terça-feira, 8 de julho de 2025

O mundo e a bola


O mundo e a bola

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não creio que haverá uma análise semelhante a essa, em nenhum espaço de comunicação, a respeito da Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Afinal, meu viés não trata necessariamente de futebol; mas, de outros aspectos tão ou mais relevantes para a historicidade brasileira.

Encerrada a primeira partida das semifinais, com a presença de um time brasileiro, apesar do gosto amargo do resultado, nada deve nos impedir de exercitar a reflexão. O destino com toda a sua ironia fina foi implacável! Lançou sobre os ombros de um jovem talento da base do time brasileiro, contratado pelo time adversário por mais de R$ 400 milhões e anunciado há seis dias, foi quem marcou por duas vezes.

Assim, hora de analisar com criticidade os fatos. Há tempos que uma assimetria mercantil, desenvolvida a partir da capacidade capital, principalmente, das equipes europeias, estabeleceu uma linha divisória para o futebol mundial. Afinal de contas, a presença de vultosos recursos amplia as potencialidades de investimento às equipes. Na escala das prioridades, a verdade é que o futebol, enquanto desporto em si, foi parar no fim da fila.

A ideia do escritor uruguaio, Eduardo Galeano, de que “No futebol, a habilidade é muito mais importante do que a forma e, em muitos casos, a habilidade é a arte de transformar limitações em virtudes”, parece ter se perdido no tempo.

Isso não significa que o futebol, enquanto essência, enquanto mágica, enquanto fascinação, deixou de existir ou de se apresentar. No entanto, o que passou a orbitar no mundo do futebol foram as marcas das desigualdades econômicas entre as equipes, por todo o planeta.

A sua mercantilização fez com que se transformasse em bem, em serviço, em mercadoria, sujeito às leis do mercado e à lógica do lucro. O que afetou profundamente as relações sociais e a própria natureza do esporte que antes eram consideradas inalienáveis ou parte do domínio público. Razão pela qual, a robustez das ligas futebolísticas passou a ser determinada pelas cifras de investimento. De modo que as grandes rivalidades se tornaram mensuradas a partir do capital.

Lamento; mas, tal qual o processo do colonialismo, entre os séculos XV e XX, e o imperialismo/ neocolonialismo, entre os séculos XIX e início do XX, o que ocorreu com o futebol foi o mesmo. Jovens promessas foram abruptamente monetizadas e mercantilizadas por seus clubes de origem, reduzidos às diversas formas de produtos e de rentáveis fontes de lucro para as equipes europeias, principalmente.  O que significa que países, como o Brasil, passaram a ser exportadores de jogadores de futebol, para as multimilionárias equipes do planeta.

O que considero algo abominável, considerando que a maioria desses talentos refletem a própria desigualdade estrutural do país, tecida pelos longos anos de colonialismo. O futebol para eles e suas famílias representa a chamada “luz no fim do túnel”, uma perspectiva de mobilidade e resgate da própria dignidade social. Algo que cria no inconsciente coletivo dos jovens meninos e meninas, das camadas mais frágeis e vulneráveis do país, uma expectativa gigantesca em torno de uma possibilidade de jogar futebol no exterior. O pior é que nem todas as histórias acabam tendo um final feliz.

E aí, chegamos à Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Não, não há exagero em dizer que esse formato de campeonato é uma exaltação, portanto, aos multimilionários times europeus. Em algum momento, já era de se esperar que os times, notadamente menos competitivos, segundo a famigerada ótica do capital, ficariam pelo caminho. E não deu outra, chegarão à grande final dois grandes figurões da bola, no cenário contemporâneo.

No caso brasileiro, que conseguiu a façanha de ter uma equipe disputando uma das semifinais, não há o que contestar, cumpriu seu papel com brio. Além disso, despede-se embolsando uma cifra considerável pela participação. Entretanto, de volta à realidade do mundo, é preciso admitir que essa premiação e o que dela possa desencadear, em termos de visibilidade internacional, de valorização da marca e de outros aspectos, não muda esse modelo colonialista que vigora no futebol mundial.

