quarta-feira, 31 de março de 2021

Histórias...


Histórias...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

A vida não se passa a limpo, segundo a própria vontade. Penso que todos já deveriam saber disso. Erros e acertos fazem parte da história, do aprendizado, da transformação humana. Ora, a perfeição não existe! Precisamos de pluralidade justamente para exercermos o contraditório, a construção de perspectivas e análises próprias sobre os acontecimentos do cotidiano.

E dentro desse viés, nada foi mais terrível para o planeta nos tempos contemporâneos, do que a 2ª Guerra Mundial. Ela representou uma ruptura extrema com a civilidade e mostrou o quão longe o ser humano pode chegar na sua sombria compreensão de poder. A cada aposta de um lado da guerra havia outra com mais intensidade ainda. Tanto que se chegou ao uso de armas nucleares pela primeira vez na história.

Foi um jogo de xadrez com peças humanas. Milhares delas submetidas ao horror de campos de concentração e trabalhos forçados. Despojadas da sua identidade, da sua dignidade, da sua humanidade, poucas tiveram a oportunidade de sobreviver e contar, porque, por alguma razão, foram poupadas e não entraram nas estatísticas do morticínio das câmaras de gás, das valas comuns, das experiências cientificas.

Tudo isso ocorrido há 76 anos. Mas, sabendo que o tempo passa, que as lembranças podem se apagar e até perecer, houve um esforço conjunto dos sobreviventes e das próprias nações envolvidas no sentido de preservar a história, exatamente como aconteceu, a fim de que as gerações futuras tivessem a devida dimensão do que aconteceu no mundo entre 1939 e 1945.

Assim, só os relatos, talvez, não fossem suficientes para a devida assimilação e compreensão por parte de quem não esteve in loco naquela situação. Por isso, museus e espaços ligados diretamente ao holocausto são mantidos para esse fim. O Museu Estadunidense Memorial do Holocausto (USHMM), em Washington, D.C. A Casa de Anne Frank, em Amsterdã, na Holanda. O Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. O Memorial Yad Vashem, em Israel. O Museu do Holocausto de Curitiba, no Paraná.

Trata-se de uma atitude importantíssima, não só porque a percepção e a intensidade dos fatos são algo muito particular; mas, sobretudo, por se tratar de uma manifestação de respeito aos seres humanos. A sociedade não pode ser privada de sua própria história coletiva. A identidade cultural de uma nação se constitui a partir das raízes históricas. O ser humano está sempre em busca de ampliar sua compreensão sobre quem é, quem são seus ancestrais, de onde veio sua árvore genealógica, o que fizeram até aqui, para onde foram ou irão. Aliás, essa é uma das razões que fundamentam a existência dos museus, dos arquivos, das bibliotecas ao redor do mundo.

Contudo, o exemplo em relação à 2ª Guerra Mundial não se estendeu a outros recortes históricos tão brutalmente impactantes. Faltam pedaços da história e sua ausência impossibilita a construção de uma consciência mais humana, mais fraterna, mais empática, tanto pelas atuais como pelas futuras gerações. Não dá para montar um quebra-cabeças sem que todas as peças estejam disponíveis. O que, por si só, já suscita uma especulação a respeito. E especulações, conjecturas, vão enviesando a história e deformando o conhecimento que se estabelece a partir dela.

De certo modo, isso contribui para deixá-la mais feia. Afinal, vamos concordar que a história do mundo tem apreço por horrores e bizarrices. Não há nação que não tenha páginas terríveis a declarar. Todas têm. Entre mocinhos e bandidos o troca-troca de lados sempre existiu e encenou episódios bastante deploráveis.

Por certo, muita coisa ruim aconteceu e que dá mesmo vontade de lançar para debaixo do tapete e esquecer... Mas, foi a história. Foi assim, infelizmente. Temos que aceitar os fatos, aprender com eles e buscar, de todas as formas, não os repetir.

E nesse ponto se volta ao começo. Para aprender é preciso saber, conhecer, refletir. Tem que ser dada a oportunidade de acesso a história. Ah, essa história de “quem conta um conto aumenta um ponto”; não dá! Ela acaba contribuindo para que a história seja absorvida pela perspectiva tendenciosa de alguém e não é esse o propósito.

O conhecimento histórico tem que ser recortado pela diversidade de opiniões e pontos de vista, porém, fundamentados a partir de registros materiais e imateriais. Portanto, não podemos estar limitados a uma única fonte.

Não é à toa que a história seja motivo de tanto amor e ódio na humanidade. Ela mexe com os interesses, com a dominação, com o poder, com as vaidades, ... de algum modo ela é o único caminho disponível para colocar a vida dentro de um molde e fazê-la caber dentro daquele contexto.

Por isso, mais do que nunca precisamos expandir o olhar e as reflexões sobre os caminhos que trilhamos sobre esse assunto; afinal, “Quando falamos de história, temos o costume de nos refugiar no passado. É nele que se pensa encontrar o seu começo e o seu fim. Na realidade, é o inverso: a história começa hoje e continua amanhã” (D.N. Marinotis). Então...


terça-feira, 30 de março de 2021

Pairando no ar...


Pairando no ar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nem é preciso dizer o quanto as Fake News têm causado mal à sociedade contemporânea, prestando um imenso desserviço na construção de opiniões equivocadas e tendenciosas; além de inúmeras teorias conspiratórias. Entretanto, elas também já demonstraram toda a sua permeabilidade e capilaridade para se disseminarem e transporem a fronteira das ideias para as ações.

E esse é o ponto que merece toda a atenção, porque elas podem sim, desencadear uma onda de violência e perturbação bastante significativa. Ora, tomando como base a conjuntura atual pandêmica, isso não seria nada bom.

Diante de uma situação caótica já instalada e de todos os outros problemas satélites que orbitam sua esfera, ninguém precisa de uma “cereja do bolo” às avessas, nesse momento. Daí a necessidade de observação do que se espelha pelos campos virtuais.

Há muitas mensagens implícitas; mas, há muitas totalmente explícitas e de caráter profundamente belicoso. Fáceis de inflamar e induzir pessoas a ultrapassar o bom senso e o equilíbrio real, a partir de eventuais divergências de pensamento e pontos de vista.

O que muitas pessoas ainda não entenderam é que não há benefício na desagregação para a sociedade. Ainda que em uma proporção muito maior, a Guerra Fria pode ser um bom exemplo do significado prático da fragmentação social pela ideologização.

Socialistas e capitalistas venderam para o mundo uma propaganda maciça do que os tornava melhores um em relação ao outro. Mas... apesar de seus esforços, a Terra não se transformou em um lugar melhor para viver. Centenas de milhares de pessoas permaneceram em condições precárias de dignidade e sobrevivência. Conflitos armados e doenças dizimaram outras tantas. O poder econômico permaneceu um sonho de consumo distante da realidade de muita gente. Na prática o discurso se fez bem diferente.  

