Será
só indiferença?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Quem já perdeu alguém muito
querido e importante sabe como é angustiante o processo de aceitação; especialmente,
quando essa morte não foi por uma razão natural da vida. Lidar com a certeza de
que uma outra pessoa retirou, de algum modo, a possibilidade de um tempo maior
de convivência, de mais afeto e companheirismo, de mais trabalho e
criatividade, ... é dolorosamente incompreensível.
Nesse momento em que milhares de
pessoas estão vivenciando o luto no país, não se pode fechar os olhos para o
fato de que não é necessariamente o Sars-COV-2 o único agente fúnebre dessa
história. Até onde já se sabe pela Ciência, ele é sim, extremamente perigoso e imprevisível.
Mas, diante de todos os riscos que ele nos impõe, cabe a sociedade, como um
todo, o exercício coletivo da prevenção e da responsabilidade. Cada ser humano
tem um papel nesse contexto e precisa contribuir da melhor maneira para mitigar
os efeitos dramáticos que esse vírus instituiu.
Infelizmente, ter evitado o
colapso dos serviços de saúde era uma dessas medidas. Um breve flashback teria sido o suficiente para lembrar
como os serviços de saúde no Brasil são limitados a partir de projeções
matemáticas, que estimam a sua capacidade de atendimento dentro de certa
normalidade. É claro que as margens de erro são consideradas; mas, nada muito
acima das expectativas convencionais.
Entretanto, uma situação epidêmica
extrapola a previsibilidade. Quando isso acontece, é imperioso que a sociedade
se una em favor de medidas que possam conduzir, então, a situação de colapso
para patamares possíveis. E o primeiro passo no caso de uma epidemia viral é
conter a disseminação e o contágio entre a população, ou seja, o isolamento
social e a redução do trânsito de pessoas pelos espaços públicos é premissa
básica. De modo que a dinâmica da sociedade passa a ser traçada a partir desse
panorama.
Isso significa que, em nome da
vida e da sobrevivência humanitária, medidas de amparo aos diferentes setores
da sociedade precisam ser planejadas e desenvolvidas, enquanto a urgência pandêmica
está em curso. Tendo em vista de que não há como cravar nas páginas do
calendário a data limite para o fim do caos, a gravidade situacional, por si
só, responde a impossibilidade de contestações ou de manifestações revoltosas
diante da realidade que se desenha.
Ora, o cotidiano precisa estar em
suspenso porque se ele não parar, a desassistência médico-hospitalar não será
apenas para os casos de COVID-19; mas, quaisquer doenças ou enfermidades. Aliás,
é extremamente preocupante vislumbrar o cenário colapsado para pacientes
dependentes de hemodiálise, de tratamentos oncológicos, de transplantes, de
queimados, porque a fluir a situação como está, muitos deles não terão nenhuma
chance de sobreviver, em razão da insuficiência desses serviços. Ou seja, mais
perdas humanas.
A resistência em compreender os
fatos, como eles são, dão conta dos números que temos diante dos olhos. A insistência
perversa em manter a vida sob um regime de “normalidade”,
que não mais existe, tem nos custado caro sob diversos aspectos.
A desaceleração mundial de uma
economia globalizada demonstra o quanto cada país está voltado para o
enfrentamento da Pandemia. Diversos setores da indústria e do comercio vêm
padecendo o desabastecimento de produtos por essa razão. O perfil de consumo da
população, também, foi redirecionado para a nova realidade.
De modo que, alguns setores,
estão ameaçados por uma recuperação mais lenta e tardia. A inflação voltou a
bater na porta das residências e impactar os orçamentos já restritos. As tarifas
públicas sofreram reajustes significativos; assim como, os combustíveis fósseis.
Enfim, a insistente resistência em lançar a grande base da população a arena da
Pandemia, não converteu em resultados palpáveis e expressivos, como prometiam seus
discursos, porque não houve um planejamento estratégico para tal.
Nem uma coisa e nem outra é o que
temos agora. Nem saúde. Nem vacinas. Nem economia. E esse não ter, também, é
uma forma de morrer. A história do mundo, desde seus primórdios, explica bem
como a morte tem muitos rostos. Miséria. Subnutrição. Escravidão. Violências. Epidemias.
Câmaras de gás. Campos de concentração. ...
Quem diria que o discurso de
Chaplin, em “O Grande Ditador” (1940) permaneceria atemporal e útil para a reflexão
da humanidade. Afinal, “[...] nós
perdemos o caminho. A ganância envenenou a alma do homem, criou uma barreira de
ódio e nos guiou no caminho do assassinato e sofrimento. Desenvolvemos a
velocidade, mas nos fechamos em nós mesmos. A máquina, que produz abundância,
nos deixou em necessidade. Nosso conhecimento nos fez cínicos; nossa inteligência
nos fez cruéis e severos. Pensamos demais e sentimos muito pouco. Mais do que
maquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de
gentileza e bondade. Sem essas virtudes, a vida será violenta e tudo será
perdido”.
Está aí, o grande problema da
realidade atual, o ser humano está perdendo a capacidade de ser humano, de sentir,
na medida em que se distancia dos acontecimentos como se estes não lhes dissessem
absolutamente nada. Há uma seletivização tão absurda das informações a serem
por ele processadas, que ela relativiza a gravidade da morte e de tudo que
conduz ao seu acontecimento. Como se essa alienação pudesse lhe blindar da
realidade brutal que consome o país e o mundo. Por isso cuidado, porque “na morte a cegueira é igual para todos” (José
Saramago – Ensaio sobre a Cegueira).