A revolta “pós-moderna”
da vacina
Por Alessandra Leles
Rocha
Uma história não se conta da perspectiva de um único quadro.
O Negacionismo científico que se exacerbou nesses tempos pandêmicos não chegou
agora. Basta uma consulta nos boletins de vacinação das últimas décadas para se
perceber como as pessoas têm negligenciado a prevenção. Não é à toa que
recentemente as mortes por Sarampo têm assustado e ganhado as páginas da
imprensa mundial.
O que separa o ser humano desse microuniverso patogênico não
passa de um véu de invisibilidade microscópica. Estamos com eles dia e noite
sem nos darmos conta. Dentro e fora de nossos corpos eles se multiplicam e se
armam na cruzada infectante. Portanto, isso não é privilégio do COVID-19 para
se lançar mão de uma “obrigatoriedade vacinal” exclusiva.
Aliás, o que vem garantindo a humanidade certo equilíbrio nessa
relação é justamente a presença de vacinas disponíveis e acessíveis ao maior número
de pessoas. É importante destacar a
respeito da imunização, o fato de que não existe totalidade em razão de que,
apesar dos rígidos controles científicos e sanitários, algumas pessoas não são
aptas a vacinação por razões médicas diversas.
Não se trata de um problema com uma determinada vacina, mas
de uma incompatibilidade biológica do próprio indivíduo que pode representar um
prejuízo maior do que o benefício da imunização. Mas isso só pode ser avaliado
pelo médico que acompanha esse paciente, que conhece o histórico de saúde do
mesmo na sua completude. Não é uma mera questão de achismo, ok?
Por isso, é muito preocupante o comportamento que vem sendo imposto
pela sociedade mundial em negar a prática da vacinação. Seria muito oportuno
que os meios de comunicação, conjuntamente com os gestores públicos, começassem
a trabalhar na publicidade dos boletins epidemiológicos junto à população, para
trazer uma consciência holística a respeito dos riscos de reincidência de
doenças, as quais já poderiam estar até erradicadas.
É fundamental considerar que algumas doenças, como a Febre
Amarela, são endêmicas, estão presentes em várias regiões do Brasil e do mundo.
Outras, como a Tuberculose, jamais deixaram de marcar presença nas sociedades,
especialmente, no tocante aos sistemas carcerários superpopulosos, em virtude
do surgimento da AIDS. De modo que, o controle de vacinação se faz necessário
para evitar surtos epidêmicos severos entre a população, porque neles o foco
inicial da doença se expande em uma velocidade assustadora para todo o conjunto
social.
Esta, inclusive, é uma das razões pelas quais diversos países
impõem nas suas normas sanitárias a exigência compulsória de apresentação da
carteira de vacinação para ingresso em seus territórios. Trata-se de um dos
mecanismos de barreira sanitária alfandegária, que contribui para a análise e
proposição de medidas de controle no caso de um eventual surto de determinada
doença. Isso facilita o rastreamento do agente infectocontagioso entre a
população.
No que diz respeito ao COVID-19, acima de discussões
políticas e ideológicas, talvez o que seja de fato necessário considerar é que
as vacinas propostas estão longe da consagração pública que todas as demais já
alcançaram ao longo do tempo. Ainda que todo o trabalho técnico e científico das
empresas produtoras esteja amparado por extrema vigilância e regulação, tudo
acontece concomitantemente a ampla elucidação sobre a doença em si.
O COVID-19 é um agente viral desconhecido. Portanto, os
últimos meses foram dedicados a se conhecer profundamente o seu comportamento
biológico, seus mecanismos de infecção e reinfecção, suas potencialidades em
relação a mutabilidade gênica e, particularmente, os riscos de sequelas pós
contato com o vírus; visto que, ele consegue impactar com severidade órgãos do
sistema cardiovascular e respiratório, sistema renal e sistema neural por
períodos relativamente longos, demandando tratamentos suporte. Portanto, ainda
que as vacinas em curso sejam uma esperança na prevenção da COVID-19, as
respostas não podem ser consideradas plenamente conclusivas.
Levando-se em consideração todas as expectativas criadas em
torno delas quanto à retomada imediata do cotidiano em nível pré-pandemia, a
verdade é que a cautela e as medidas sanitárias básicas propostas – uso de máscara,
higienização constante das mãos, evitar aglomerações e contatos físicos –
tenderão a persistir por um tempo não previsível. O que gera em muitos um
sentimento de frustração e desalento em relação à vacinação; afinal, as outras
já existentes mostraram-se uma solução quando aplicadas dentro dos critérios
estabelecidos pelos sistemas de saúde. Mas, como isso não é uma receita de
bolo, então...
O importante é estar atento as informações e as orientações disponibilizadas
pelos órgãos oficiais de saúde, especialmente a Organização Mundial da Saúde
(OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a respeito do andamento da
vacinação nos países que já iniciaram os processos, ainda que em nível
emergencial. As vacinas autorizadas, as quais se saíram bem-sucedidas nas fases
de testagem, agora ganham o espaço público fora dos laboratórios e podem
reafirmar seus dados iniciais; bem como, trazer novas e importantes informações
sobre o produto desenvolvido.
Enquanto aguarda-se o processo começar no país, analisar e
refletir são palavras de ordem. Essas são as verdadeiras obrigações do cidadão
antes de qualquer iniciativa. Porque o que se vê em qualquer esquina é uma baixíssima
utilização do bom senso, do respeito mútuo, da solidariedade diante dos
milhares que vieram a óbito pela COVID-19, da ausência de amor próprio.
Estamos diante da visão mais clássica da sociedade
pós-moderna, ou seja, aquela que abraçou as transgressões para se abster de
quaisquer obrigações. E o resultado se avoluma diante do nosso nariz. Na afronta
ao sistema jurídico e normativo explode o caos da irresponsabilidade, da
carnificina, da desorientação social, da involução. Assim, embora importantíssimas
as informações e as decisões registradas no papel, se as palavras não forem devidamente
absorvidas e incorporadas pelo cidadão, elas se tornam ineficazes. Antes dessa
vacina é preciso encontrar um caminho que seja, realmente, capaz de recobrar a consciência
humana sobre seu próprio senso de humanidade.