domingo, 27 de dezembro de 2020

Conservadorismo... Violência... Feminicídio...


Conservadorismo... Violência... Feminicídio...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

 

Para onde vai a marcha conservadora eu não sei. Mas que a defesa tradicional da família se esfacela, quando mulheres são assassinadas diante de seus filhos, disso eu não tenho dúvida. De repente o conservadorismo ficou permissivo demais, especialmente, no que diz respeito à violência. Tudo se resolve na facada, no tiro, na asfixia... enquanto isso, famílias são implodidas sumariamente, em um país cuja a pena capital não faz parte das leis.

Se quiserem saber os desdobramentos da guerra procurem conversar com aqueles que viveram de perto os seus horrores ou leiam livros biográficos que tratam do assunto. A violência não tem fim. Ela reverbera pelo tempo. Ela promove feridas que não cicatrizam. Ela marca a ferro o inconsciente por meio das lembranças.

Então, imagine pensar no que ela faz para as crianças. Seres em formação que deveriam estar se desenvolvendo acolhidas por ambientes harmônicos e pacíficos, para poderem desabrochar suas potencialidades cognitivas, emocionais e afetivas.

A violência, sobretudo aquela que se traduz na morte estúpida e bárbara, é uma manifestação social sempre muito difícil de entender para qualquer pessoa, em quaisquer idades. Mas, para as crianças, esse processo é muito maior. É como se fosse feito um rasgo profundo na sua história. Remendá-lo, ou repará-lo, é uma tarefa impossível. Haverá sempre uma pausa fúnebre, uma grosseira marca naquele ponto, a sinalizar o momento exato que a vida se esfacelou.

Recentemente assisti ao filme “A vida secreta das abelhas”(The Secret Life of Bees)1, de 2008. Não só pelo elenco de primeira linha, o qual inclui Dakota Fanning, Queen Latifah, Jennifer Hudson e Alicia Keys; mas, pela delicada forma de abordar a violência doméstica a luz de toda uma violência social ainda maior, o filme traz uma reflexão valorosa em tempos tão conturbados.

Afinal, a história baseada no livro homônimo da escritora Sue Monk Kidd, descreve com uma sensibilidade tocante como a violência aprisiona o ser humano além das grades reais; de modo que, o sofrimento não se extingue voluntariamente na passagem do tempo. Ele é sentido e manifesto de maneiras e intensidades distintas por todos os que vivenciam aquele processo.

Não nos esqueçamos: “Nossas vidas começam a morrer no dia em que calamos coisas que são verdadeiramente importantes” (Martin Luther King Jr.). Nesse contexto, considerando os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres, o feminicídio vai muito além de um atentado contra a vida humana feminina.

Ele promove, portanto, uma desorganização social sem precedentes que se desdobra sobre segmentos diversos do cotidiano. A começar pelo fato de que 28,9 milhões de famílias no Brasil são chefiadas por mulheres. As mulheres exercem um papel de liderança e manutenção do equilíbrio interno e externo das famílias dentro da sociedade. E em média uma mulher vem sendo assassinada no país a cada 7 horas. Então...

Rompendo a ideia de estratificação social, o feminicídio se dissemina nos veios da diversidade populacional, desconstruindo discursos insistentemente estereotipados. Mulheres estão sendo extirpadas da sociedade e o impacto disso já vem sendo sentido e questionado. Afinal, a matança de seres humanos do sexo feminino afronta e desqualifica o papel das instituições do Estado, enquanto desconsidera as legislações vigentes e as parcas políticas públicas em curso.

Em que mundo vivem, então, os conservadores de plantão? Filhas, netas, mães, estudantes, trabalhadoras, ... mulheres estão morrendo pela desassistência e conivência da sociedade que sustenta o ideário do patriarcado. Não há constrangimento. Não há contestação. Não há repúdio. Até a consternação parece comedida. E não pela brutalidade, pela covardia, pelo absurdo. É que enquanto rodopia o século XXI, esse campo da história permite girar sob antigas rotações em nome da ousadia de não mudar, de não evoluir.

Caro (a) leitor (a), estamos diante de uma humanidade seca. A aridez tomou conta de seus sentidos, de suas emoções. Ela não consegue mais depurar a essencial consciência de que “a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir” (Hannah Arendt). Portanto, isso se explica como, “a força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une” (Milton Santos).

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