquela que abraçou as transgressões para se abster de quaisquer obrigações. E o resultado se avoluma diante do nosso nariz. Na afronta ao sistema jurídico e normativo explode o caos da irresponsabilidade, da carnificina, da desorientação social, da involução. Assim, embora importantíssimas as informações e as decisões registradas no papel, se as palavras não forem devidamente absorvidas e incorporadas pelo cidadão, elas se tornam ineficazes. Antes dessa vacina é preciso encontrar um caminho que seja, realmente, capaz de recobrar a consciência humana sobre seu próprio senso de humanidade.


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

A vida no mundo dos “pobres meninos ricos”...


A vida no mundo dos “pobres meninos ricos”...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Nem só de realidade extrema e complexa vive a Pandemia. Para muitos, ela tem sido o pretexto perfeito para justificar as ineficiências, as insuficiências e as negligências que se arrastam há séculos no país. Então, foi bastante oportuna a divulgação do resultado do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no dia de hoje, para desconstruir as narrativas enviesadas e trazer luz e reflexão sobre as mazelas que se arrastam entre nós.

Talvez jamais conseguiremos extirpar as desigualdades do país. Mas, não tentar ao menos mitiga-las é de uma ignorância e inconsequência absurdas. E esse tem sido um dos pilares de sustentação do modelo de governança idealizado pelos atuais gestores públicos, no qual há uma visível desconsideração quanto a se aplicar uma visão holística para as demandas do país.

Lamento, mas não adianta fazer pirraça. O Brasil é pobre. 82% da população se distribui entre as classes C (16%), D (20%) e E (46%). Não que isso seja um retrato do século XXI; mas, algo que persiste secularmente desde o iniciar da história nacional. Desigualdade sempre foi palavra de ordem por aqui, então... Não cabe uma idealização em torno de medidas que só se encaixem ao atendimento dos 18% da população centrados nas classes A e B.

Trazer aos patamares estratosféricos o enriquecimento de uns em detrimento da pobreza extrema e da precarização existencial de milhares, não é nem nunca foi solução. O mundo pós Revolução Industrial vêm percebendo, a olhos vistos, o esfacelamento da sociedade por conta da insustentabilidade das práticas político-econômicas aplicadas. O que de certo modo já leva alguns bilionários, como Bill Gates, a investirem em projetos mundiais de combate as disparidades de distribuição de riqueza.

O mundo desigual não favorece ao comércio e nem a produção. A própria Pandemia mostrou como as restrições de emprego e renda concentraram a aplicação dos recursos disponíveis pela população mais pobre para a compra de alimentos e pagamentos de serviços básicos – água, luz, telefone. Isso significa que a desigualdade social limita a circulação de riquezas e produtos, na medida em que mais da metade da população perde o acesso a diversidade daquilo que é produzido e comercializado no país.   

Em se tratando da análise do IDH, por exemplo, o Brasil retrocedeu 5 posições, ocupando agora a 84ª entre os 189 países avaliados. Como a estatística utilizada se baseia nos dados em relação a expectativa de vida ao nascer, a educação e ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita, sabemos que a matemática não errou. Basta olhar ao redor, por atenção aos noticiários, e tudo se confirma com facilidade.

Se por um lado os avanços científicos e tecnológicos trouxeram melhorias para a saúde e bem-estar da população, promovendo uma ampliação, ainda que pequena, na expectativa de vida dos cidadãos; por outro, esse processo não é homogêneo e linear. O cotidiano nos médios e grandes aglomerados urbanos exerce função inibidora nessa expectativa e aponta prejuízos importantes, especialmente para quem vive nas periferias. Estresse, obesidade, hipertensão, distúrbios do sono, ansiedade, ... são algumas das consequências da vida sob a dinâmica do elevado desenvolvimento urbano.

Afinal, são longas distâncias a serem percorridas diariamente em condições inadequadas de transporte e deslocamento. É a precariedade habitacional. É a violência exacerbada sob diferentes formas. É a insuficiência da remuneração para a garantir uma sobrevivência digna. É toda a obstaculização aos direitos humanos fundamentais.

