Nas
fogueiras da inquisição Pós-Moderna
Por
Alessandra Leles Rocha
Se a Pós-Modernidade trouxe inúmeros
desafios para as relações sociais, por outro lado, ela tem permitido uma
valiosa desconstrução e ressignificação de paradigmas, discursos e narrativas
históricas, contribuindo positivamente na formação de novas ideias e pensamentos
melhor ajustadas as demandas da sociedade.
Nesse contexto é que, vez por
outra, o inconsciente nos trai e revela o quanto nossa mente foi impregnada e
impactada por crenças, valores e princípios bastante questionáveis. O
importante é que um número bastante significativo de pessoas, quando nessa situação
conflituosa, percebem o seu desalinho e se pronunciam, se manifestam, pedindo
desculpas por algo que foi expresso; mas, que na verdade, não traduz a sua
consciência e percepção a respeito daquele determinado tema ou assunto.
Ao contrário do que muitos possam
pensar, isso representa um passo de evolução. Reconhecer no nosso processo
comunicativo os desajustes do nosso olhar e compreensão sobre o mundo é, tão
somente, a aplicação prática da nossa capacidade cognitiva e intelectual. Sinal
de que, apesar de todos os pesares, isso não foi perdido durante o redemoinho
devastador da interação entre realidade e virtualismo. Razão e sensibilidade,
ainda, tem o seu espaço garantido em cada um de nós.
Que bom que seja assim! Porque
são elas que exercem a função de freio e contrapeso para os nossos
comportamentos, ações, pensamentos. O que significa que, quando ligadas e
atuantes, elas interrompem o fluxo de conflitos e beligerância comumente
presentes nas relações sociais. Afinal, aqui, ali ou acolá, as pessoas erram,
cometem deslizes, se equivocam, se contradizem; é natural que seja assim.
Graças as nossas teias de
comunicação é que o nosso conhecimento vive em constante construção e
elaboração. Trata-se de uma necessidade fundamental, em razão de o mundo estar
exposto a uma metamorfose diária. O dia a dia é submetido a um severo
escrutínio, justamente, para se poder apurar as eventuais falhas e
incongruências, que tenham passadas despercebidas. É um mecanismo de
arejamento, de renovação, de despojamento de velhas e inúteis amarras sociais.
É bom que se diga, que toda essa
compreensão não é fácil de lidar como parece. Enfrentar a turba de
inquisidores, pós-modernos, de plantão, é no mínimo constrangedor. Expor as
fragilidades humanas do outro parece ser, ainda, uma estratégia mais fácil para
obscurecer a própria incapacidade de ser alguém perfeito 24 horas por dia.
Então, muita gente fica procurando “pelos em ovos” para destilar sua fúria e
veneno, a fim de aplacar o desconforto interior que lhes consome. Traços da
barbárie que persiste em habitar as profundezas da alma humana.
Uma pena! Porque o ideal seria
que pudéssemos coexistir em um mundo onde advertir ou despertar a consciência
do semelhante, dentro de um contexto específico, pudesse ser feito com
civilidade e boa argumentação. Sem baixarias. Sem agressividades
desnecessárias. Sem hipocrisias. Dialogando com clareza e objetividade, afeto e
compreensão, na mais plena simbiose de empatia.
A grandeza do mundo está na
diversidade, na pluralidade, e não só de pessoas; mas, de ideias, pensamentos, conhecimentos
... É tecendo trama a trama dessas particularidades que o mundo vai desenhando
as suas ondas de transformação. Fazendo e refazendo movimentos para ajustar
melhor os pontos e não deixar escapar as conquistas.
Por isso, não cabe mais a
percepção de “ser o dono da verdade”.
Como manifestou José Saramago, “ao
contrário do que geralmente se crê, por muito que se tente convencer-nos do
contrário, as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira
é global”. Ideias, pensamentos, conhecimentos acompanham o curso do tempo. Às
vezes, são aceitos. Às vezes, são rechaçados. Às vezes, são contestados. Às
vezes, são redefinidos. Portanto, são absolutos até a página 2. Dali em diante,
nos cabe aceitar que serão sempre escravos de um relativismo profundamente persuasivo
e imprevisível.