São muitas as razões que levam o ser humano a se deixar manipular; sobretudo, quando são envolvidos por algo que satisfaça o seu interesse. Porque as pessoas não gostam de ser contrariadas. Esse é, portanto, o sinal verde para elas se tomarem de entusiasmo e euforia e saírem por aí, defendendo ideias, princípios e valores, sem a menor reflexão ou entendimento sobre onde tudo isso pode chegar.

Engana-se completamente quem atribui o extremismo, o radicalismo a grupos específicos. Indivíduos dispostos a matar ou morrer em nome de um ideal, de uma crença, de um sentimento nacionalista, podem surgir em qualquer lugar. Especialmente, entre aqueles que se sentem à margem da sociedade, inferiorizados, estigmatizados, desprovidos de visibilidade e senso cidadão.

Assim, basta que sejam persuadidos e envolvidos de maneira precisa por gente com habilidade suficiente para tal. As promessas de honra e glória, de consagração, de superioridade, são demasiadamente atraentes e inebriantes; por isso, tão perigosas.

A história já viu os Kamikazes, durante a 2ª Guerra Mundial. Os radicais islâmicos em suas investidas contemporâneas. Os lobos solitários que atiram contra locais com alguma aglomeração social, nos EUA. Supremacistas brancos investindo com toda a fúria da violência contra migrantes em países nórdicos ... são muitos os exemplos. Cada um movido por razões introjetadas a partir de discursos e narrativas de ódio, de segregação, de polarização.

Isso significa que não se pode trivializar ou banalizar quaisquer movimentos nesse sentido. Não se pode esperar por uma ação mais contundente e letal para tomar alguma providência.

A vida humana já padece o infortúnio de viver sob a ameaça de inúmeros acontecimentos que fogem totalmente ao controle da previsibilidade; mas, algo nesse sentido pode e deve ser evitado. É fundamental garantir a segurança e a coexistência pacífica na sociedade. Sobretudo, em tempos tão adversos como agora, em que a dinâmica da vida foi posta em xeque à revelia das próprias possibilidades de contestação humana.  

O mundo está fragilizado de uma maneira singular. A intensidade do cotidiano e das relações humanas foi freada abruptamente. Novos e antigos problemas estão flutuando ao nosso redor, dificultando a concentração e o foco na tomada de decisões.

De modo que a sociedade não precisa de mais turbulência, de mais violência, de mais elementos dispersivos para ter que lidar. Por isso, nos lembremos sempre de que “é muito fácil enfraquecer e destruir. Os heróis são os que pacificam e constroem” (Nelson Mandela – ex-presidente da África do Sul). Portanto, só há um lado para se posicionar; o lado da vida seja ela de quem for.  


segunda-feira, 29 de março de 2021

“Mens sana in corpore sano”


“Mens sana in corpore sano” 1

 

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Acompanho a corrente humana que tem se preocupado com a saúde mental da população, nesta Pandemia. Razões não faltam para acender as luzes de alerta sobre o assunto. Especialmente, aquilo que se verbaliza nas silenciosas entrelinhas da convivência humana. Sim, porque muito além da angústia provocada pelo isolamento, pela depressão, pela carência do afeto corpóreo, a sanidade mental também sofre severos desajustes a partir dos discursos e narrativas disseminados, particularmente, pelos meios de comunicação virtual.  

Situações extremas tendem a fazer as pessoas buscarem sentido para suas existências. Como os limites desta são muito tênues, não é difícil, de repente, que determinadas construções dialógicas sejam, no fundo, um flerte com diferentes formas de radicalismo, de extremismo exacerbado.

E não há como negar a existência de um contexto de fragilização e vulnerabilidade consumindo o equilíbrio da população. Então, sem que se dê conta, determinadas palavras podem sim, ser decodificadas de uma maneira não ideal, não produtiva, expondo a população a riscos graves e desnecessários. 

Ora, a maneira como a comunicação humana é desenvolvida determina seus vieses seja para o Bem seja para o Mal. Quando, como e por quem as informações são dispersadas são variáveis importantíssimas no resultado final. Mas, não é o suficiente, porque o receptor precisa sentir-se confortável, aberto e disponível a recebê-las; caso contrário, nada feito.

Entretanto, é curioso como em plena Pandemia, proliferaram-se os golpes. São correntes financeiras, aqui. Bilhetes premiados, ali. Prêmios a depender de dados pessoais, acolá. Basta uma olhada, diária, na mídia para perceber como a esperteza de alguns tem desgastado e prejudicado a vida de muita gente, por aí. Parece que a legião de susceptíveis anda em franca expansão. Fruto da desatenção? Talvez. Mas, pode ser imprevidência genuína, boa-fé demasiada ou, atribuindo méritos ao espertalhão, uma boa lábia refinada.

O problema é que a situação pode se estreitar e ir parar mais longe, saltar da ronda policial e ir parar sobre as mesas das instâncias do Judiciário; quando a dialogia começa a transitar inadvertidamente pelos meandros ameaçadores da polarização político-ideológica. Infelizmente, esse não é um processo restrito ao Brasil. Já anda se espalhando por muitos países e, por onde quer que vá, acaba causando problemas muito sérios.

Havemos de concordar que a realidade Pós-Moderna já não vinha ajudando muito na manutenção de uma disposição reflexiva. É muito trabalho. Muita correria. Muita intensidade da vida. Então, as pressões do cotidiano somadas a quantidade de informações disponibilizadas por segundo no universo virtual, vieram transformado os seres humanos em debatedores superficiais, de baixa qualidade argumentativa, quase que meros leitores de títulos e manchetes.

O que os torna um alvo perfeito para as investidas de discursos e narrativas persuasivas que venham lhes garantir essa zona de conforto, a qual estão habituados. Não há questionamentos sobre a qualidade da informação, a fidedignidade das informações; portanto, não há interesse de checagem das mesmas. Então, antes do que se imagina, elas circulam livres dentro de um espaço de concordância, quase velada, por parte de muitos receptores.

Assim, do discurso para a prática, a ação, é um pulo. Quantos desafios mortais divulgados em redes sociais levaram à morte milhares de pessoas ao redor do mundo? Muitos jovens, com certeza; mas, pessoas em outras faixas etárias também morreram. É preciso entender que o tempo dispensado pela população nas comunicações virtuais é cada vez maior. Agora, com a nova realidade imposta pela Pandemia, a tendência é que seja mais intensificado. O que significa que os discursos e narrativas persuasivas encontram um campo fértil e diversificado para prosperar.