No campo da educação os caminhos, também, não são promissores. Se o analfabetismo apresenta alguma redução, isso se torna pouco relevante se a discussão a respeito se envereda para o letramento. Não basta conhecer os signos, os símbolos, as letras, formar palavras e frases, realizar operações matemáticas básicas; porque, isso é só alfabetização. Possibilitar que as pessoas saibam ler, interpretar, extrair conclusões, manifestar ideias e opiniões, expandir o conhecimento; esse é o resultado do letramento. E o que vemos por aí, são muitos analfabetos funcionais, ou seja, gente alfabetizada, mas não letrada.

E dentre as justificativas para isso, está a constante flutuação das taxas de escolarização. A necessidade de sobrevivência, as impossibilidades de acessibilidade ao ambiente escolar, a violência, são alguns exemplos dos fatores que fazem com que milhares de cidadãos não consigam completar, com o mínimo de qualidade, os ciclos fundamentais e médios da escolarização nacional.

O resultado disso, então, repercute negativamente em um padrão de vida decente, ou seja, em um Produto Interno Bruto per capita (PPC) inadequado a sua dignidade cidadã. Esses indivíduos ficam presos a uma teia de desigualdade que não lhes permite ascender dentro da sociedade; sobretudo, por conta de uma educação muito frágil e precária. De modo que esse grande contingente é comprimido nas vielas da informalidade, para sobreviver. Eles são os operários das multitarefas; aprendem os ofícios segundo as necessidades do momento, ganham muito pouco e não dispõem de uma rede de assistência e proteção social.

Portanto, enquanto a política econômica do governo insistir em se distanciar da realidade social do país e desenvolver um modelo genuinamente excludente e seletivo, o desenvolvimento e o progresso irão patinar, patinar, sem sair do lugar. Porque não basta atender aos interesses minoritários, as regalias de pequenos grupos, quem gira a grande engrenagem econômica do país são aqueles que estão sendo deixados as margens, punidos milhares de vezes por serem quem são. Pobres diabos. Desalentados. Desafortunados. Injustiçados. Porque a vida deles no mundo dos “pobres meninos ricos” espelha o que diz a canção, “... Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém / Aqui embaixo, as leis são diferentes...” 1.

 

sábado, 12 de dezembro de 2020

Tudo se transforma...


Tudo se transforma...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Assistindo ao documentário LIXO EXTRAORDINÁRIO 1, de 2010, não pude deixar de pensar a respeito de como a humanidade compactua com as perversidades sociais, a fim de satisfazer o âmago do seu próprio individualismo.

Diante de todos os avanços da ciência e da tecnologia, inclusive apresentando ao mundo uma dúzia de possibilidades de vacina para a prevenção do COVID-19, desenvolvidas em menos de um ano de pesquisa, não percebo esforços significativos e na mesma velocidade para lidar com as desigualdades que expõem milhares de seres humanos a condições degradantes e insalubres diariamente.

Creio que a população brasileira, na sua imensa maioria, não reflete por um minuto sequer a respeito do próprio lixo que produz. Já entrou no rol dos atos mecânicos e cotidianos da sociedade o descarte dos resíduos produzidos. O que acontece depois fica sem pergunta, vagando em um mar de esquecimento profundo.

Uma pena, porque para algum lugar ele é destinado e, portanto, na geografia das cidades é necessário dispensar uma área para esse fim. Tarefa complexa na medida da compatibilização com tantas outras demandas espaciais que os municípios apresentam ano a ano. Não pode ser área de preservação permanente, não pode estar próximo demais do perímetro urbano habitado, não pode ter cursos d’água, enfim... de modo que a escolha se torna sempre difícil e limitada.

Considerando que a produção de resíduos não é uma questão do crescimento da população por si só, mas de suas demandas de interesse e consumo, esses espaços precisam de tempos em tempos serem substituídos por outros, reiniciando o árduo processo de seleção. Inclusive, é importante salientar que essa vida útil dos aterros é diretamente impactada, também, pelo fato de uma política pública que não fomenta repensar, reduzir, recusar, reutilizar e reciclar os materiais. A sociedade simplesmente descarta; coloca em um saco plástico qualquer os seus resíduos e fim de papo.  

