domingo, 28 de março de 2021

Será só indiferença?!


Será só indiferença?!

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Quem já perdeu alguém muito querido e importante sabe como é angustiante o processo de aceitação; especialmente, quando essa morte não foi por uma razão natural da vida. Lidar com a certeza de que uma outra pessoa retirou, de algum modo, a possibilidade de um tempo maior de convivência, de mais afeto e companheirismo, de mais trabalho e criatividade, ... é dolorosamente incompreensível.

Nesse momento em que milhares de pessoas estão vivenciando o luto no país, não se pode fechar os olhos para o fato de que não é necessariamente o Sars-COV-2 o único agente fúnebre dessa história. Até onde já se sabe pela Ciência, ele é sim, extremamente perigoso e imprevisível. Mas, diante de todos os riscos que ele nos impõe, cabe a sociedade, como um todo, o exercício coletivo da prevenção e da responsabilidade. Cada ser humano tem um papel nesse contexto e precisa contribuir da melhor maneira para mitigar os efeitos dramáticos que esse vírus instituiu.

Infelizmente, ter evitado o colapso dos serviços de saúde era uma dessas medidas. Um breve flashback teria sido o suficiente para lembrar como os serviços de saúde no Brasil são limitados a partir de projeções matemáticas, que estimam a sua capacidade de atendimento dentro de certa normalidade. É claro que as margens de erro são consideradas; mas, nada muito acima das expectativas convencionais.

Entretanto, uma situação epidêmica extrapola a previsibilidade. Quando isso acontece, é imperioso que a sociedade se una em favor de medidas que possam conduzir, então, a situação de colapso para patamares possíveis. E o primeiro passo no caso de uma epidemia viral é conter a disseminação e o contágio entre a população, ou seja, o isolamento social e a redução do trânsito de pessoas pelos espaços públicos é premissa básica. De modo que a dinâmica da sociedade passa a ser traçada a partir desse panorama.

Isso significa que, em nome da vida e da sobrevivência humanitária, medidas de amparo aos diferentes setores da sociedade precisam ser planejadas e desenvolvidas, enquanto a urgência pandêmica está em curso. Tendo em vista de que não há como cravar nas páginas do calendário a data limite para o fim do caos, a gravidade situacional, por si só, responde a impossibilidade de contestações ou de manifestações revoltosas diante da realidade que se desenha.

Ora, o cotidiano precisa estar em suspenso porque se ele não parar, a desassistência médico-hospitalar não será apenas para os casos de COVID-19; mas, quaisquer doenças ou enfermidades. Aliás, é extremamente preocupante vislumbrar o cenário colapsado para pacientes dependentes de hemodiálise, de tratamentos oncológicos, de transplantes, de queimados, porque a fluir a situação como está, muitos deles não terão nenhuma chance de sobreviver, em razão da insuficiência desses serviços. Ou seja, mais perdas humanas.

A resistência em compreender os fatos, como eles são, dão conta dos números que temos diante dos olhos. A insistência perversa em manter a vida sob um regime de “normalidade”, que não mais existe, tem nos custado caro sob diversos aspectos.

A desaceleração mundial de uma economia globalizada demonstra o quanto cada país está voltado para o enfrentamento da Pandemia. Diversos setores da indústria e do comercio vêm padecendo o desabastecimento de produtos por essa razão. O perfil de consumo da população, também, foi redirecionado para a nova realidade.

De modo que, alguns setores, estão ameaçados por uma recuperação mais lenta e tardia. A inflação voltou a bater na porta das residências e impactar os orçamentos já restritos. As tarifas públicas sofreram reajustes significativos; assim como, os combustíveis fósseis. Enfim, a insistente resistência em lançar a grande base da população a arena da Pandemia, não converteu em resultados palpáveis e expressivos, como prometiam seus discursos, porque não houve um planejamento estratégico para tal.

Nem uma coisa e nem outra é o que temos agora. Nem saúde. Nem vacinas. Nem economia. E esse não ter, também, é uma forma de morrer. A história do mundo, desde seus primórdios, explica bem como a morte tem muitos rostos. Miséria. Subnutrição. Escravidão. Violências. Epidemias. Câmaras de gás. Campos de concentração. ...

Quem diria que o discurso de Chaplin, em “O Grande Ditador” (1940) permaneceria atemporal e útil para a reflexão da humanidade. Afinal, “[...] nós perdemos o caminho. A ganância envenenou a alma do homem, criou uma barreira de ódio e nos guiou no caminho do assassinato e sofrimento. Desenvolvemos a velocidade, mas nos fechamos em nós mesmos. A máquina, que produz abundância, nos deixou em necessidade. Nosso conhecimento nos fez cínicos; nossa inteligência nos fez cruéis e severos. Pensamos demais e sentimos muito pouco. Mais do que maquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de gentileza e bondade. Sem essas virtudes, a vida será violenta e tudo será perdido”.

Está aí, o grande problema da realidade atual, o ser humano está perdendo a capacidade de ser humano, de sentir, na medida em que se distancia dos acontecimentos como se estes não lhes dissessem absolutamente nada. Há uma seletivização tão absurda das informações a serem por ele processadas, que ela relativiza a gravidade da morte e de tudo que conduz ao seu acontecimento. Como se essa alienação pudesse lhe blindar da realidade brutal que consome o país e o mundo. Por isso cuidado, porque “na morte a cegueira é igual para todos” (José Saramago – Ensaio sobre a Cegueira).