De modo que as redes de tensão social já existentes tenderão a se estirar e as consequências podem comprometer a estabilidade da população. E a necessidade em se manter o equilíbrio nesse momento não é fundamental só do ponto de vista imediato; mas, visando a Pós-pandemia. Criar e promover conflitos e desordens desnecessárias é totalmente antiproducente para qualquer país. O mundo está diante de um colapso médico-hospitalar. De um empobrecimento generalizado. De uma lenta reorganização das matrizes econômicas. Enfim...

Por isso, é preciso atenção à saúde mental na perspectiva da comunicação. Porque ela tem potencial suficiente para desencadear um recrudescimento das violências e promover a ruptura dos parâmetros de convivência e coexistência estabelecidos pela humanidade.

O mundo já possui mais de 2,7 milhões de mortos pela COVID-19. Isso já extrapolou quaisquer limites que se pudesse tolerar para uma tragédia; ninguém precisa conviver com mais instabilidade e temor rondando à espreita. Ninguém precisa de violência mental.

 



1 Uma mente sã num corpo são. (Citação latina do poeta romano Juvenal). 

Como uma “Matrioska” de problemas


Como uma “Matrioska” de problemas

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Eu sei que a vida transita em movimento de arrastão, levando tudo junto e misturado sob uma dinâmica de acontecimentos intensa. Mas, isso não é pretexto para dar-lhe a forma de uma “Matrioska”, na qual um problema emerge de outro, que emerge de outro e assim por diante, em um contínuo sem fim. Porque é isso que torna tudo tão cansativo e extenuante. Não enxergar soluções, apenas problemas. São tantos e ninguém estabelece uma lógica de prioridades!

Não, porque ela não exista. Mas, simplesmente, porque essa efervescência é de algum modo conveniente. A desorganização do mundo desorganiza a sociedade. São tantos vetores em direções opostas, que as forças acabam se anulando e a inércia imobilizante prevalecendo. O que cria um sentimento desalentado de impotência e extremo cansaço moral.

É sabido que as doenças repercutem além dos pacientes, no ambiente em que eles convivem. Mas, acredito que as mazelas sociais que nos rodeiam de maneira secular são muito mais potencializadoras de enfermidades do que quaisquer patologias. A rudeza do cotidiano suga as energias, destroça o bom ânimo e interrompe o impulso de ação. O que causa um sofrimento tão intenso que abate até mesmo, quem se considera um poço de fortaleza.

Sim, porque se uma doença tem o dom do imprevisível tomando-lhe as rédeas, as mazelas do mundo não são diferentes. Não está nas mãos do ser humano controlar toda a fúria das adversidades do dia a dia. Então, cada dia se incumbe de proliferar as preocupações. E são tantas! Obrigações ordinárias e extraordinárias que gritam alto pela sua resolução.

São incertezas que só fazem descompensar o ritmo do corpo. Coração em sobressaltos. Cabeça doendo. Estômago revirado. E para isso não há vacina. Nem remédio. Nem tratamento. Porque a causa não é essencialmente orgânica; é da vida. As notícias que chegam de todos os lados, a cada segundo, desestabilizando as estruturas por ventos fortes de preocupação. Cada um tenta se segurar de alguma forma para não se deixar levar; mas, é só mais um esforço a acrescer ao desgaste.

E, de repente, se tem mesmo a comprovação de que é “cada um por si e Deus por todos”. Porque não parece existir boa alma que queira, ao menos, tentar mitigar os problemas. Evitar que eles se proliferem tão intensa e desordenadamente. Ao contrário, parece haver uma legião de gente que “advoga para o Diabo”, querendo que a situação fique cada vez mais extrema e difícil. De modo que os dias arrastam correntes pesadas por caminhos totalmente tortuosos.

Resta saber, até quando a população irá resistir. Afinal, tudo tem um limite, inclusive a dor. A vida vai acontecendo e as conjunturas vão tramando o panorama do amanhã. Nem sempre é o que se imagina. Um fio fora do lugar, um ponto apertado demais, ... e o resultado insólito toma as pessoas pela total perplexidade.

Quanto a história do mundo já não contou sobre isso? Aliás, ela conta todos os dias. O sol que chega pela manhã está sempre embebido pelo novo e seus mistérios. Apesar da aridez causticante que temos tido que enfrentar, é nessa consciência esperançosa que, talvez, tenhamos que nos debruçar e aspirar um fiapo de alento para seguir em frente. Confiar na mudança. Na transformação. Nos rodopios, sem nexo aparente, da vida.

Segundo John Dewey, “nós só pensamos quando nos defrontamos com um problema”. Quem sabe não seja este o momento de resgatarmos quem somos, nossas crenças, valores e princípios, para nos posicionarmos cidadãos mais conscientes, hein?! Tudo o que a vida nos apresenta está implicitamente assinado por cada um de nós, por nossas ações e omissões. Direta ou indiretamente, a existência de uma gigantesca “Matrioska” de problemas é consequência de como temos nos posicionado sobre cada assunto. Por isso, “apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida” (Sêneca – filósofo); caso contrário, jamais conseguiremos romper esse círculo vicioso.


domingo, 28 de março de 2021

Será só indiferença?!


Será só indiferença?!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Quem já perdeu alguém muito querido e importante sabe como é angustiante o processo de aceitação; especialmente, quando essa morte não foi por uma razão natural da vida. Lidar com a certeza de que uma outra pessoa retirou, de algum modo, a possibilidade de um tempo maior de convivência, de mais afeto e companheirismo, de mais trabalho e criatividade, ... é dolorosamente incompreensível.

Nesse momento em que milhares de pessoas estão vivenciando o luto no país, não se pode fechar os olhos para o fato de que não é necessariamente o Sars-COV-2 o único agente fúnebre dessa história. Até onde já se sabe pela Ciência, ele é sim, extremamente perigoso e imprevisível. Mas, diante de todos os riscos que ele nos impõe, cabe a sociedade, como um todo, o exercício coletivo da prevenção e da responsabilidade. Cada ser humano tem um papel nesse contexto e precisa contribuir da melhor maneira para mitigar os efeitos dramáticos que esse vírus instituiu.

Infelizmente, ter evitado o colapso dos serviços de saúde era uma dessas medidas. Um breve flashback teria sido o suficiente para lembrar como os serviços de saúde no Brasil são limitados a partir de projeções matemáticas, que estimam a sua capacidade de atendimento dentro de certa normalidade. É claro que as margens de erro são consideradas; mas, nada muito acima das expectativas convencionais.