Isso significa que não há uma verdadeira atenção aos desperdícios. As relações de consumo produzidas pelos seres humanos são, em geral, inadvertidas e irresponsáveis; como se bastasse apenas ter que considerar a disponibilidade de dinheiro ou não para adquirir isso ou aquilo. Se há ou não uma necessidade real daquela compra, ou se os recursos naturais estão sendo exauridos desnecessariamente, ou se aquele produto não precisaria de tantas embalagens, ou se não há possibilidade de consumo dentro do prazo de validade, ... nada disso é levado em consideração. Tudo se resume em comprar e depois descartar.

Uma visão um tanto quanto insensível; mas, que tende a ser pior quando se alcança a perspectiva humana que reside no microcosmo do lixo. Por trás dos grandes caminhões que coletam toneladas e mais toneladas diariamente pelas cidades e as despejam nos aterros, há uma legião gigantesca de seres humanos que promovem a seleção e a venda de tudo o que é reciclável nessas montanhas de lixo.

Suprindo, de certa forma, a ineficiência e insuficiência das políticas públicas, os catadores são uma classe de trabalhadores oriundos da desigualdade. A margem das oportunidades sociais, eles são uma parcela de gente sumariamente descartada e invisibilizada, que sobrevive aos perigos e desafios da vida nos lixões. Eles criam em meio a total precariedade a sua própria rede de assistência social; embora, a realidade não lhes permita desfrutar de uma expectativa de vida normal. No entanto, a sua dignidade humana é tão forte e plena, que constrange quando comparada a tantos que só fazem produzir lixo por aí.

A questão é que ao não perceber essas pessoas, a sociedade primeiro aceita e admite que elas habitem e trabalhem em condições absolutamente insalubres. Expostas a doenças diversas ao mesmo tempo em que há uma real desassistência médico-hospitalar para tratá-las. Vulneráveis diante da carência de um sistema de segurança alimentar e nutricional. Banidas da acessibilidade educacional, cultural, habitacional e de saneamento básico. De repente, é como se tivessem sido transformadas em mero produto do lixo, perdendo sua identidade, sua cidadania.

Depois, a sociedade não contribui de maneira efetiva para que os materiais recicláveis cheguem aos catadores de maneira limpa e não prensada pelos caminhões de coleta tradicional. Que tenham galpões próprios e com infraestrutura adequada para a triagem e venda dos produtos. Não se importa que essas pessoas sejam tratadas com tanta indiferença e negligência, nem tampouco possam morrer por isso. Basta imaginar nessa pandemia, quando a higienização das mãos e o uso de máscaras mostrou-se tão fundamental na prevenção, como foram lançadas a tragicidade essas pessoas.

E quanto mais eu reflito sobre tudo isso mais tenho a terrível impressão de que o mundo é mesmo divido entre os que são importantes e os que não são; como se houvesse uma precificação para a vida humana. No entanto, essa abstenção de consciência e bom senso não muda o fato de todas as vidas importarem. Na dinâmica do cotidiano cada um dá a sua contribuição para o desenvolvimento seja apontando soluções, criando novidades, colocando a mão na massa para valer. Se alguém para, a roda da vida para.

Por isso, o que o documentário conseguiu extrair em três anos de vivência no local onde foi filmado, o Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, RJ, de 2007 a 2009, é que a perversidade não está nesse microcosmo do lixo, mas na relação do resto da sociedade com ele. Está na necessidade da desconstrução das narrativas incorporadas ao inconsciente coletivo de ambos os lados, o caminho para o resgate da dignidade humana e da cidadania, a fim de promover um desenvolvimento social equilibrado e produtivo.

