Conservadorismo...
Violência... Feminicídio...
Por
Alessandra Leles Rocha
Para onde vai a
marcha conservadora eu não sei. Mas que a defesa tradicional da família se
esfacela, quando mulheres são assassinadas diante de seus filhos, disso eu não
tenho dúvida. De repente o conservadorismo ficou permissivo demais,
especialmente, no que diz respeito à violência. Tudo se resolve na facada, no
tiro, na asfixia... enquanto isso, famílias são implodidas sumariamente, em um
país cuja a pena capital não faz parte das leis.
Se quiserem saber os
desdobramentos da guerra procurem conversar com aqueles que viveram de perto os
seus horrores ou leiam livros biográficos que tratam do assunto. A violência não
tem fim. Ela reverbera pelo tempo. Ela promove feridas que não cicatrizam. Ela marca
a ferro o inconsciente por meio das lembranças.
Então, imagine pensar
no que ela faz para as crianças. Seres em formação que deveriam estar se
desenvolvendo acolhidas por ambientes harmônicos e pacíficos, para poderem desabrochar
suas potencialidades cognitivas, emocionais e afetivas.
A violência,
sobretudo aquela que se traduz na morte estúpida e bárbara, é uma manifestação
social sempre muito difícil de entender para qualquer pessoa, em quaisquer
idades. Mas, para as crianças, esse processo é muito maior. É como se fosse
feito um rasgo profundo na sua história. Remendá-lo, ou repará-lo, é uma tarefa
impossível. Haverá sempre uma pausa fúnebre, uma grosseira marca naquele ponto,
a sinalizar o momento exato que a vida se esfacelou.
Recentemente assisti
ao filme “A vida secreta das abelhas”(The
Secret Life of Bees)1, de
2008. Não só pelo elenco de primeira linha, o qual inclui Dakota Fanning, Queen
Latifah, Jennifer Hudson e Alicia Keys; mas, pela delicada forma de abordar a violência
doméstica a luz de toda uma violência social ainda maior, o filme traz uma
reflexão valorosa em tempos tão conturbados.
Afinal, a história
baseada no livro homônimo da escritora Sue Monk Kidd, descreve com uma
sensibilidade tocante como a violência aprisiona o ser humano além das grades
reais; de modo que, o sofrimento não se extingue voluntariamente na passagem do
tempo. Ele é sentido e manifesto de maneiras e intensidades distintas por todos
os que vivenciam aquele processo.
Não nos esqueçamos: “Nossas vidas começam a morrer no dia em que
calamos coisas que são verdadeiramente importantes” (Martin Luther King
Jr.). Nesse contexto, considerando os dados da Pesquisa Nacional por Amostras
de Domicílio Contínua (PNAD Contínua), 2019, realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se a população brasileira é
composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres, o feminicídio vai muito além
de um atentado contra a vida humana feminina.
Ele promove,
portanto, uma desorganização social sem precedentes que se desdobra sobre
segmentos diversos do cotidiano. A começar pelo fato de que 28,9 milhões de
famílias no Brasil são chefiadas por mulheres. As mulheres exercem um papel de
liderança e manutenção do equilíbrio interno e externo das famílias dentro da
sociedade. E em média uma mulher vem sendo assassinada no país a cada 7 horas. Então...
Rompendo a ideia de estratificação
social, o feminicídio se dissemina nos veios da diversidade populacional, desconstruindo
discursos insistentemente estereotipados. Mulheres estão sendo extirpadas da
sociedade e o impacto disso já vem sendo sentido e questionado. Afinal, a
matança de seres humanos do sexo feminino afronta e desqualifica o papel das
instituições do Estado, enquanto desconsidera as legislações vigentes e as parcas
políticas públicas em curso.
Em que mundo vivem,
então, os conservadores de plantão? Filhas, netas, mães, estudantes, trabalhadoras,
... mulheres estão morrendo pela desassistência e conivência da sociedade que
sustenta o ideário do patriarcado. Não há constrangimento. Não há contestação.
Não há repúdio. Até a consternação parece comedida. E não pela brutalidade,
pela covardia, pelo absurdo. É que enquanto rodopia o século XXI, esse campo da
história permite girar sob antigas rotações em nome da ousadia de não mudar, de
não evoluir.
Caro (a) leitor (a),
estamos diante de uma humanidade seca. A aridez tomou conta de seus sentidos,
de suas emoções. Ela não consegue mais depurar a essencial consciência de que “a pluralidade é a condição da ação humana
pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja
exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a
existir” (Hannah Arendt). Portanto, isso se explica como, “a força da alienação vem dessa fragilidade
dos indivíduos, quando apenas conseguem identificar o que os separa e não o que
os une” (Milton Santos).