A
droga da hipocrisia
Por
Alessandra Leles Rocha
Na medida em que a
situação beira os limites da dramaticidade horrenda, é impossível não pensar
que a sociedade foi, pelo menos em parte, anestesiada pela droga da hipocrisia.
Um país que não tem no âmbito das suas leis permissão para tirar a vida de
outro; mas, permite silenciar-se aos abusos que levam ao morticínio de mais de
300 mil seres humanos, durante essa Pandemia, só pode ser considerado
hipócrita.
Aliás, é bom que se
esclareça que os números da morte, certamente, ultrapassam essa cifra, quando
adicionados aqueles oriundos das violências, das misérias, dos infortúnios cotidianos,
os quais, também, são ofuscados e invisibilizados por muitas pessoas. Porque a
hipocrisia traça recortes perversos da realidade, para tentar construir um
mosaico que seja capaz de atender a interesses muito próprios e particulares de
quem se considera acima do Bem e do Mal.
É, caro (a) leitor
(a), o papel da droga da hipocrisia é buscar reduzir, sempre e mais, o que é irredutível,
minimizar aquilo que não pode ser minimizado, a fim de que a realidade paralela
possa lançar no ar uma atmosfera menos densa e hostil, sem que seja necessário
investir esforços para pensar, fazer, agir. Porque isso seria cansativo. Seria oneroso
demais.
Toda essa inação
escancara, então, a superficialidade das convicções e valores que permeiam essa
parcela da sociedade e tentam se impor, a qualquer preço, como padrão de comportamento
e conduta geral. A droga da hipocrisia não defende a vida em nenhuma instância.
Para ela o que importa é garantir a sobrevivência de quem aceita as suas
regras, compactua com as suas ideias distorcidas e cruéis.
Por isso, as
aglomerações, as Fake News e os
desrespeitos de todo tipo persistem. Basta observar que ao menor aceno de
contenção à Pandemia, ocorre um recrudescimento das práticas contrárias. Ou
seja, a droga da hipocrisia estica a corda para ver até quando suas tolices e
insensatez conseguem se sustentar. Mesmo que isso continue a custar um preço
humano tão alto, seja dentro ou fora do território nacional.
Porque a droga da
hipocrisia tem efeitos colaterais severos. Compromete a credibilidade. Degrada as
relações econômicas. Aquece as tensões diplomáticas. Paralisa a capacidade
dialógica. Que no fim, culminam em um estado de exclusão grave. O país passa a
ser percebido como um pária internacional. Um resultado que não é ruim para
esse ou aquele segmento populacional; mas, para todos. Porque inviabiliza a
presença do país no cenário globalizado mundial.
O que significa que
as contribuições maléficas, desnecessárias e improdutivas de uns e outros,
nesse cenário pandêmico, estão sim, acelerando a avalanche de prejuízos que
está em curso. Quanto mais se retarda as medidas de contenção e mitigação da
disseminação do vírus Sars-COV-2, impedindo o rápido aparecimento de novas variantes
com mais potencialidade infectante, mais susceptível permanece a sociedade ao
travamento da dinâmica social.
O mundo inteiro já se
deu conta de que não há uma solução única capaz de pôr fim a esse processo pandêmico.
São medidas profiláticas sanitárias e a vacinação em massa e em curto prazo, o
que fará arrefecer gradualmente a intensidade da doença. Mas, como a droga da
hipocrisia tem trabalhado no sentido oposto disso, as perspectivas se afastam
cada vez mais de uma luz no fim desse túnel, por aqui.
O que ganha a droga
da hipocrisia investindo na arrogância, na prepotência, na ignorância, eu realmente
não consegui descobrir até agora. O cenário de caos e de instabilidade, nunca
foi uma estratégia capaz de resultar em benefício para quem quer que seja. Sem dúvida
alguma, é profundamente degradante e constrangedor perceber como cheira mal o
odor das aparências enganosas, que a droga da hipocrisia lançou pelo ar.
Havemos de admitir
que a hipocrisia padece de uma franca incapacidade de esconder os prejuízos e
suas consequências; sobretudo, quando os olhos do mundo estão sobre nós. Já somos
vistos e entendidos como ameaça global; portanto, isso deveria bastar para
frear qualquer arroubo destrutivo e realinhar os caminhos.