Sem imaginar o que encontraria pela frente, me vi extasiada diante do processo que a arte de Vik Muniz 2 desencadeou, dando visibilidade as potencialidades humanas adormecidas pela rudeza das desigualdades. Afinal, havia sonhos, conhecimentos, esperanças, amores, tristezas, lutas, ... soterrados por montanhas de lixo despejadas diariamente. O que ele fez foi revolver, catar, separar e resgatar o que havia de melhor naquelas pessoas. Enquanto lhes trouxe a consciência sobre seu próprio valor, ensinou ao restante do mundo um caminho para pensar sobre o significado de tudo isso, sobre o papel da humanidade na construção de um mundo melhor, mais justo, mais solidário.   

Já dizia Antoine Lavoisier, químico do século XVIII, “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Olhando para o documentário e sobre o momento presente que a humanidade atravessa, isso fica muito claro. Por mais que as forças de resistência sejam muitas, a lição maior é de que “nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. ...não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar” (Bertolt Brecht, poeta e dramaturgo alemão).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

10 de dezembro, é o Dia Internacional dos Direitos Humanos.


Sobre dignidade, respeito, ... humanidade

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Era para ser um instrumento definitivo contra os absurdos na coexistência humana; mas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos1 ainda não conseguiu abandonar o estigma da utopia, da idealização. As guerras e os conflitos que se armam pelo mundo não estão extrínsecos a alma humana, não são frutos de decisões burocráticas e/ou políticas. Dentro de nós existe a barbárie, a intolerância, a maldade, a desunião, a radicalização, ... como uma brasa encoberta por cinzas e que a qualquer momento pode reascender com toda a sua potencialidade devastadora.

Habita, então, na população do planeta uma resistência descomunal em aceitar que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e “São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (DUDH, art. 1º), como se isso pudesse ameaçar a sua existência.

A impressão que se tem é que o ser humano se deixa absorver tanto pela ideia da imortalidade, do poder, da superioridade, que se esquece de que todas as suas conquistas, desejos, necessidades, realizações são banhadas pela efemeridade. Tudo começa. Tudo termina. Nada é para sempre. Somos mortais. Gente de carne e osso.

Estão nos esforços, nas habilidades e nas competências individuais, portanto, a manutenção da dinâmica da vida, do progresso, da evolução. Mas, é fundamental que a todos seja oferecida a oportunidade da igualdade e da equidade de direitos. Só assim é possível prosperar a dignidade humana. Afinal, a desigualdade que nos aponta a individualidade não exclui a igualdade que nos reúne enquanto raça. Aspiramos todos pela satisfação das mesmas demandas básicas e fundamentais; sejam elas materiais ou subjetivas. Por isso não faz nenhum sentido trabalharmos na contramão desses princípios.

Quanto mais a inconsciência em relação aos Direitos Humanos tenta se reafirmar, mais desordem e prejuízos ela angaria dentro da sociedade. Ela representa um estopim de tensões diversas que só fazem promover desequilíbrios totalmente antiproducentes. A presença de conflitos paralisa a sociedade em todos os níveis de organização e produção, porque abre espaço para desdobramentos impensados.

2020 foi pródigo para exemplificar essa questão. A violência racial exposta na brutalidade contra a população negra se propagou em ondas pelo mundo. Milhares de pessoas de todas as etnias, gêneros, credos, profissões, idades, saíram as ruas clamando por justiça e respeito aos Direitos Humanos. As páginas da história do Colonialismo e da Escravidão foram revisitadas a fim de rever os erros, as perversidades cometidas e admitidas, para que seja possível reescrever de outra maneira o futuro da sociedade.

Mesmo assim, em oposição a esse movimento de afirmação das vidas negras houve diversas tentativas de desacreditar e menosprezar as premissas dos Direitos Humanos por eles defendidas. De modo que houve confrontos, repressão policial, tentativas violentas de silenciar o lugar de fala dessas pessoas. O que se traduziu em uma visível imprevisibilidade dos caminhos que os protestos poderiam seguir. Exacerbação da intolerância. Extremismo. Judicialização. Enfim...

Não deixa de ser lamentável ter sido necessário transcrever no papel o óbvio da convivência humana, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Mas, pior é reconhecer que em pleno século XXI a humanidade ainda não se rendeu a obviedade e persiste no desgastante embate contra si mesma. Enquanto rechaça toda e quaisquer diferenças para negar a verdade sobre a sua essência imperfeita e inacabada, ela retrocede mais do que avança na evolução do mundo.