Entretanto, uma situação epidêmica extrapola a previsibilidade. Quando isso acontece, é imperioso que a sociedade se una em favor de medidas que possam conduzir, então, a situação de colapso para patamares possíveis. E o primeiro passo no caso de uma epidemia viral é conter a disseminação e o contágio entre a população, ou seja, o isolamento social e a redução do trânsito de pessoas pelos espaços públicos é premissa básica. De modo que a dinâmica da sociedade passa a ser traçada a partir desse panorama.

Isso significa que, em nome da vida e da sobrevivência humanitária, medidas de amparo aos diferentes setores da sociedade precisam ser planejadas e desenvolvidas, enquanto a urgência pandêmica está em curso. Tendo em vista de que não há como cravar nas páginas do calendário a data limite para o fim do caos, a gravidade situacional, por si só, responde a impossibilidade de contestações ou de manifestações revoltosas diante da realidade que se desenha.

Ora, o cotidiano precisa estar em suspenso porque se ele não parar, a desassistência médico-hospitalar não será apenas para os casos de COVID-19; mas, quaisquer doenças ou enfermidades. Aliás, é extremamente preocupante vislumbrar o cenário colapsado para pacientes dependentes de hemodiálise, de tratamentos oncológicos, de transplantes, de queimados, porque a fluir a situação como está, muitos deles não terão nenhuma chance de sobreviver, em razão da insuficiência desses serviços. Ou seja, mais perdas humanas.

A resistência em compreender os fatos, como eles são, dão conta dos números que temos diante dos olhos. A insistência perversa em manter a vida sob um regime de “normalidade”, que não mais existe, tem nos custado caro sob diversos aspectos.

A desaceleração mundial de uma economia globalizada demonstra o quanto cada país está voltado para o enfrentamento da Pandemia. Diversos setores da indústria e do comercio vêm padecendo o desabastecimento de produtos por essa razão. O perfil de consumo da população, também, foi redirecionado para a nova realidade.

De modo que, alguns setores, estão ameaçados por uma recuperação mais lenta e tardia. A inflação voltou a bater na porta das residências e impactar os orçamentos já restritos. As tarifas públicas sofreram reajustes significativos; assim como, os combustíveis fósseis. Enfim, a insistente resistência em lançar a grande base da população a arena da Pandemia, não converteu em resultados palpáveis e expressivos, como prometiam seus discursos, porque não houve um planejamento estratégico para tal.

Nem uma coisa e nem outra é o que temos agora. Nem saúde. Nem vacinas. Nem economia. E esse não ter, também, é uma forma de morrer. A história do mundo, desde seus primórdios, explica bem como a morte tem muitos rostos. Miséria. Subnutrição. Escravidão. Violências. Epidemias. Câmaras de gás. Campos de concentração. ...

Quem diria que o discurso de Chaplin, em “O Grande Ditador” (1940) permaneceria atemporal e útil para a reflexão da humanidade. Afinal, “[...] nós perdemos o caminho. A ganância envenenou a alma do homem, criou uma barreira de ódio e nos guiou no caminho do assassinato e sofrimento. Desenvolvemos a velocidade, mas nos fechamos em nós mesmos. A máquina, que produz abundância, nos deixou em necessidade. Nosso conhecimento nos fez cínicos; nossa inteligência nos fez cruéis e severos. Pensamos demais e sentimos muito pouco. Mais do que maquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de gentileza e bondade. Sem essas virtudes, a vida será violenta e tudo será perdido”.

Está aí, o grande problema da realidade atual, o ser humano está perdendo a capacidade de ser humano, de sentir, na medida em que se distancia dos acontecimentos como se estes não lhes dissessem absolutamente nada. Há uma seletivização tão absurda das informações a serem por ele processadas, que ela relativiza a gravidade da morte e de tudo que conduz ao seu acontecimento. Como se essa alienação pudesse lhe blindar da realidade brutal que consome o país e o mundo. Por isso cuidado, porque “na morte a cegueira é igual para todos” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira).


sábado, 27 de março de 2021

A droga da hipocrisia


A droga da hipocrisia

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Na medida em que a situação beira os limites da dramaticidade horrenda, é impossível não pensar que a sociedade foi, pelo menos em parte, anestesiada pela droga da hipocrisia. Um país que não tem no âmbito das suas leis permissão para tirar a vida de outro; mas, permite silenciar-se aos abusos que levam ao morticínio de mais de 300 mil seres humanos, durante essa Pandemia, só pode ser considerado hipócrita.

Aliás, é bom que se esclareça que os números da morte, certamente, ultrapassam essa cifra, quando adicionados aqueles oriundos das violências, das misérias, dos infortúnios cotidianos, os quais, também, são ofuscados e invisibilizados por muitas pessoas. Porque a hipocrisia traça recortes perversos da realidade, para tentar construir um mosaico que seja capaz de atender a interesses muito próprios e particulares de quem se considera acima do Bem e do Mal.

É, caro (a) leitor (a), o papel da droga da hipocrisia é buscar reduzir, sempre e mais, o que é irredutível, minimizar aquilo que não pode ser minimizado, a fim de que a realidade paralela possa lançar no ar uma atmosfera menos densa e hostil, sem que seja necessário investir esforços para pensar, fazer, agir. Porque isso seria cansativo. Seria oneroso demais.

Toda essa inação escancara, então, a superficialidade das convicções e valores que permeiam essa parcela da sociedade e tentam se impor, a qualquer preço, como padrão de comportamento e conduta geral. A droga da hipocrisia não defende a vida em nenhuma instância. Para ela o que importa é garantir a sobrevivência de quem aceita as suas regras, compactua com as suas ideias distorcidas e cruéis.

Por isso, as aglomerações, as Fake News e os desrespeitos de todo tipo persistem. Basta observar que ao menor aceno de contenção à Pandemia, ocorre um recrudescimento das práticas contrárias. Ou seja, a droga da hipocrisia estica a corda para ver até quando suas tolices e insensatez conseguem se sustentar. Mesmo que isso continue a custar um preço humano tão alto, seja dentro ou fora do território nacional.

Porque a droga da hipocrisia tem efeitos colaterais severos. Compromete a credibilidade. Degrada as relações econômicas. Aquece as tensões diplomáticas. Paralisa a capacidade dialógica. Que no fim, culminam em um estado de exclusão grave. O país passa a ser percebido como um pária internacional. Um resultado que não é ruim para esse ou aquele segmento populacional; mas, para todos. Porque inviabiliza a presença do país no cenário globalizado mundial.

O que significa que as contribuições maléficas, desnecessárias e improdutivas de uns e outros, nesse cenário pandêmico, estão sim, acelerando a avalanche de prejuízos que está em curso. Quanto mais se retarda as medidas de contenção e mitigação da disseminação do vírus Sars-COV-2, impedindo o rápido aparecimento de novas variantes com mais potencialidade infectante, mais susceptível permanece a sociedade ao travamento da dinâmica social.