Segundo a expressão do século XIX, "Tudo como dantes no quartel de Abrantes". Sim, apesar de todo o futebol que nasce amiúde nos campos de várzea, nos chãos de terra batida, em cada rincão nacional, a dinâmica do futebol brasileiro permanecerá imprimindo a marca de talentos tipo exportação. Aliás, como se faz, há pouco mais de 500 anos, com toda a matéria-prima explorada por aqui.

Segundo Jean-Paul Sartre, filósofo francês, "Toda palavra tem consequências, todo silêncio, também". Essa é uma citação que diz muito nesse contexto. Abster-se de olhar e de enfrentar as heranças do nosso colonialismo, seja de que forma ele se apresente diante de nós, não só faz perpetuar e aprofundar a dimensão dos nossos prejuízos sociais, culturais e econômicos, como abre precedentes perigosíssimos para afrontas diversas à nossa cidadania e à nossa soberania.  

Assim, que a decepção pela derrota, de hoje, permita aos brasileiros de todas as flâmulas futebolísticas refletir a respeito de que “Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas ideias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais eficiente detector de nossas mentiras” (Martha Medeiros - jornalista e escritora brasileira).


segunda-feira, 7 de julho de 2025

Sobre regalias e privilégios


Sobre regalias e privilégios

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se deixe enganar! Constrangimento, no Brasil, não significa muita coisa. Depois de terem sido traídos pela própria sanha por ampliar o poder no Congresso Nacional, eles já articulam uma nova forma de silenciar a parcela político-partidária que faz oposição aos seus mandos e desmandos legislativos.

Sim, o presidente do Senado, busca aprovar um projeto que impeça partidos de recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra votações da Câmara. Em linhas gerais, isso significa conter a judicialização de pautas absurdas e inconstitucionais, as quais direta ou indiretamente afetam os interesses da população, evitando quaisquer arbitragens por parte do Judiciário.

Ora, não fossem as vozes ruidosas, dessa oposição, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o cenário político nacional estaria muito pior. De fato, têm sido eles os responsáveis por questionar as aberrações que tramitam pelas Casas Legislativas, em Brasília, quase sempre na calada da noite e a toque de caixa, para evitar que passem despercebidas da opinião pública.

E de tanto fazer e fazer e fazer, eis que “a casa caiu”, com o recente episódio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Se alguém ainda tinha dúvidas quanto ao ranço colonial cultivado pelas elites brasileiras, o espectro político-partidário de Direita fez questão de não deixar pedra sobre pedra a respeito. O que fez a resposta popular ser imediata, com toda a força da Tecnologia e das mídias sociais.

Por essas e por outras, esse pessoal está furioso com a repercussão negativa a seu respeito. Acostumados a darem seus nós em pingos d’água e silenciarem a indignação popular através de quireras e migalhas, não perceberam o tamanho do problema que é se manter preso a um recorte do tempo, sem observar as metamorfoses que acontecem no mundo à revelia de quem quer que seja.

Pois é, habituados a olhar o mundo da perspectiva do topo da pirâmide, de fato, suas vidas transcorrem sem sustos e sobressaltos, dando-lhes a falsa impressão de que nada muda. Acontece que, em contrapartida, os 99% restantes da pirâmide vivem uma realidade bem diferente, na qual a mudança é palavra de ordem a todo instante. Especialmente, quando o assunto lhes fala diretamente às suas demandas históricas de sobrevivência e de dignidade.

Diante dessa efervescência, então, sugiro que apertem os cintos, porque o tensionamento tende a se acirrar. O que temos assistido, no país, desde 2016, é a representação político-partidária de Direita e seus apoiadores, financiadores e simpatizantes, se digladiando por um retorno triunfante e absoluto ao Poder. Haja vista a recente tentativa de Golpe de Estado, cujo ápice foi a depredação do patrimônio histórico nacional, nas sedes dos poderes da República, em Brasília, em 08 de janeiro de 2023.

Para essa gente, parada no tempo e no espaço, é difícil admitir as ondas de transformação que avançam sobre o mundo, desconstruindo, reconstruindo e, às vezes, ressignificando, paradigmas, valores, crenças e princípios. Essas pessoas aprenderam que o dinheiro é poder e que isso basta. Só que não. A dinâmica do mundo, das sociedades, depende diretamente do ser humano. Suas necessidades. Seus sonhos. Suas metas. Seus trabalhos. ... Porque pessoas são as responsáveis por mover as engrenagens sociais, culturais, políticas e econômicas. São elas as grandes protagonistas da história, seja para o bem ou para o mal.