Talvez, então, seja preciso publicizar cada vez mais os Direitos Humanos, para que haja uma ruptura capaz de torná-los democraticamente acessíveis a todos. Porque como dizia Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul, “Não se tem de ser instruído para saber que se deseja determinados direitos fundamentais, e tem-se aspirações e exigências. Isso não tem nada a ver com instrução”, ou seja, é uma questão de informação, de compartilhamento de ideias. Afinal, “Há coisas que são resolvidas por governos. Há coisas que nenhum governo é capaz de resolver. Seremos nós, com o tempo que nos for concedido, que resolveremos. Por via da nossa cidadania em construção” (Mia Couto).

 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

PAZ É AMOR!


PAZ É AMOR!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Se tem uma ideia em franca propagação que me intriga muito é “armar o cidadão”. Estão fazendo de tudo para facilitar que qualquer um tenha acesso a inúmeras armas e munições. Mas, de quaisquer lados que eu tento pensar a respeito a proposta se esvazia.

Analisando sob a ótica da violência, não é o fato de dispor ou não de armamento a sua razão de ser. Na verdade, esse é um assunto extremamente complexo que perpassa por inúmeras variáveis e conjunturas sociais; sobretudo, das desigualdades. São as desigualdades que abrem as portas para que a violência se instale e promova todo o infortúnio de problemas. Porque ter uma arma não paga as contas no fim do mês, não cura doenças, não abre vagas de trabalho, não disponibiliza vagas em hospitais, enfim...

As desigualdades de certa forma sinalizam para as práticas da violência as oportunidades enviesadas, e cheias de más intenções, de solução para os problemas sociais. É aí que entra a violência como forma de reparação da insuficiência e da ineficiência da gestão pública. No entanto, o resultado disso é que o cidadão acaba sendo punido diversas vezes sem que jamais alcance um novo paradigma para coexistência social. Como se vivesse em eterno fogo cruzado entre as mazelas da desigualdade e a resposta oriunda das práticas da violência.

Por mais que se afirme existirem orientações de uso e restrição para o porte e utilização de armas, no contexto social vigente, elas acabam extrapolando esses tais limites para alcançarem rapidamente as mãos de pessoas despreparadas e perigosas. Eles já estão à margem da legalidade e da justiça, portanto, não é nenhum obstáculo desafiar o sistema, burlar as regras, para conseguir obter as armas que garantirão seus interesses funcionando plenamente.

O simples fato do poder aquisitivo ser um componente para possuir uma arma, posto que os custos envolvidos são altos, já sinaliza para esse segmento da sociedade um alvo potencial para sua ação criminosa; haja vista a quantidade de assaltos e arrastões em condomínios verticais e horizontais de luxo. Mas, eles também conseguem se armar via contrabando. O que significa que a criminalidade brasileira já mostrou para quem quiser ver o quanto é organizada e não teme fazer do seu embate com a justiça um desafio constante.

De modo que estamos sendo colocados cada dia mais na posição de reféns do medo. Não há valentia que resista ao espírito despojado daquele que diz “não ter nada a perder”. Nessa guerra, meus caros, alguém vai morrer. Provavelmente aquele que foi pego de surpresa, que não tem prática em conflito, que está em posição de desvantagem. E aí fica a pergunta, adiantou ter uma arma?

Quantas famílias já foram destroçadas pela violência de uma arma de fogo. Brincadeiras que acabaram na tragicidade de uma morte precoce. Feminicídio. Desequilíbrios mentais que desencadearam massacres coletivos. Suicídios. ... Milhões de assassinatos que não podem ser reparados nem revertidos. Cicatrizes eternas que não há como serem curadas. Pilhas de investigações e de processos judiciais que se avolumam e se arrastam pelos tribunais do país.

