segunda-feira, 29 de março de 2021

“Mens sana in corpore sano”


“Mens sana in corpore sano” 1

 

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Acompanho a corrente humana que tem se preocupado com a saúde mental da população, nesta Pandemia. Razões não faltam para acender as luzes de alerta sobre o assunto. Especialmente, aquilo que se verbaliza nas silenciosas entrelinhas da convivência humana. Sim, porque muito além da angústia provocada pelo isolamento, pela depressão, pela carência do afeto corpóreo, a sanidade mental também sofre severos desajustes a partir dos discursos e narrativas disseminados, particularmente, pelos meios de comunicação virtual.  

Situações extremas tendem a fazer as pessoas buscarem sentido para suas existências. Como os limites desta são muito tênues, não é difícil, de repente, que determinadas construções dialógicas sejam, no fundo, um flerte com diferentes formas de radicalismo, de extremismo exacerbado.

E não há como negar a existência de um contexto de fragilização e vulnerabilidade consumindo o equilíbrio da população. Então, sem que se dê conta, determinadas palavras podem sim, ser decodificadas de uma maneira não ideal, não produtiva, expondo a população a riscos graves e desnecessários. 

Ora, a maneira como a comunicação humana é desenvolvida determina seus vieses seja para o Bem seja para o Mal. Quando, como e por quem as informações são dispersadas são variáveis importantíssimas no resultado final. Mas, não é o suficiente, porque o receptor precisa sentir-se confortável, aberto e disponível a recebê-las; caso contrário, nada feito.

Entretanto, é curioso como em plena Pandemia, proliferaram-se os golpes. São correntes financeiras, aqui. Bilhetes premiados, ali. Prêmios a depender de dados pessoais, acolá. Basta uma olhada, diária, na mídia para perceber como a esperteza de alguns tem desgastado e prejudicado a vida de muita gente, por aí. Parece que a legião de susceptíveis anda em franca expansão. Fruto da desatenção? Talvez. Mas, pode ser imprevidência genuína, boa-fé demasiada ou, atribuindo méritos ao espertalhão, uma boa lábia refinada.

O problema é que a situação pode se estreitar e ir parar mais longe, saltar da ronda policial e ir parar sobre as mesas das instâncias do Judiciário; quando a dialogia começa a transitar inadvertidamente pelos meandros ameaçadores da polarização político-ideológica. Infelizmente, esse não é um processo restrito ao Brasil. Já anda se espalhando por muitos países e, por onde quer que vá, acaba causando problemas muito sérios.

Havemos de concordar que a realidade Pós-Moderna já não vinha ajudando muito na manutenção de uma disposição reflexiva. É muito trabalho. Muita correria. Muita intensidade da vida. Então, as pressões do cotidiano somadas a quantidade de informações disponibilizadas por segundo no universo virtual, vieram transformado os seres humanos em debatedores superficiais, de baixa qualidade argumentativa, quase que meros leitores de títulos e manchetes.

O que os torna um alvo perfeito para as investidas de discursos e narrativas persuasivas que venham lhes garantir essa zona de conforto, a qual estão habituados. Não há questionamentos sobre a qualidade da informação, a fidedignidade das informações; portanto, não há interesse de checagem das mesmas. Então, antes do que se imagina, elas circulam livres dentro de um espaço de concordância, quase velada, por parte de muitos receptores.

Assim, do discurso para a prática, a ação, é um pulo. Quantos desafios mortais divulgados em redes sociais levaram à morte milhares de pessoas ao redor do mundo? Muitos jovens, com certeza; mas, pessoas em outras faixas etárias também morreram. É preciso entender que o tempo dispensado pela população nas comunicações virtuais é cada vez maior. Agora, com a nova realidade imposta pela Pandemia, a tendência é que seja mais intensificado. O que significa que os discursos e narrativas persuasivas encontram um campo fértil e diversificado para prosperar.

De modo que as redes de tensão social já existentes tenderão a se estirar e as consequências podem comprometer a estabilidade da população. E a necessidade em se manter o equilíbrio nesse momento não é fundamental só do ponto de vista imediato; mas, visando a Pós-pandemia. Criar e promover conflitos e desordens desnecessárias é totalmente antiproducente para qualquer país. O mundo está diante de um colapso médico-hospitalar. De um empobrecimento generalizado. De uma lenta reorganização das matrizes econômicas. Enfim...

Por isso, é preciso atenção à saúde mental na perspectiva da comunicação. Porque ela tem potencial suficiente para desencadear um recrudescimento das violências e promover a ruptura dos parâmetros de convivência e coexistência estabelecidos pela humanidade.

O mundo já possui mais de 2,7 milhões de mortos pela COVID-19. Isso já extrapolou quaisquer limites que se pudesse tolerar para uma tragédia; ninguém precisa conviver com mais instabilidade e temor rondando à espreita. Ninguém precisa de violência mental.

 



1 Uma mente sã num corpo são. (Citação latina do poeta romano Juvenal).