quarta-feira, 24 de março de 2021

Fim da linha...


Fim da linha...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Lamento, mas o colapso do sistema de saúde já era uma tragédia anunciada. Por azar, de muita gente que pensava ser esse um problema exclusivo da rede pública e, portanto, atingindo apenas essa parcela de usuários, não foi bem assim. Porque o ponto chave dessa questão é, simplesmente, a capacidade, a suficiência de atendimentos por parte das redes que compõem o sistema de saúde no país. Como tudo na vida, há sempre um limite; por isso, cabe a constante vigilância para não ultrapassá-lo.

Muito antes desse tsunami chamado COVID-19, a saúde pública no Brasil já vivia às voltas com a constante judicialização dos serviços prestados. Leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), cirurgias de alta complexidade, tratamentos oncológicos, tratamento para doenças raras, são algumas das demandas que frequentemente chegam ao conhecimento do judiciário brasileiro e, nem sempre, são satisfeitas em tempo da sobrevivência dos pacientes.

Então, quando a Pandemia se instalou e foi mostrando a sua gravidade e complexidade, já era de se esperar que a situação na rede pública se tornasse ainda pior. Tanto que a solução encontrada por muitos prefeitos e governadores foi a criação de hospitais de campanha para dar vazão as demandas emergenciais criadas pelo novo vírus.

Nesse contexto é preciso ressaltar que a iniciativa proposta desencadeou um novo panorama logístico. Acostumados a atender um número específico de serviços de saúde, de repente, as empresas fornecedoras de equipamentos, medicamentos e insumos médico-hospitalares viram-se sobrecarregadas e impossibilitadas de atender prontamente.

Inclusive, porque a grande maioria desses produtos é importada e, em decorrência da Pandemia, outros países também estavam manifestando os mesmos interesses que o Brasil. Sem contar que, temporariamente, o trânsito das importações foi suspenso a fim de que as indústrias produtoras pudessem paralisar suas atividades e evitar a propagação viral entre seus funcionários. De modo que as quantidades disponíveis se tornaram insuficientes para suprir a procura mundial.

E sem levar em consideração tudo isso, a vida na sua integralidade não parou por um minuto sequer, ocorrendo uma sobreposição de necessidades dentro dos serviços de saúde. Gestantes, acidentados, infartados, acidentes vasculares cerebrais e outros serviços continuaram chegando ao sistema de saúde.

Cientes da situação da saúde pública no país, aqueles que contam com a rede privada passaram a se valer dela para a resolução dos seus problemas e, também, da COVID-19. Acontece que, em razão desse novo vírus poder desencadear manifestações clínicas severas e exigir um protocolo específico de biossegurança para o atendimento, houve a necessidade de restringir e delimitar setores específicos a esse fim. O que, inevitavelmente, resultou em uma diminuição da oferta de leitos e serviços para outras situações médicas; sobretudo, eletivas.

Nem é preciso dizer que o impacto dessa nova conjuntura, também, recaiu sobre os corpos clínicos desses serviços. A insuficiência quantitativa das equipes de terapia intensiva mostrou-se visível rapidamente e levou a uma reorganização dos quadros funcionais, para tentar equilibrar de algum modo as necessidades. Afinal de contas, a situação pandêmica tem se mostrado profundamente extenuante e comprometido a qualidade de vida e saúde dos profissionais; sendo que, muitos deles, precisaram ser afastados ou faleceram em decorrência da contaminação pelo vírus.

Por tudo isso é que não há como não se indignar com a postura anticidadã daqueles que fazem apologia contrária as medidas preventivas à COVID-19. Sumariamente a pandemia baniu regalias e privilégios e nivelou a sociedade a um patamar de incertezas coletivo. Quem morre, quem vive, quem terá sequelas, são indagações de uma imprecisão absurda, porque o vírus está por aí se transformando e aprimorando suas estratégias de virulência, graças a total inconsequência e irresponsabilidade de muitos seres humanos. E diante do que se vê diariamente, não há como esperar que a situação melhore. As perspectivas dão conta do pior.

Em qualquer conjuntura extrema, a carência e a insuficiência ditam os rumos. Quanto mais a sociedade faz queda de braços com a realidade, mais graves se tornam as consequências. As pessoas não só, não estão conseguindo resolver as demandas emergenciais do agora; como, também, não se deram ao trabalho de começar a pensar sobre o Pós-Pandemia. E a sobrevivência pós-COVID-19 nem sempre é isenta de sequelas.

Por isso, “acredito que cada direito implica uma responsabilidade; cada oportunidade uma obrigação; cada posse um dever” (John Rockefeller). E exemplos quanto à “o que fazer”, “como fazer”, o Brasil teve à disposição. Um simples gesto de observar e conversar com outros países no intuito de aprender sobre as experiências bem-sucedidas poderia ter mitigado, consideravelmente, as consequências que se vem padecendo. Mas, não. Optou-se pelo isolamento, pela arrogância, pelo negacionismo, pela falta de planejamento e critérios. A escolha respondeu-nos, então, com o colapso, o caos, o fim da linha. Porque as escolhas sempre respondem; nem adianta pensar que não.