O mundo inteiro já se deu conta de que não há uma solução única capaz de pôr fim a esse processo pandêmico. São medidas profiláticas sanitárias e a vacinação em massa e em curto prazo, o que fará arrefecer gradualmente a intensidade da doença. Mas, como a droga da hipocrisia tem trabalhado no sentido oposto disso, as perspectivas se afastam cada vez mais de uma luz no fim desse túnel, por aqui.

O que ganha a droga da hipocrisia investindo na arrogância, na prepotência, na ignorância, eu realmente não consegui descobrir até agora. O cenário de caos e de instabilidade, nunca foi uma estratégia capaz de resultar em benefício para quem quer que seja. Sem dúvida alguma, é profundamente degradante e constrangedor perceber como cheira mal o odor das aparências enganosas, que a droga da hipocrisia lançou pelo ar.    

Havemos de admitir que a hipocrisia padece de uma franca incapacidade de esconder os prejuízos e suas consequências; sobretudo, quando os olhos do mundo estão sobre nós. Já somos vistos e entendidos como ameaça global; portanto, isso deveria bastar para frear qualquer arroubo destrutivo e realinhar os caminhos.   


Nas fogueiras da inquisição Pós-Moderna


Nas fogueiras da inquisição Pós-Moderna

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Se a Pós-Modernidade trouxe inúmeros desafios para as relações sociais, por outro lado, ela tem permitido uma valiosa desconstrução e ressignificação de paradigmas, discursos e narrativas históricas, contribuindo positivamente na formação de novas ideias e pensamentos melhor ajustadas as demandas da sociedade.

Nesse contexto é que, vez por outra, o inconsciente nos trai e revela o quanto nossa mente foi impregnada e impactada por crenças, valores e princípios bastante questionáveis. O importante é que um número bastante significativo de pessoas, quando nessa situação conflituosa, percebem o seu desalinho e se pronunciam, se manifestam, pedindo desculpas por algo que foi expresso; mas, que na verdade, não traduz a sua consciência e percepção a respeito daquele determinado tema ou assunto.

Ao contrário do que muitos possam pensar, isso representa um passo de evolução. Reconhecer no nosso processo comunicativo os desajustes do nosso olhar e compreensão sobre o mundo é, tão somente, a aplicação prática da nossa capacidade cognitiva e intelectual. Sinal de que, apesar de todos os pesares, isso não foi perdido durante o redemoinho devastador da interação entre realidade e virtualismo. Razão e sensibilidade, ainda, tem o seu espaço garantido em cada um de nós.

Que bom que seja assim! Porque são elas que exercem a função de freio e contrapeso para os nossos comportamentos, ações, pensamentos. O que significa que, quando ligadas e atuantes, elas interrompem o fluxo de conflitos e beligerância comumente presentes nas relações sociais. Afinal, aqui, ali ou acolá, as pessoas erram, cometem deslizes, se equivocam, se contradizem; é natural que seja assim.

Graças as nossas teias de comunicação é que o nosso conhecimento vive em constante construção e elaboração. Trata-se de uma necessidade fundamental, em razão de o mundo estar exposto a uma metamorfose diária. O dia a dia é submetido a um severo escrutínio, justamente, para se poder apurar as eventuais falhas e incongruências, que tenham passadas despercebidas. É um mecanismo de arejamento, de renovação, de despojamento de velhas e inúteis amarras sociais.

É bom que se diga, que toda essa compreensão não é fácil de lidar como parece. Enfrentar a turba de inquisidores, pós-modernos, de plantão, é no mínimo constrangedor. Expor as fragilidades humanas do outro parece ser, ainda, uma estratégia mais fácil para obscurecer a própria incapacidade de ser alguém perfeito 24 horas por dia. Então, muita gente fica procurando “pelos em ovos” para destilar sua fúria e veneno, a fim de aplacar o desconforto interior que lhes consome. Traços da barbárie que persiste em habitar as profundezas da alma humana.

Uma pena! Porque o ideal seria que pudéssemos coexistir em um mundo onde advertir ou despertar a consciência do semelhante, dentro de um contexto específico, pudesse ser feito com civilidade e boa argumentação. Sem baixarias. Sem agressividades desnecessárias. Sem hipocrisias. Dialogando com clareza e objetividade, afeto e compreensão, na mais plena simbiose de empatia.

A grandeza do mundo está na diversidade, na pluralidade, e não só de pessoas; mas, de ideias, pensamentos, conhecimentos ... É tecendo trama a trama dessas particularidades que o mundo vai desenhando as suas ondas de transformação. Fazendo e refazendo movimentos para ajustar melhor os pontos e não deixar escapar as conquistas.

Por isso, não cabe mais a percepção de “ser o dono da verdade”. Como manifestou José Saramago, “ao contrário do que geralmente se crê, por muito que se tente convencer-nos do contrário, as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global”. Ideias, pensamentos, conhecimentos acompanham o curso do tempo. Às vezes, são aceitos. Às vezes, são rechaçados. Às vezes, são contestados. Às vezes, são redefinidos. Portanto, são absolutos até a página 2. Dali em diante, nos cabe aceitar que serão sempre escravos de um relativismo profundamente persuasivo e imprevisível.


sexta-feira, 26 de março de 2021

Viva a Ciência!


Viva a Ciência!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Se recordar é viver, dizia o jornalista, crítico e colunista social brasileiro, Ibrahim Sued, que “Os cães ladram e a caravana passa”. Uma afirmação perfeita para o momento! Não entendeu? Uma parcela significativa do caos e horror que se vive no país é decorrente das labaredas políticas. Sim, uma disputa politiqueira e sem sentido que retirou o foco da realidade para se perder nos devaneios de um 2022 que ainda não existe.

Então, não fossem os esforços do Instituto Butantan 1, um dos mais importantes celeiros de pesquisa biológica no mundo, com 120 anos de existência recém-completados, não teríamos a vacina CoronaVac, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. É ela que tem garantido, até o momento, o maior número de doses aplicadas no país.

Mas, não ficou só nisso. Apesar do evidente desestímulo e obstaculização dos campos científicos no território nacional, com constantes cortes de verbas e ingerências nas esferas acadêmicas, o Instituto Butantan mostrou sua resiliência e obstinação em uma incansável jornada de esforços, por parte de seu corpo de especialistas, para ir além na sua contribuição à segurança sanitária nacional.

De modo que suas frentes de trabalho e pesquisa puderam ao longo dessa semana comemorar os novos feitos. Primeiro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizou a realização de testes em humanos de um soro anticoronavírus, a partir do plasma de cavalos, que vem sendo desenvolvido há um ano. O objetivo desse imunobiológico é atenuar os sintomas em pacientes graves ou gravíssimos de COVID-19, especialmente, aqueles portadores de algum tipo de comorbidade.