Assim, em mais um capítulo desse eterno cabo de guerra sobre regalias e privilégios, de uns poucos em detrimento de uma maioria, o qual já perdura pouco mais de 500 anos, só nos resta prestar bastante atenção aos acontecimentos, intervindo no roteiro, sempre que se fizer necessário. Afinal de contas, nosso histórico colonial não só, não nos permite esquecer de que "A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos" 1 (Mia Couto); mas, também, "Quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão” (Provérbio africano) 2.



1 COUTO, M. Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Caminho, 2005.

2 COUTO, M. A confissão da leoa. Lisboa: Editorial Caminho, 2012.

SOMOS 99%


sexta-feira, 4 de julho de 2025

Será mesmo um caso para conciliação?


Será mesmo um caso para conciliação?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Conciliação é uma palavra a se pensar, considerando que ela busca estabelecer um enfoque consensual, a partir de soluções negociadas que promovam, principalmente, uma harmonização das relações entre as partes. Bem, foi isso que propôs Alexandre de Moraes, um dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), diante do polêmico caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que está sob sua análise na corte.

Entretanto, para início de conversa, é preciso esclarecer que o atual governo exerceu sua prerrogativa constitucional para a proposição de um decreto sobre o assunto. Além disso, antes de chegar à proposta final, ele se colocou a inteira disposição do diálogo, junto às lideranças do Congresso Nacional e partidárias, justamente, para a construção de um consenso. O que significa que em relação a esse viés, não há o que deliberar; posto que, houve sim, a interferência do Poder Legislativo sobre uma decisão do Poder Executivo, já acordada anteriormente.

Depois, vamos e convenhamos que o ponto da discórdia está fora de qualquer parâmetro conciliatório, por se tratar de um paradigma histórico. Não entendeu?! Ao longo de gerações, nesses pouco mais de 500 anos de história, a pirâmide social brasileira resguarda uma enviesada e desigual distribuição. O que de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente se apresenta da seguinte forma: Classe A: 2,9%, Classe B1: 5,1%, Classe B2: 16,7%, Classe C1: 21%, Classe C2: 26,4%, e Classe D/E: 27,9%.

Ocorre que dentro da classe A, 0,06% dos indivíduos é que detêm, de fato, a centralização dos poderes e influências, sobre a dinâmica socioeconômica do país. São essas pessoas que não aceitam, em hipótese alguma, que a lógica herdada desde os tempos coloniais seja alterada. Traduzindo em miúdos, elas não querem que o Estado brasileiro atue no sentido de trabalhar em favor da justiça social, da igualdade, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental.

Por isso, seus representantes político-partidários no Congresso Nacional estão travando uma luta insana, não só contra a questão do IOF; mas, também, contra o aumento da tributação sobre os “super-ricos” através de uma alíquota mínima de Imposto de Renda para quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano, visando viabilizar o projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês; a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, que acaba com a escala de trabalho 6x1; ...

Então, como esperar algum tipo de conciliação, quando o que está posto é o histórico cabo de guerra entre ricos (2,9% da população) e pobres (97,1% da população)? Essa não é uma pauta para se chegar a um consenso; mas, uma discussão que fala sobre cidadania, ética e senso de dignidade humana. Que deveria colocar a população, em sua imensa maioria, na dianteira desse debate.  Queiram ou não admitir, o Brasil tem uma dívida histórica com as camadas que sempre sustentaram o topo da sua pirâmide social; mas, foram alijadas sumariamente dos seus direitos humanos e cidadãos.

Chega a ser constrangedor pensar que, em pleno século XXI, seja preciso contestar questões absolutamente retrógradas, que foram incorporadas ao inconsciente coletivo nacional por força da experienciação colonialista/ imperialista. Todos os dias, os veículos de comunicação e de informação, são o espelho dos episódios de racismo, de intolerância religiosa, de misoginia, de trabalho análogo à escravidão, ... e de todo um conjunto de desigualdades socioeconômicas.