Afinal de contas, armar a sociedade não é fazer justiça. É tão estranho pensar que um país que não dispõe na sua legislação a pena capital favoreça abertamente as armas, vulnerabilizando a existência do cidadão e promovendo o inchaço demasiado de um sistema prisional já colapsado. Questão, por sinal importante, no que diz respeito a retroalimentação da violência; na medida em que, as prisões nacionais, em sua grande maioria, são incapazes de promover a recuperação cidadã de seus apenados.

Há 40 anos, completados ontem, John Lennon foi assassinado quando saía do Edifício Dakota, em Nova Iorque, por um fã. Justamente ele que um dia afirmou: “Vivemos num mundo onde temos que nos esconder para fazer amor, enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”. Nos EUA a legislação sobre armas deriva das suas tradições históricas e, portanto, tornou-se ineficiente para a realidade contemporânea do país. Por isso, pessoas são mortas a tiros com uma facilidade estupenda. Vidas são ceifadas; assim como, talentos, ideias, sonhos, amores, ...

Armar o cidadão é, portanto, intrigante. Segundo manifesta o Dalai Lama, “Violência não é um sinal de força, a violência é um sinal de desespero e fraqueza”. Talvez, mais do que isso, uma incapacidade dialógica e de coexistência humana profunda. Há um visível desconforto em reconhecer a legitimidade da presença do outro, de modo que tudo se transforma em pretexto, em disputa, em agressividade, ... em violência. E assim, as bolhas sociais vão se digladiando, se hostilizando, se rivalizando, ... se exterminando. Até que um dia a sociedade consiga enxergar que “Toda reforma imposta pela violência não corrigirá em nada o mal: o bem não necessita da violência” (Liev Tolstói – escritor russo). Paz é amor!


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Nesse Natal...


Nesse Natal...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Faz tempo que o Natal se distanciou da sua essência e se transformou em celebração do marketing e do consumo escondida na figura maior do Papai Noel e de seus ajudantes. E ainda que as pessoas buscassem estar mais próximas, reunidas, afetuosas, na escala das prioridades a festa estava sempre à frente da reflexão verdadeira em torno da simbologia natalina.

Mas, no ano que se marcou como um ponto fora da curva, o fim de ano também não será igual. A realidade imposta pelo COVID-19 não só rompeu as correntes protocolares que se arrastavam aos milhares; mas, também, impôs um olhar diferente sobre esse momento da humanidade. De certa forma, estaremos de volta as origens.   

Na fé cristã o nascimento de Jesus, o Nazareno, é marcado pela fuga da morte. Seus pais, Maria e José, são obrigados a fugir pelo deserto para proteger o filho da fúria de Herodes, o governador da Judeia. A criança, então, nasce em condições limitadas de conforto material. Isolados, sem o afeto de amigos e familiares, são apenas os três unidos e ungidos por sua fé que os guardou até a chegada dos três Reis Magos.

Pensando a respeito, depositando empatia a essa história milenar, talvez, agora, fique mais fácil compreender a dimensão do sacrifício experimentado por eles. Em nome da sobrevivência diante da morte cruel e determinada, eles enfrentaram o medo, a privação do convívio, a escassez de recursos, as intempéries da natureza desértica, enfim... todos os perigos e desafios que a vida lhes impusera naquele momento.

E aquele foi, também, um divisor de águas para a humanidade, na medida em que a presença de Cristo iria promover a maior e mais intensa transformação social da história. Diante das constantes investidas da barbárie, da brutalidade e da insensatez, o Nazareno chegava para revolucionar pelo bem, pela paz, pela concórdia, o pensamento e o comportamento das pessoas; ainda que isso lhe pudesse custar a morte precoce no alto de uma cruz.

Então, de repente, a raça humana foi abruptamente interrompida pela morte. Teve que se refugiar nos limites das condições possíveis. Teve que traduzir em reflexão o que seus olhos viram acontecer. Teve que reaprender. Teve que sobreviver. Teve que se isolar. Teve que ressignificar a dor. A trivialidade do cotidiano que antes passava despercebida e desnecessária, agora faz falta e é lamentada. Conviver.... Abraçar.... Beijar.... Visitar.... Divertir.... Ao longo de meses que desfolharam, e continuam desfolhando, lentamente o calendário de 2020 tem sido assim.