E, hoje, o Instituto Butantan anunciou que vai pedir a ANVISA a autorização para a fase de testes em humanos de uma nova vacina contra a COVID-19, a ButanVac; um produto genuinamente nacional. Trata-se de uma vacina criada a partir da mesma tecnologia da vacina da gripe e que já conta com a variante brasileira do Sars-COV-2, a P1.

A perspectiva do Instituto é que os trâmites burocrático-científicos junto à ANVISA possibilitem que em maio deste ano a nova vacina comece a ser fabricada e que 40 milhões de doses estejam disponíveis para a população, a partir de julho.

Porque vidas humanas não podem ficar à mercê das vaidades, das megalomanias, dos delírios de poder. Aliás, nem elas, nem a Ciência, nem a Educação, nem direito fundamental algum. A esfera política não pode se afastar do seu compromisso basilar com o desenvolvimento do país, para atender a interesses individuais e minoritários. Quando isso acontece... o exemplo está à disposição. Mais de 300 mil mortos. Mais de 12 milhões de casos de COVID-19.

Por sorte, a Ciência tem bom senso e não tem tempo a perder. Ao invés de responder aos desaforos, as afrontas, as “filosofias de botequim”, permaneceu em silêncio, trabalhando ininterruptamente para fornecer certezas ao contrário de suposições infundadas. Talvez, na maior maratona contra o tempo já experimentada por qualquer cientista. Um misto de desafio e busca pela consagração.

Afinal, a pujança do Instituto Butantan se conserva atemporal por meio do tripé “ensino-pesquisa-extensão”. Por isso, onde estejam seus grandes entusiastas, Vital Brazil, Adolfo Lutz, Oswaldo Cruz, Emílio Ribas, eles estão sendo devidamente reverenciados pela continuidade dos esforços e conquistas que empenharam no passado. Um trabalho que repercutiu, e permanece repercutindo, muito além das fronteiras da cidade de São Paulo; mas, pelo seu Estado, pelo país e pelo mundo.

E que maravilha será, então, se essas duas boas novas de fato se comprovarem eficazes dentro de seus propósitos. Só a vida humana tem a ganhar com esse feito. O que quer dizer milhões delas em cada cantinho de chão desse mundo.

Quanto mais descobertas, quanto mais tentativas de extrair da Ciência algo de bom e útil para a humanidade, melhor. Somente a união dessa dedicação científica poderá atenuar o prolongamento dessa Pandemia.

De modo que não há espaço para discussões que não contemplem a Ciência; ela é o único caminho para a reconstrução nesse momento. A única luz de candeeiro capaz de resgatar esperança onde só parece existir desalento em forma de aridez trevosa. No entanto, não nos esqueçamos de que “a ambição da ciência não é abrir a porta do saber infinito, mas pôr um limite ao erro infinito” (Bertolt Brecht – escritor e dramaturgo alemão).

quinta-feira, 25 de março de 2021

OK?!


OK?!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

A beleza da comunicação é que ela não se limita as palavras oralizadas ou escritas. Símbolos. Signos. Gestos. Também dão conta desse movimento de ideias e pensamentos entre os seres humanos. No entanto, independentemente da forma, nada é expresso ou manifesto sem intenção. Não existe acaso. As flechas lançadas têm sempre destino certo.  

E isso não é coisa do agora. Nossos ancestrais mais primitivos já faziam das pinturas rupestres um importante aceno à complexidade comunicativa. E mesmo, em tempos high tech, os já consagrados mecanismos de comunicação continuam se disseminando pelas relações sociais mundo afora. Especialmente, quando querem garantir uma certa privacidade grupal, onde só membros daquele coletivo específico conseguem decodificar a mensagem.

Quem assistiu ao filme “O Código Da Vinci” (2006) 1, deve se lembrar do início do filme, quando o professor Robert Langdon, interpretado por Tom Hanks, faz uma conferência a respeito de diversos símbolos presentes na história da humanidade. Seja na ficção ou na realidade, a verdade é que somos recortados por manifestações de linguagem, as quais no fundo não deixam de ser uma expressão muito forte da nossa própria identidade.

Incide aí, portanto, o grande desafio da comunicação humana. Porque mesmo que nenhuma palavra seja proferida ou registrada formalmente, a comunicação não verbal não perde a sua eloquência, a sua contundência. Embora saibamos, por exemplo, que hospitais são espaços de silêncio e tranquilidade para os convalescentes, em seus corredores há sempre a imagem da enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios; mas, sem nenhuma marca verbal.  

De fato, ao longo da vida adquirimos um rol de expressões comunicativas muito maior do que possamos imaginar. Desde estratégias de jogos até códigos de sociedades secretas, o ser humano vai construindo a sua compreensão do mundo muito além daquilo que está escrito ou formulado em algum lugar. E esse entendimento vai lhe mostrando os “campos minados”, ou não, da convivência humana.

Afinal, a comunicação tanto pode unir quanto segregar. Depende de onde e quando se pretende estabelecê-la. Isso porque o mundo já foi desgastado demais pelos acontecimentos trágicos e desumanos da história, de modo que não há muito espaço para uma coexistência pacífica em relação a persistência de determinados discursos e narrativas.

Aliás, de certo modo, a ruptura com antigos e equivocados paradigmas vem sendo uma importante meta de transformação no século XXI, a fim de se reparar dívidas e comportamentos sociais definitivamente antiproducentes e desprezíveis. Isso porque esses “ruídos” de comunicação sempre foram um obstáculo importante ao desenvolvimento de um diálogo saudável e bem-sucedido entre pessoas e nações.

De modo que a liberdade de expressão, uma premissa fundamental das sociedades democráticas, seja garantida; desde que não se extravie pelo caminho dos abusos, excessos, desrespeitos, intolerância e violências. Daí a necessidade de não se compactuar com qualquer comunicação que esteja desalinhada aos valores e princípios humanos.

Inclusive porque, quando se estabelece no rol da verborragia, a comunicação perde o que tem de melhor e se torna argumentativamente rasa e ignorante; bem como, repetitiva em tolices e inverdades. O que é sabidamente o retrato das chamadas Fake News. Elas são a tradução da comunicação de baixa qualidade e sentido, que existe para atender as correntes de caos e loucura que transitam no mundo, tentando moldá-lo à sua maneira.

Mas, apesar de todos os pesares que rondam por aí, comunicação ainda é coisa séria. Não importa a linguagem que se use para estabelecê-la. Porque ela continua podendo destruir relações. Abalar diplomacias. Criar ódios e resistências. Destruir reputações. ... Para o bem ou para o mal, ela permanece o eixo de sustentação das relações humanas.

