quarta-feira, 31 de março de 2021

Histórias...


Histórias...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

A vida não se passa a limpo, segundo a própria vontade. Penso que todos já deveriam saber disso. Erros e acertos fazem parte da história, do aprendizado, da transformação humana. Ora, a perfeição não existe! Precisamos de pluralidade justamente para exercermos o contraditório, a construção de perspectivas e análises próprias sobre os acontecimentos do cotidiano.

E dentro desse viés, nada foi mais terrível para o planeta nos tempos contemporâneos, do que a 2ª Guerra Mundial. Ela representou uma ruptura extrema com a civilidade e mostrou o quão longe o ser humano pode chegar na sua sombria compreensão de poder. A cada aposta de um lado da guerra havia outra com mais intensidade ainda. Tanto que se chegou ao uso de armas nucleares pela primeira vez na história.

Foi um jogo de xadrez com peças humanas. Milhares delas submetidas ao horror de campos de concentração e trabalhos forçados. Despojadas da sua identidade, da sua dignidade, da sua humanidade, poucas tiveram a oportunidade de sobreviver e contar, porque, por alguma razão, foram poupadas e não entraram nas estatísticas do morticínio das câmaras de gás, das valas comuns, das experiências cientificas.

Tudo isso ocorrido há 76 anos. Mas, sabendo que o tempo passa, que as lembranças podem se apagar e até perecer, houve um esforço conjunto dos sobreviventes e das próprias nações envolvidas no sentido de preservar a história, exatamente como aconteceu, a fim de que as gerações futuras tivessem a devida dimensão do que aconteceu no mundo entre 1939 e 1945.

Assim, só os relatos, talvez, não fossem suficientes para a devida assimilação e compreensão por parte de quem não esteve in loco naquela situação. Por isso, museus e espaços ligados diretamente ao holocausto são mantidos para esse fim. O Museu Estadunidense Memorial do Holocausto (USHMM), em Washington, D.C. A Casa de Anne Frank, em Amsterdã, na Holanda. O Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. O Memorial Yad Vashem, em Israel. O Museu do Holocausto de Curitiba, no Paraná.

Trata-se de uma atitude importantíssima, não só porque a percepção e a intensidade dos fatos são algo muito particular; mas, sobretudo, por se tratar de uma manifestação de respeito aos seres humanos. A sociedade não pode ser privada de sua própria história coletiva. A identidade cultural de uma nação se constitui a partir das raízes históricas. O ser humano está sempre em busca de ampliar sua compreensão sobre quem é, quem são seus ancestrais, de onde veio sua árvore genealógica, o que fizeram até aqui, para onde foram ou irão. Aliás, essa é uma das razões que fundamentam a existência dos museus, dos arquivos, das bibliotecas ao redor do mundo.

Contudo, o exemplo em relação à 2ª Guerra Mundial não se estendeu a outros recortes históricos tão brutalmente impactantes. Faltam pedaços da história e sua ausência impossibilita a construção de uma consciência mais humana, mais fraterna, mais empática, tanto pelas atuais como pelas futuras gerações. Não dá para montar um quebra-cabeças sem que todas as peças estejam disponíveis. O que, por si só, já suscita uma especulação a respeito. E especulações, conjecturas, vão enviesando a história e deformando o conhecimento que se estabelece a partir dela.

De certo modo, isso contribui para deixá-la mais feia. Afinal, vamos concordar que a história do mundo tem apreço por horrores e bizarrices. Não há nação que não tenha páginas terríveis a declarar. Todas têm. Entre mocinhos e bandidos o troca-troca de lados sempre existiu e encenou episódios bastante deploráveis.

Por certo, muita coisa ruim aconteceu e que dá mesmo vontade de lançar para debaixo do tapete e esquecer... Mas, foi a história. Foi assim, infelizmente. Temos que aceitar os fatos, aprender com eles e buscar, de todas as formas, não os repetir.

E nesse ponto se volta ao começo. Para aprender é preciso saber, conhecer, refletir. Tem que ser dada a oportunidade de acesso a história. Ah, essa história de “quem conta um conto aumenta um ponto”; não dá! Ela acaba contribuindo para que a história seja absorvida pela perspectiva tendenciosa de alguém e não é esse o propósito.

O conhecimento histórico tem que ser recortado pela diversidade de opiniões e pontos de vista, porém, fundamentados a partir de registros materiais e imateriais. Portanto, não podemos estar limitados a uma única fonte.

Não é à toa que a história seja motivo de tanto amor e ódio na humanidade. Ela mexe com os interesses, com a dominação, com o poder, com as vaidades, ... de algum modo ela é o único caminho disponível para colocar a vida dentro de um molde e fazê-la caber dentro daquele contexto.

Por isso, mais do que nunca precisamos expandir o olhar e as reflexões sobre os caminhos que trilhamos sobre esse assunto; afinal, “Quando falamos de história, temos o costume de nos refugiar no passado. É nele que se pensa encontrar o seu começo e o seu fim. Na realidade, é o inverso: a história começa hoje e continua amanhã” (D.N. Marinotis). Então...