sábado, 27 de março de 2021

A droga da hipocrisia


A droga da hipocrisia

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Na medida em que a situação beira os limites da dramaticidade horrenda, é impossível não pensar que a sociedade foi, pelo menos em parte, anestesiada pela droga da hipocrisia. Um país que não tem no âmbito das suas leis permissão para tirar a vida de outro; mas, permite silenciar-se aos abusos que levam ao morticínio de mais de 300 mil seres humanos, durante essa Pandemia, só pode ser considerado hipócrita.

Aliás, é bom que se esclareça que os números da morte, certamente, ultrapassam essa cifra, quando adicionados aqueles oriundos das violências, das misérias, dos infortúnios cotidianos, os quais, também, são ofuscados e invisibilizados por muitas pessoas. Porque a hipocrisia traça recortes perversos da realidade, para tentar construir um mosaico que seja capaz de atender a interesses muito próprios e particulares de quem se considera acima do Bem e do Mal.

É, caro (a) leitor (a), o papel da droga da hipocrisia é buscar reduzir, sempre e mais, o que é irredutível, minimizar aquilo que não pode ser minimizado, a fim de que a realidade paralela possa lançar no ar uma atmosfera menos densa e hostil, sem que seja necessário investir esforços para pensar, fazer, agir. Porque isso seria cansativo. Seria oneroso demais.

Toda essa inação escancara, então, a superficialidade das convicções e valores que permeiam essa parcela da sociedade e tentam se impor, a qualquer preço, como padrão de comportamento e conduta geral. A droga da hipocrisia não defende a vida em nenhuma instância. Para ela o que importa é garantir a sobrevivência de quem aceita as suas regras, compactua com as suas ideias distorcidas e cruéis.

Por isso, as aglomerações, as Fake News e os desrespeitos de todo tipo persistem. Basta observar que ao menor aceno de contenção à Pandemia, ocorre um recrudescimento das práticas contrárias. Ou seja, a droga da hipocrisia estica a corda para ver até quando suas tolices e insensatez conseguem se sustentar. Mesmo que isso continue a custar um preço humano tão alto, seja dentro ou fora do território nacional.

Porque a droga da hipocrisia tem efeitos colaterais severos. Compromete a credibilidade. Degrada as relações econômicas. Aquece as tensões diplomáticas. Paralisa a capacidade dialógica. Que no fim, culminam em um estado de exclusão grave. O país passa a ser percebido como um pária internacional. Um resultado que não é ruim para esse ou aquele segmento populacional; mas, para todos. Porque inviabiliza a presença do país no cenário globalizado mundial.

O que significa que as contribuições maléficas, desnecessárias e improdutivas de uns e outros, nesse cenário pandêmico, estão sim, acelerando a avalanche de prejuízos que está em curso. Quanto mais se retarda as medidas de contenção e mitigação da disseminação do vírus Sars-COV-2, impedindo o rápido aparecimento de novas variantes com mais potencialidade infectante, mais susceptível permanece a sociedade ao travamento da dinâmica social.

O mundo inteiro já se deu conta de que não há uma solução única capaz de pôr fim a esse processo pandêmico. São medidas profiláticas sanitárias e a vacinação em massa e em curto prazo, o que fará arrefecer gradualmente a intensidade da doença. Mas, como a droga da hipocrisia tem trabalhado no sentido oposto disso, as perspectivas se afastam cada vez mais de uma luz no fim desse túnel, por aqui.

O que ganha a droga da hipocrisia investindo na arrogância, na prepotência, na ignorância, eu realmente não consegui descobrir até agora. O cenário de caos e de instabilidade, nunca foi uma estratégia capaz de resultar em benefício para quem quer que seja. Sem dúvida alguma, é profundamente degradante e constrangedor perceber como cheira mal o odor das aparências enganosas, que a droga da hipocrisia lançou pelo ar.    

Havemos de admitir que a hipocrisia padece de uma franca incapacidade de esconder os prejuízos e suas consequências; sobretudo, quando os olhos do mundo estão sobre nós. Já somos vistos e entendidos como ameaça global; portanto, isso deveria bastar para frear qualquer arroubo destrutivo e realinhar os caminhos.