Por isso, suas linguagens e ações precisam estar milimetricamente ajustadas para não comprometer a sua credibilidade, a sua verdade; afinal, “... Numa época de superpopulação crescente, de crescente superorganização e de meios de comunicação cada vez mais eficientes com as massas, como podemos manter intactos a integridade e reafirmar o valor do ser humano individual? ” (Aldous Huxley – Regresso ao Admirável Mundo Novo, 1959). Ok?!

HC-UFU faz balanço dos estoques e anuncia ampliação de leitos de UTI adulto




Na manhã desta quinta-feira (25) foi realizada mais uma live com o reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Valder Steffen Junior e o superintendente do Hospital de Clínicas (HC-UFU), Nilton Pereira Júnior. A live é uma parceria entre os gestores como forma de prestar contas à sociedade sobre a atuação da universidade e do hospital frente à gestão do atendimento à saúde da comunidade.

O reitor iniciou se solidarizando com as famílias que perderam entes queridos e agradecendo as equipes de assistência à saúde e às doações de insumos e equipamentos de proteção individual recebidas de diversas empresas e organizações. 

O superintendente do HC-UFU, destacou que o momento exige muita atenção em relação à gestão dos estoques de medicamentos e insumos, por isso algumas medidas precisaram ser tomadas para evitar o desabastecimento. Entre as medidas estão a redução do número de pessoas circulando no hospital com a suspensão, temporariamente, dos estágios curriculares dos cursos de graduação e a ampliação da restrição de visitas e acompanhantes. “Com o recrudescimento desta segunda onda, tomamos medidas, preventivamente, para que não haja o desabastecimento de suprimentos como temos visto em outros lugares. Por isso, a prioridade número um do HC neste momento é recompor seus estoques, inclusive de oxigênio. Temos uma capacidade de armazenamento de 30 mil m³ de oxigênio e estamos ampliando para mais 12 mil m³ no mês de abril. Até agora não houve desabastecimento dos nossos estoques, mas o consumo aumentou muito com a ampliação de leitos e a crescente demanda de pacientes tanto de COVID quanto de outras especialidades que continuam sendo atendidos”, explicou o superintendente.

Mesmo com todas as medidas tomadas para controle dos estoques, estão sendo seguidos protocolos clínicos e assistenciais validados e pactuados tanto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quanto pelos comitês internos para que não haja risco ao paciente ou às equipes. “Todas as áreas técnicas do HC-UFU estão constantemente atualizando os protocolos e seguindo as evidências científicas para que possamos usar adequadamente e de forma racional todos os insumos necessários”, ressaltou o superintendente. 

Ainda durante a live, o superintendente anunciou a abertura de dez novos leitos de UTI adulto exclusivos para covid-19. “Graças ao apoio dos governos Federal e Estadual, recebemos respiradores, monitores cardíacos, verba para compra e aluguel de bombas de infusão, e insumos em geral, com isso abrimos seis leitos desde ontem, e estão previstos mais quatro para esta semana, totalizando 42 leitos de UTI adulto exclusivos para pacientes com covid-19”. Pereira Júnior destacou ainda a importância do apoio da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que é a gestora do Hospital de Clínicas, na contratação dos recursos humanos para atuarem neste atendimento. Ao todo, desde o início da pandemia foram mais de 320 profissionais contratados emergencialmente, 226 só nos primeiros meses de 2021. 

Dados epidemiológicos sobre os atendimentos realizados no HC-UFU também foram apresentados. De acordo com o superintendente, o hospital já realizou mais de 2.200 atendimentos e internações de pacientes suspeitos ou confirmados de covid-19. Apesar da taxa de mortalidade no hospital ser baixa em comparação ao índice nacional, entre 2020 e os três primeiros meses de 2021 houve um aumento de 23% de óbitos, saltando de 60 para 74 mortes até o dia 20 de março. Do total de óbitos ocorridos no HC-UFU 32% são de pessoas com menos de 60 anos. 

 

Confira o vídeo da live no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=CiouDaeeQkI


Fonte: Cristiano Sobrinho / Unidade de Comunicação Social - UCS

Hospital de Clínicas - Universidade Federal de Uberlândia

quarta-feira, 24 de março de 2021

300... 300 mil


300... 300 mil

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Ao que tudo indica, 300 é o número da vergonha nacional. 300... 300 mil. Sempre cercados por uma afrontosa vigília de velas. Dessa vez, são 300 mil... mortos pelo Sars-COV-2. Anônimos. Famosos. Cidadãos brasileiros que perderam a vida por conta dos descaminhos do seu país. Infelizmente, o Brasil não parece preocupado em perder talentos, conhecimentos, mãos para todas as obras. Só que o tempo não é generoso, não espera. Muito menos, o novo vírus.

Enquanto figuração para fotografia, aceno midiático aos que possam se interessar, a reunião de hoje cumpriu o papel. Mas, depois de um ano inteiro patinando entre idas e vindas, ter que ouvir a informação de que será necessário aguardar pela formação de uma equipe para saber como lidar com os desafios é profundamente desalentador.  Afinal, são 300 mil a menos na conta da população brasileira. Sem contar todos os que estão à mercê da sorte para não cerrar fileira nessa estatística funesta.

Ora, não há o que possa tranquilizar a população nesse momento. A resistência contra as medidas sanitárias profiláticas é absurdamente real. Pessoas estão chegando ao ponto de matar os outros para satisfazer seu pseudodireito de descumprir orientações simples como o uso de máscaras, o distanciamento social, a higienização frequente das mãos com água e sabão ou álcool em gel. Assim como, a insuficiência de vacinas e a lentidão no ritmo da imunização.

Porque o amadorismo que se tem experimentado é demasiadamente constrangedor, especialmente, pelo fato de não caber na realidade vacinal do país. Celeiro de grandes centros de pesquisa médica e produção de imunobiológicos, o Brasil se permitiu declinar desse protagonismo interno para se submeter a dinâmica das relações comerciais internacionais; inclusive, abdicando de emanar esforços conjuntos a outros países em favor da quebra de patentes das vacinas desenvolvidas para o combate dessa Pandemia.

Não, não é à toa que 300 mil chocam, humilham, diminuem a expressão da nossa cidadania. Porque as vidas perdidas contam bem mais do que suas próprias histórias. Elas são um espelho o qual não se pode fugir do reflexo. Cada um desses seres humanos é a tradução exata do que foi ou não feito para evitar o seu trágico fim. Oxigênio? Remédios para intubação? Leito em Unidade de Terapia Intensiva (UTI)? Vacina em tempo hábil? Quaisquer que sejam as razões, no fim das contas, não importa. Motivos podem explicar; mas, jamais justificar. Talvez, por isso mesmo, seu próprio silêncio grita tão alto e repetidas vezes.  