No entanto, não vemos nenhum dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) vir a público, por exemplo, propor a realização de audiências de conciliação para resolver a escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva, que faz morrer à mingua milhares de cidadãos brasileiros, anualmente.

Ou para tratar da inacessibilidade aos tratamentos e medicações que afeta as vítimas de doenças raras, câncer e outras patologias. Ou para conter o avanço do uso de agrotóxicos no país, a tal ponto de pesquisas científicas apontarem a presença deles em lagos isolados e em fórmulas de nutrição infantil 1. Ou para proteger a imensa legião de trabalhadores dos efeitos devastadores da insalubridade mental. ... Enfim.

Muitas dessas pautas são rotineiramente deliberadas pelo Congresso Nacional de maneira irresponsável, descuidada, negligente. Acontece que elas afetam a vida de 97,1% da população; mas, não costumam ser objeto de questionamento ao Poder Judiciário, ressalvadas raríssimas exceções.

Passam à margem; mas, deixam o seu rastro de prejuízos incalculáveis, que reverberam através do tempo. Como no caso das crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024 e que manifestaram deficiência causada pelo Zika vírus. Só agora, em 2025, suas famílias deverão receber uma indenização de R$ 60 mil do Governo Federal 2.

Relembrando as palavras do antropólogo, historiador e sociólogo brasileiro, Darcy Ribeiro, “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”.

Por essas e por outras, precisamos sim, promover uma conciliação. Mas, para que ela seja capaz de tratar com seriedade e respeito todas as demandas históricas nacionais, as quais dão margem para que uns e outros permaneçam insistindo na perpetuação das nossas vergonhas e abismos sociais. A começar com essa ideia abjeta de existirem cidadãos de primeira classe e de última classe. Assim, diante dos recentes acontecimentos, “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar” (Darcy Ribeiro).

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Já dizia Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”!


Já dizia Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O desespero total da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, não deixa de trazer uma certa satisfação, depois de pouco mais de 500 anos de história. Eles estão sim, descontrolados! Perderam a vergonha, a linha, os bons modos, e o senso do ridículo! Segundo o dito popular "seria cômico se não fosse trágico", então,  o recente cenário político brasileiro.

Assim, não é de se espantar que essa gente venha ocupando os espaços das casas legislativas federais para vociferar o seu ranço colonial, como se o país ainda vivesse sob a aura da Casa Grande e da Senzala.  Sim, porque em sua maioria, se comportam como os velhos latifundiários, aqueles das monoculturas de exportação, contemplados pelas inúmeras benesses tributárias, fiéis adeptos do escravagismo como forma de mão-de-obra, exercendo sua autoridade patriarcal e a sua influência política, a fim de ostentar a famigerada luta de classes entre dominadores e dominados.

E não é que foi exatamente nesses termos, que se desenrolou a sessão na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, a qual a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas foi convocada a prestar esclarecimentos sobre queimadas e desmatamentos! Mais uma vez, a incivilidade, a grosseria, o desrespeito, e tantos mais adjetivos couberem, foram o cartão de visitas apresentado à ela.  Extremamente lamentável; porém, nada que desqualifique ou diminua, uma figura que desfruta do reconhecimento mundial, quando o assunto diz respeito à sustentabilidade socioambiental e às mudanças climáticas.

Bem, segundo as Sagradas Escrituras, "Ninguém é profeta na sua terra"! Pois é, de fato, não surpreende que seja mais difícil ela obter o reconhecimento, o respeito ou a credibilidade diante de suas habilidades, competências e talentos, entre aqueles que a conhecem ou, pelo menos, deveriam conhecer. Vale ressaltar que, há três dias, o Rei Charles III se reuniu com ela, em Londres, para discutir propostas para a COP30 ou 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Conferência das Partes).

E considerando o largo apreço da Direita brasileira e seus matizes, pelo ranço colonial, é preciso salientar a postura do monarca inglês, tendo em vista que, o Império Britânico, durante aproximadamente 414 anos, entre 1583 e 1997, foi o maior império em extensão de terras descontínuas do mundo, contemplando domínios, colônias, protetorados, mandatos e territórios governados ou administrados pelo Reino Unido.