Por mais indiferente que se queira parecer, uma experiência como essa deixa cicatrizes profundas. Uma mudança de rota nesse nível, como aconteceu por conta da Pandemia, revolve o ser humano nas suas entranhas mais abissais. Tudo é muito intenso e repentino, de modo que o indivíduo é confrontado consigo mesmo sob uma dinâmica de descobertas e revelações jamais pensadas por ele.

Quase como gestar um novo ser. É; em meio ao caos está prestes a nascer uma nova humanidade. Novos valores. Novos princípios. Novos comportamentos. Resultados da necessidade impositiva de ruptura, a qual o vírus decretou. A vida a partir de agora não cabe mais dentro dos limites que existiam. Tudo está demasiadamente simples e complexo ao mesmo tempo, e existe sob a espreita do invisível e imponderável. De repente descobriu-se que a tecnologia não é tudo, não supre tudo, não resolve tudo. Afinal, “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” (Antoine Saint-Exupéry – O Pequeno Príncipe).

Então, nesse Natal agradeça. Compartilhe amor. Distribua fé. Renove esperanças. Como dito no filme O Curioso caso de Benjamin Button, “A vida só pode ser compreendida olhando para trás, mas só pode ser vivida olhando para frente”. Tudo vai passar. Tudo vai ficar bem. Porque “Há mais, muito mais, para o Natal do que luz de vela e alegria; é o espírito de doce amizade que brilha todo o ano. É consideração e bondade, é a esperança renascida novamente, para paz, para entendimento, e para benevolência dos homens”1.

  

1 Autor desconhecido.


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

EGITO ANTIGO: DO COTIDIANO À ETERNIDADE (Exposição)


A mostra reúne esculturas, pinturas, objetos, sarcófagos e até uma múmia, todas vindas do Museu Egípcio de Turim, o segundo maior acervo egípcio do mundo. São obras que tratam do cotidiano, religiosidade e costumes ligados à crença na eternidade.

Quando: de 16 de outubro de 2020 a 3 de janeiro de 2021

Onde: CCBB São Paulo (Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico)

Horário de funcionamento: todos os dias, das 9h às 17h, exceto às terças

Quanto: gratuita, com reserva de ingresso

Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-10/exposicao-egito-antigo-reabre-em-sp-com-protocolos-de-seguranca 

JOHN LENNON EM NOVA YORK POR BOB GRUEN (Exposição)


'John Lennon em Nova York, por Bob Gruen', ocupa os dois andares do Museu de Imagem e Som e revela, por meio de mais de 130 imagens selecionadas pelo próprio Bob Gruen, a vida do ex-Beatle. Além das 130 imagens, a mostra também apresenta uma seleção inédita de 40 fotos vintage que são expostas em ampliações originais feitas pelo fotógrafo.

Quando: até 31 de janeiro de 2021

Onde: MIS (Av. Europa, 158)

Horário de funcionamento: sextas, sábados e domingos, das 12h às 18h.

Quanto: sábados e domingos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia). Entrada gratuita às sextas-feiras e para crianças até cinco anos

Fonte: https://www.mis-sp.org.br/ 

PASTEUR, O CIENTISTA (Exposição)


A mostra do Sesc interlagos homenageia o pesquisador e cientista francês Louis Pasteur (1822-1895). A exposição exibe de forma lúdica as descobertas do cientista por meio de obras organizadas em ordem cronológica e traz ao público desde a solução de um enigma químico até a vitória de Pasteur contra a raiva, doença que, no século XIX, era tida como incurável.

Período da exposição: 25 de novembro de 2020 | 31 de janeiro de 2021. Funcionamento: Quarta a sábado, das 10h30 às 15h. Tempo de visitação: 10 pessoas a cada 30 minutos. Agendamento de visitas: https://www.sescsp.org.br/interlagos.

Fonte: https://arteref.com/event/exposicao-pasteur-o-cientista/#:~:text=Per%C3%ADodo%20da%20exposi%C3%A7%C3%A3o%3A%2025%20de,sescsp.org.br%2Finterlagos