É; 300 mil não é um número que se possa esquecer fácil, da noite para o dia. A Pandemia desconstruiu a ideia de que as perdas humanas tendem a se depositar em camadas frias de números esquecíveis. A brutalidade dos acontecimentos é tamanha que a morte revive a cada minuto dentro de nós. Ela se perpetua na monstruosidade da inação, da incompetência, da falta de habilidade para conter a fúria desse inimigo invisível. De modo que, talvez, não tarde esses números avançarem rapidamente.    

Mesmo assim, quando pensarmos sobre esse número que conseguiu marcar a história nacional por vieses tão impactantes, que sejamos capazes de uma reflexão profunda a respeito de que “considerando que viver é artimanha que se cultiva entre aquilo que se enxerga e aquilo que mora no invisível, seguimos o rastro da flecha que atravessa o tempo: o contrário da vida não é a morte, o contrário da vida é o desencanto. Para os saberes que margeiam essa terra e sopram ar, hálito e palavras de força para afugentar o espectro colonial, vida e morte transbordam os limites de uma compreensão meramente fisiológica para se inscrever em outras dimensões. Assim, cabe falarmos em mortandade e vivacidade, considerando que a primeira é um estado de desencanto da vida, e a segunda é a experiência do ser integral e integrado como a natureza, mesmo que eventualmente tenha morrido” (trecho do livro “Encantamento – Sobre a Política da Vida”, de Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino (Mórula Editorial).


Fim da linha...


Fim da linha...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Lamento, mas o colapso do sistema de saúde já era uma tragédia anunciada. Por azar, de muita gente que pensava ser esse um problema exclusivo da rede pública e, portanto, atingindo apenas essa parcela de usuários, não foi bem assim. Porque o ponto chave dessa questão é, simplesmente, a capacidade, a suficiência de atendimentos por parte das redes que compõem o sistema de saúde no país. Como tudo na vida, há sempre um limite; por isso, cabe a constante vigilância para não ultrapassá-lo.

Muito antes desse tsunami chamado COVID-19, a saúde pública no Brasil já vivia às voltas com a constante judicialização dos serviços prestados. Leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), cirurgias de alta complexidade, tratamentos oncológicos, tratamento para doenças raras, são algumas das demandas que frequentemente chegam ao conhecimento do judiciário brasileiro e, nem sempre, são satisfeitas em tempo da sobrevivência dos pacientes.

Então, quando a Pandemia se instalou e foi mostrando a sua gravidade e complexidade, já era de se esperar que a situação na rede pública se tornasse ainda pior. Tanto que a solução encontrada por muitos prefeitos e governadores foi a criação de hospitais de campanha para dar vazão as demandas emergenciais criadas pelo novo vírus.

Nesse contexto é preciso ressaltar que a iniciativa proposta desencadeou um novo panorama logístico. Acostumados a atender um número específico de serviços de saúde, de repente, as empresas fornecedoras de equipamentos, medicamentos e insumos médico-hospitalares viram-se sobrecarregadas e impossibilitadas de atender prontamente.

Inclusive, porque a grande maioria desses produtos é importada e, em decorrência da Pandemia, outros países também estavam manifestando os mesmos interesses que o Brasil. Sem contar que, temporariamente, o trânsito das importações foi suspenso a fim de que as indústrias produtoras pudessem paralisar suas atividades e evitar a propagação viral entre seus funcionários. De modo que as quantidades disponíveis se tornaram insuficientes para suprir a procura mundial.

E sem levar em consideração tudo isso, a vida na sua integralidade não parou por um minuto sequer, ocorrendo uma sobreposição de necessidades dentro dos serviços de saúde. Gestantes, acidentados, infartados, acidentes vasculares cerebrais e outros serviços continuaram chegando ao sistema de saúde.

Cientes da situação da saúde pública no país, aqueles que contam com a rede privada passaram a se valer dela para a resolução dos seus problemas e, também, da COVID-19. Acontece que, em razão desse novo vírus poder desencadear manifestações clínicas severas e exigir um protocolo específico de biossegurança para o atendimento, houve a necessidade de restringir e delimitar setores específicos a esse fim. O que, inevitavelmente, resultou em uma diminuição da oferta de leitos e serviços para outras situações médicas; sobretudo, eletivas.

Nem é preciso dizer que o impacto dessa nova conjuntura, também, recaiu sobre os corpos clínicos desses serviços. A insuficiência quantitativa das equipes de terapia intensiva mostrou-se visível rapidamente e levou a uma reorganização dos quadros funcionais, para tentar equilibrar de algum modo as necessidades. Afinal de contas, a situação pandêmica tem se mostrado profundamente extenuante e comprometido a qualidade de vida e saúde dos profissionais; sendo que, muitos deles, precisaram ser afastados ou faleceram em decorrência da contaminação pelo vírus.

Por tudo isso é que não há como não se indignar com a postura anticidadã daqueles que fazem apologia contrária as medidas preventivas à COVID-19. Sumariamente a pandemia baniu regalias e privilégios e nivelou a sociedade a um patamar de incertezas coletivo. Quem morre, quem vive, quem terá sequelas, são indagações de uma imprecisão absurda, porque o vírus está por aí se transformando e aprimorando suas estratégias de virulência, graças a total inconsequência e irresponsabilidade de muitos seres humanos. E diante do que se vê diariamente, não há como esperar que a situação melhore. As perspectivas dão conta do pior.

Em qualquer conjuntura extrema, a carência e a insuficiência ditam os rumos. Quanto mais a sociedade faz queda de braços com a realidade, mais graves se tornam as consequências. As pessoas não só, não estão conseguindo resolver as demandas emergenciais do agora; como, também, não se deram ao trabalho de começar a pensar sobre o Pós-Pandemia. E a sobrevivência pós-COVID-19 nem sempre é isenta de sequelas.

Por isso, “acredito que cada direito implica uma responsabilidade; cada oportunidade uma obrigação; cada posse um dever” (John Rockefeller). E exemplos quanto à “o que fazer”, “como fazer”, o Brasil teve à disposição. Um simples gesto de observar e conversar com outros países no intuito de aprender sobre as experiências bem-sucedidas poderia ter mitigado, consideravelmente, as consequências que se vem padecendo. Mas, não. Optou-se pelo isolamento, pela arrogância, pelo negacionismo, pela falta de planejamento e critérios. A escolha respondeu-nos, então, com o colapso, o caos, o fim da linha. Porque as escolhas sempre respondem; nem adianta pensar que não.