Por isso, ele melhor que ninguém sabe das consequências nefastas que os processos colonialistas e imperialistas, ao redor do planeta, contribuíram para o conjunto de impactos ambientais negativos que reverbera, de maneira cada vez mais severa, na contemporaneidade.  Sem contar, o papel da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, alavancada pelos próprios britânicos.  São questões dessa natureza que levaram a monarquia britânica a se engajar nas discussões globais sobre sustentabilidade socioambiental e mudanças climáticas, a tal ponto de criar o Prêmio Earthshot 1.

Por sorte, o Brasil dispõe de cidadãs e cidadãos altamente qualificados técnica e cientificamente, detentores de mentes brilhantes, como é o caso da Ministra Marina Silva, para dialogar em tão alto nível, mundo afora, com as maiores autoridades sobre o tema. Enquanto, uns e outros, enxergam o país pela perspectiva limitada das suas propriedades agrícolas, o planeta em si, dialoga a partir da reflexão – Passado / Presente / Futuro -, sem amarras limitantes, retrógradas e/ou negacionistas.

Abster-se de ouvir a Ministra, de reconhecer o seu conhecimento, de enaltecer a sua longa jornada na área, é uma escolha que para ela, no fundo, não faz diferença. No entanto, na perspectiva das relações internacionais e de comércio exterior, pensando a luz dos interesses de importação e exportação, particularmente, da cadeia do agronegócio, a estupidez e a ignorância podem ser fatais às tratativas e negociações, em razão do desalinhamento em relação à pauta verde global.

Vejam, não é o mundo que precisa ceder aos caprichos equivocados e fora do tempo, por gente como a que esteve na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Desse modo, quanto à fatídica sessão, só posso dizer que me lembrei de uma recorrente citação de Ibrahim Sued, a estrela do colunismo social no Brasil, que adorava dizer: “Os cães ladram e a caravana passa”. Bons entendedores, entenderão!


terça-feira, 1 de julho de 2025

O jogo acabou (Game Over)


O jogo acabou (Game Over)

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cartas sobre a mesa. Qual o jogo? Para surpresa geral, a Direita nacional e seus matizes resolveu hastear a bandeira da sua herança colonial. Depois de pouco mais de 500 anos de história, agora, todos estão sabendo que as elites brasileiras não aceitam corrigir os abismos da distribuição de renda, não aceitam uma Proposta de Emenda Constitucional que acabe com a escala de trabalho 6x1, não aceitam o Projeto de Lei (PL nº 1087/25) que eleva a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, ... Enfim, não aceitam qualquer iniciativa governamental que tenha um viés progressista. Em linhas gerais, esses indivíduos não querem o Brasil flertando com um futuro considerado mais justo e igualitário.

Mas, é fundamental esclarecer quem são essas pessoas. Bem, ainda que a Direita nacional e seus matizes se faça representada por membros do referido espectro político-partidário, ela ainda conta com apoiadores e simpatizantes. No entanto, quem manda e desmanda, no país, assim como ocorria nos tempos coloniais, é uma ínfima parcela do seu coletivo, que diz respeito à 0,06% da população brasileira. Banqueiros. Investidores do mercado financeiro. Industriais. Representantes do agronegócio tipo exportação. Empresários do ramo de apostas esportivas.  ... Gente que ocupa o topo da pirâmide social e vive à margem dos problemas cotidianos enfrentados pela grande massa da população.

Não é à toa que o Brasil continue reproduzindo as mazelas dos seus tempos coloniais, ou seja, exploração de fauna, flora e recursos minerais; desigualdade social, a partir da exploração econômica e da concentração de renda pelas elites; trabalho análogo à escravidão; violências diversas contra minorias – racismo, xenofobia, misoginia, intolerância religiosa, dentre outros exemplos. Por essas e por outras, que o país esteve à beira de um novo Golpe de Estado, o qual foi gestado entre 2019 e 2022, tendo o seu ápice na depredação histórica das sedes dos Poderes da República, em 08 de janeiro de 2023. O que o Brasil e o mundo assistiram foi a explosão do inconformismo dessa gente diante da eleição de um governo, cuja pauta sempre foi a busca pelo enfretamento às desigualdades, às injustiças e a promoção do progresso e do desenvolvimento em diversas áreas.

