sábado, 27 de março de 2021

Nas fogueiras da inquisição Pós-Moderna


Nas fogueiras da inquisição Pós-Moderna

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Se a Pós-Modernidade trouxe inúmeros desafios para as relações sociais, por outro lado, ela tem permitido uma valiosa desconstrução e ressignificação de paradigmas, discursos e narrativas históricas, contribuindo positivamente na formação de novas ideias e pensamentos melhor ajustadas as demandas da sociedade.

Nesse contexto é que, vez por outra, o inconsciente nos trai e revela o quanto nossa mente foi impregnada e impactada por crenças, valores e princípios bastante questionáveis. O importante é que um número bastante significativo de pessoas, quando nessa situação conflituosa, percebem o seu desalinho e se pronunciam, se manifestam, pedindo desculpas por algo que foi expresso; mas, que na verdade, não traduz a sua consciência e percepção a respeito daquele determinado tema ou assunto.

Ao contrário do que muitos possam pensar, isso representa um passo de evolução. Reconhecer no nosso processo comunicativo os desajustes do nosso olhar e compreensão sobre o mundo é, tão somente, a aplicação prática da nossa capacidade cognitiva e intelectual. Sinal de que, apesar de todos os pesares, isso não foi perdido durante o redemoinho devastador da interação entre realidade e virtualismo. Razão e sensibilidade, ainda, tem o seu espaço garantido em cada um de nós.

Que bom que seja assim! Porque são elas que exercem a função de freio e contrapeso para os nossos comportamentos, ações, pensamentos. O que significa que, quando ligadas e atuantes, elas interrompem o fluxo de conflitos e beligerância comumente presentes nas relações sociais. Afinal, aqui, ali ou acolá, as pessoas erram, cometem deslizes, se equivocam, se contradizem; é natural que seja assim.

Graças as nossas teias de comunicação é que o nosso conhecimento vive em constante construção e elaboração. Trata-se de uma necessidade fundamental, em razão de o mundo estar exposto a uma metamorfose diária. O dia a dia é submetido a um severo escrutínio, justamente, para se poder apurar as eventuais falhas e incongruências, que tenham passadas despercebidas. É um mecanismo de arejamento, de renovação, de despojamento de velhas e inúteis amarras sociais.

É bom que se diga, que toda essa compreensão não é fácil de lidar como parece. Enfrentar a turba de inquisidores, pós-modernos, de plantão, é no mínimo constrangedor. Expor as fragilidades humanas do outro parece ser, ainda, uma estratégia mais fácil para obscurecer a própria incapacidade de ser alguém perfeito 24 horas por dia. Então, muita gente fica procurando “pelos em ovos” para destilar sua fúria e veneno, a fim de aplacar o desconforto interior que lhes consome. Traços da barbárie que persiste em habitar as profundezas da alma humana.

Uma pena! Porque o ideal seria que pudéssemos coexistir em um mundo onde advertir ou despertar a consciência do semelhante, dentro de um contexto específico, pudesse ser feito com civilidade e boa argumentação. Sem baixarias. Sem agressividades desnecessárias. Sem hipocrisias. Dialogando com clareza e objetividade, afeto e compreensão, na mais plena simbiose de empatia.

A grandeza do mundo está na diversidade, na pluralidade, e não só de pessoas; mas, de ideias, pensamentos, conhecimentos ... É tecendo trama a trama dessas particularidades que o mundo vai desenhando as suas ondas de transformação. Fazendo e refazendo movimentos para ajustar melhor os pontos e não deixar escapar as conquistas.

Por isso, não cabe mais a percepção de “ser o dono da verdade”. Como manifestou José Saramago, “ao contrário do que geralmente se crê, por muito que se tente convencer-nos do contrário, as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global”. Ideias, pensamentos, conhecimentos acompanham o curso do tempo. Às vezes, são aceitos. Às vezes, são rechaçados. Às vezes, são contestados. Às vezes, são redefinidos. Portanto, são absolutos até a página 2. Dali em diante, nos cabe aceitar que serão sempre escravos de um relativismo profundamente persuasivo e imprevisível.