Fim
da linha...
Por
Alessandra Leles Rocha
Lamento, mas o colapso do sistema
de saúde já era uma tragédia anunciada. Por azar, de muita gente que pensava
ser esse um problema exclusivo da rede pública e, portanto, atingindo apenas
essa parcela de usuários, não foi bem assim. Porque o ponto chave dessa questão
é, simplesmente, a capacidade, a suficiência de atendimentos por parte das
redes que compõem o sistema de saúde no país. Como tudo na vida, há sempre um
limite; por isso, cabe a constante vigilância para não ultrapassá-lo.
Muito antes desse tsunami chamado
COVID-19, a saúde pública no Brasil já vivia às voltas com a constante
judicialização dos serviços prestados. Leitos em Unidade de Terapia Intensiva
(UTI), cirurgias de alta complexidade, tratamentos oncológicos, tratamento para
doenças raras, são algumas das demandas que frequentemente chegam ao
conhecimento do judiciário brasileiro e, nem sempre, são satisfeitas em tempo
da sobrevivência dos pacientes.
Então, quando a Pandemia se
instalou e foi mostrando a sua gravidade e complexidade, já era de se esperar
que a situação na rede pública se tornasse ainda pior. Tanto que a solução
encontrada por muitos prefeitos e governadores foi a criação de hospitais de
campanha para dar vazão as demandas emergenciais criadas pelo novo vírus.
Nesse contexto é preciso
ressaltar que a iniciativa proposta desencadeou um novo panorama logístico.
Acostumados a atender um número específico de serviços de saúde, de repente, as
empresas fornecedoras de equipamentos, medicamentos e insumos médico-hospitalares
viram-se sobrecarregadas e impossibilitadas de atender prontamente.
Inclusive, porque a grande
maioria desses produtos é importada e, em decorrência da Pandemia, outros países
também estavam manifestando os mesmos interesses que o Brasil. Sem contar que,
temporariamente, o trânsito das importações foi suspenso a fim de que as indústrias
produtoras pudessem paralisar suas atividades e evitar a propagação viral entre
seus funcionários. De modo que as quantidades disponíveis se tornaram
insuficientes para suprir a procura mundial.
E sem levar em consideração tudo
isso, a vida na sua integralidade não parou por um minuto sequer, ocorrendo uma
sobreposição de necessidades dentro dos serviços de saúde. Gestantes,
acidentados, infartados, acidentes vasculares cerebrais e outros serviços
continuaram chegando ao sistema de saúde.
Cientes da situação da saúde
pública no país, aqueles que contam com a rede privada passaram a se valer dela
para a resolução dos seus problemas e, também, da COVID-19. Acontece que, em razão
desse novo vírus poder desencadear manifestações clínicas severas e exigir um
protocolo específico de biossegurança para o atendimento, houve a necessidade
de restringir e delimitar setores específicos a esse fim. O que,
inevitavelmente, resultou em uma diminuição da oferta de leitos e serviços para
outras situações médicas; sobretudo, eletivas.
Nem é preciso dizer que o impacto
dessa nova conjuntura, também, recaiu sobre os corpos clínicos desses serviços.
A insuficiência quantitativa das equipes de terapia intensiva mostrou-se visível
rapidamente e levou a uma reorganização dos quadros funcionais, para tentar
equilibrar de algum modo as necessidades. Afinal de contas, a situação pandêmica
tem se mostrado profundamente extenuante e comprometido a qualidade de vida e
saúde dos profissionais; sendo que, muitos deles, precisaram ser afastados ou
faleceram em decorrência da contaminação pelo vírus.
Por tudo isso é que não há como
não se indignar com a postura anticidadã daqueles que fazem apologia contrária
as medidas preventivas à COVID-19. Sumariamente a pandemia baniu regalias e privilégios
e nivelou a sociedade a um patamar de incertezas coletivo. Quem morre, quem
vive, quem terá sequelas, são indagações de uma imprecisão absurda, porque o vírus
está por aí se transformando e aprimorando suas estratégias de virulência,
graças a total inconsequência e irresponsabilidade de muitos seres humanos. E diante
do que se vê diariamente, não há como esperar que a situação melhore. As perspectivas
dão conta do pior.
Em qualquer conjuntura extrema, a
carência e a insuficiência ditam os rumos. Quanto mais a sociedade faz queda de
braços com a realidade, mais graves se tornam as consequências. As pessoas não
só, não estão conseguindo resolver as demandas emergenciais do agora; como,
também, não se deram ao trabalho de começar a pensar sobre o Pós-Pandemia. E a sobrevivência
pós-COVID-19 nem sempre é isenta de sequelas.
Por isso, “acredito que cada direito implica uma responsabilidade; cada
oportunidade uma obrigação; cada posse um dever” (John Rockefeller). E exemplos
quanto à “o que fazer”, “como fazer”,
o Brasil teve à disposição. Um simples gesto de observar e conversar com outros
países no intuito de aprender sobre as experiências bem-sucedidas poderia ter
mitigado, consideravelmente, as consequências que se vem padecendo. Mas, não. Optou-se
pelo isolamento, pela arrogância, pelo negacionismo, pela falta de planejamento
e critérios. A escolha respondeu-nos, então, com o colapso, o caos, o fim da
linha. Porque as escolhas sempre respondem; nem adianta pensar que não.