Pois é, a Direita nacional e seus matizes não só vive presa ao passado colonial brasileiro, como aceita passivamente permanecer vivendo sob o jugo do imperialismo, o qual, inclusive, possibilitou o Golpe Militar em 1964. Ora, isso acontece porque, para os 0,06% da população brasileira que detêm os poderes nas mãos, não há risco à manutenção de suas influencias, regalias e privilégios. Não há, da sua parte, qualquer preocupação com o restante da população. Para eles, as demais camadas da pirâmide social são vistas como objetos. Assim, elas são desvalorizadas e usadas como um meio para atingir os seus objetivos, sem levar em conta os próprios interesses. De modo que tal objetificação social significa o mais pleno desrespeito à dignidade humana.

É uma pena que Cazuza não esteja vivo para ver o Brasil mostrar a sua cara, exatamente como ele escreveu, com perfeição, na década de 80 1! O mundo rodopiou, girou, deu cambalhotas; mas, finalmente, as verdades indigestas foram regurgitadas pela Direita e seus matizes, no Congresso Nacional. Então, para comemorar esse feito histórico, penso que é preciso ler e reler, muitas vezes, o poema “Os Estatutos do Homem" 2, de Thiago de Mello, publicado em 1964. Afinal, naquelas palavras encontra-se uma defesa clara de certos valores, tais como a liberdade, esperança, alegria e paz, os quais nos fazem entender o que significa, então, um país justo, fraterno e solidário.


sexta-feira, 27 de junho de 2025

O melancólico fim dos “Salvadores da Pátria” diante da contemporaneidade


O melancólico fim dos “Salvadores da Pátria” diante da contemporaneidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há um provérbio que diz, “há males que vêm para o bem”! Verdade. A derrubada, pelo Congresso Nacional, do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), ao menos em tese, deveria expandir nossas fronteiras reflexivas. Afinal de contas, por trás de todo o ranço colonial que vigora no país, incluindo os espaços de poder, há muito mais a ser analisado e discutido.

Para início de conversa, cada cidadão brasileiro deveria fazer um "mea culpa", pela teimosia em insistir na dissociação da realidade. Ora, o tempo foi, é e sempre será fluido, portanto, passível de sofrer inúmeras transformações e rearranjos. De modo que a historicidade cotidiana não permanece a mesma. Não há como.

Sei que costumo tecer muitas considerações sobre a contemporaneidade; mas, faço isso, justamente, pela importância que esse recorte temporal vem exercendo sobre a humanidade, em diferentes aspectos.  Afinal de contas, ele começa na Revolução Francesa (1789) e continua até os dias de hoje. De modo que podemos percebê-lo mais concretamente em razão das grandes transformações sociais, políticas e tecnológicas, incluindo o desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da globalização.

Assim, a realidade brasileira até o início do século XXI nem de longe é a mesma duas décadas depois. As mudanças trazidas pela Revolução Industrial 4.0, tais como a inteligência artificial, a internet das coisas (IoT) e a robótica na produção e em diversos setores, reformulou as relações no mais profundo da estrutura socioeconômica.

Passamos a conviver com a ingerência maciça das redes sociais na dinâmica cotidiana. A precarização do trabalho se acentuou, em razão da tecnologização, ou seja, da utilização e integração tecnológica com o propósito de otimizar processos, melhorar a eficiência e promover inovações. Algo que resultou na aceleração do empobrecimento social; sobretudo, pelo desaparecimento de inúmeras frentes de trabalho.

Acontece que isso não é pouco. Trata-se de mudanças ocorridas em um curto espaço de tempo, de poucas décadas, e de maneira brutal, não oportunizando, à uma imensa parcela da sociedade, uma preparação ideal. Sim, fomos pegos de calças curtas! O que não é de se espantar dada a genuína incapacidade nacional de acompanhar com atenção o que acontece no mundo, além das suas fronteiras. Como se o modelo colonial, ainda em curso, tornasse os assuntos presentes na realidade contemporânea desimportantes.

Mas esse descaso, essa negligência voluntária, não deixam de marcar suas consequências. E a pior delas diz respeito ao sentimento de incerteza, de instabilidade, em relação ao amanhã. Qualquer um que esteja abaixo do topo da pirâmide social brasileira não tem como negar os fatos. As próximas décadas do século XXI tendem a ser cada vez mais desafiadoras, do ponto de vista socioeconômico, em razão das contínuas transformações impostas pelo desenvolvimento científico e tecnológico.

Bem, e se a população brasileira não estava preparada para a nova face da realidade contemporânea, é importante que os gestores públicos e seus asseclas prestem bastante atenção. Para agravar, um bocadinho mais a situação, não se pode esquecer que o mundo está envelhecendo. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o “Número de pessoas com mais de 65 anos deve dobrar até 2050, chegando a 1,6 bilhão; expectativa média de vida também vem subindo; estudo do Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas alerta para a necessidade de investimentos e políticas públicas para atender demandas de um mundo em envelhecimento” 1. Portanto, um contingente populacional que transitará à margem das futuras revoluções industriais, já em curso.  

É nesse sentido, que as discussões em torno das desigualdades socioeconômicas, especialmente, no que diz respeito à distribuição de renda, não é desproporcional e, nem tampouco, absurda. Dados do Relatório Mundial Social de 2025, divulgado pelas Nações Unidas, “revela que mais de 690 milhões de pessoas vivem atualmente em pobreza extrema, sobrevivendo com menos de US$ 2,15 por dia. Além disso, cerca de 2,8 bilhões, mais de um terço da população mundial, vivem com rendas entre US$ 2,15 e US$ 6,85 por dia, o que as torna extremamente vulneráveis a qualquer choque externo, como uma crise econômica ou desastre natural” 2.

E mesmo “Viver com mais de US$ 6,85 por dia não garante segurança econômica. A maioria dos trabalhadores em países de rendas baixa e média está inserida no setor informal, sem garantias de salário justo, proteção social ou estabilidade. Em muitos casos, os trabalhadores permanecem nesse tipo de emprego ao longo de toda vida”.

Enquanto isso, o mesmo relatório mostra que “Desde 1990, a desigualdade de renda aumentou em muitos países, incluindo os mais populosos do mundo, que são China e Índia. Atualmente, os países onde a desigualdade cresceu concentram dois terços da população mundial”. Sem contar que “os 1% mais ricos detêm mais riqueza do que 95% da humanidade”.

Em linhas gerais, isso significa que “A concentração de renda está diretamente ligada à instabilidade social e à erosão da confiança pública”. Aos olhos da população economicamente ativa (PEA), ou seja, a parcela da população de um país que tem idade para trabalhar e está empregada ou procurando emprego, o cenário contemporâneo parece reafirmar uma total insegurança econômica, uma desigualdade persistente e um colapso da confiança social, principalmente, na classe política.

Daí não se poder subestimar e/ou negligenciar o papel das redes sociais, no agravamento desse fenômeno. Apesar do seu potencial de conexão e informação, elas também têm sido palco de desinformação, discurso de ódio e polarização política, comprometendo não só o exercício consciente da cidadania; mas, de uma busca coletiva para o enfrentamento desses grandes desafios globais.

Além disso, em paralelo a todos esses movimentos e acontecimentos, no caso brasileiro, não se pode esquecer de analisar o papel do Legislativo Federal, a partir do início do século XXI. A mesma postura tomada pelo Congresso Nacional, recentemente, em relação ao IOF, trouxe prejuízos imensos à população brasileira, em inúmeras outras vezes, ao longo desse período, e sequer foram devidamente publicizadas.

É preciso frear os impulsos em dissociar a realidade! Gostem ou não, o Brasil está diante do melancólico fim dos “Salvadores da Pátria”, imposto pelas conjunturas contemporâneas. Desse modo, dissociar os fatos em nome de reduzir o desconforto, em relação a uma série de comportamentos inconsistentes e incoerentes, sustentados por crenças e valores distorcidos e equivocados, torna-se uma ameaça, uma verdadeira temeridade à sobrevivência social.  Não adianta fugir, se esconder, desconversar; pois, a realidade atual exige responsabilidade e bom senso, tanto individual quanto coletivo.