A vida no mundo dos “pobres
meninos ricos”...
Por Alessandra Leles
Rocha
Nem só de realidade extrema e complexa vive a Pandemia. Para
muitos, ela tem sido o pretexto perfeito para justificar as ineficiências, as insuficiências
e as negligências que se arrastam há séculos no país. Então, foi bastante
oportuna a divulgação do resultado do Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), no dia de hoje, para desconstruir as
narrativas enviesadas e trazer luz e reflexão sobre as mazelas que se arrastam
entre nós.
Talvez jamais conseguiremos extirpar as desigualdades do
país. Mas, não tentar ao menos mitiga-las é de uma ignorância e inconsequência absurdas.
E esse tem sido um dos pilares de sustentação do modelo de governança
idealizado pelos atuais gestores públicos, no qual há uma visível desconsideração
quanto a se aplicar uma visão holística para as demandas do país.
Lamento, mas não adianta fazer pirraça. O Brasil é pobre. 82%
da população se distribui entre as classes C (16%), D (20%) e E (46%). Não que
isso seja um retrato do século XXI; mas, algo que persiste secularmente desde o
iniciar da história nacional. Desigualdade sempre foi palavra de ordem por
aqui, então... Não cabe uma idealização em torno de medidas que só se encaixem
ao atendimento dos 18% da população centrados nas classes A e B.
Trazer aos patamares estratosféricos o enriquecimento de uns
em detrimento da pobreza extrema e da precarização existencial de milhares, não
é nem nunca foi solução. O mundo pós Revolução Industrial vêm percebendo, a
olhos vistos, o esfacelamento da sociedade por conta da insustentabilidade das
práticas político-econômicas aplicadas. O que de certo modo já leva alguns
bilionários, como Bill Gates, a investirem em projetos mundiais de combate as
disparidades de distribuição de riqueza.
O mundo desigual não favorece ao comércio e nem a produção. A
própria Pandemia mostrou como as restrições de emprego e renda concentraram a
aplicação dos recursos disponíveis pela população mais pobre para a compra de
alimentos e pagamentos de serviços básicos – água, luz, telefone. Isso
significa que a desigualdade social limita a circulação de riquezas e produtos,
na medida em que mais da metade da população perde o acesso a diversidade
daquilo que é produzido e comercializado no país.
Em se tratando da análise do IDH, por exemplo, o Brasil
retrocedeu 5 posições, ocupando agora a 84ª entre os 189 países avaliados. Como
a estatística utilizada se baseia nos dados em relação a expectativa de vida ao
nascer, a educação e ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita, sabemos que a matemática não errou. Basta olhar ao
redor, por atenção aos noticiários, e tudo se confirma com facilidade.
Se por um lado os avanços científicos e tecnológicos
trouxeram melhorias para a saúde e bem-estar da população, promovendo uma
ampliação, ainda que pequena, na expectativa de vida dos cidadãos; por outro,
esse processo não é homogêneo e linear. O cotidiano nos médios e grandes
aglomerados urbanos exerce função inibidora nessa expectativa e aponta prejuízos
importantes, especialmente para quem vive nas periferias. Estresse, obesidade,
hipertensão, distúrbios do sono, ansiedade, ... são algumas das consequências da
vida sob a dinâmica do elevado desenvolvimento urbano.
Afinal, são longas distâncias a serem percorridas diariamente
em condições inadequadas de transporte e deslocamento. É a precariedade
habitacional. É a violência exacerbada sob diferentes formas. É a insuficiência
da remuneração para a garantir uma sobrevivência digna. É toda a obstaculização
aos direitos humanos fundamentais.
No campo da educação os caminhos, também, não são
promissores. Se o analfabetismo apresenta alguma redução, isso se torna pouco
relevante se a discussão a respeito se envereda para o letramento. Não basta
conhecer os signos, os símbolos, as letras, formar palavras e frases, realizar
operações matemáticas básicas; porque, isso é só alfabetização. Possibilitar que
as pessoas saibam ler, interpretar, extrair conclusões, manifestar ideias e
opiniões, expandir o conhecimento; esse é o resultado do letramento. E o que vemos
por aí, são muitos analfabetos funcionais, ou seja, gente alfabetizada, mas não
letrada.
E dentre as justificativas para isso, está a constante
flutuação das taxas de escolarização. A necessidade de sobrevivência, as
impossibilidades de acessibilidade ao ambiente escolar, a violência, são alguns
exemplos dos fatores que fazem com que milhares de cidadãos não consigam
completar, com o mínimo de qualidade, os ciclos fundamentais e médios da
escolarização nacional.
O resultado disso, então, repercute negativamente em um
padrão de vida decente, ou seja, em um Produto Interno Bruto per capita (PPC) inadequado a sua
dignidade cidadã. Esses indivíduos ficam presos a uma teia de desigualdade que
não lhes permite ascender dentro da sociedade; sobretudo, por conta de uma educação
muito frágil e precária. De modo que esse grande contingente é comprimido nas
vielas da informalidade, para sobreviver. Eles são os operários das multitarefas;
aprendem os ofícios segundo as necessidades do momento, ganham muito pouco e
não dispõem de uma rede de assistência e proteção social.
Portanto, enquanto a política econômica do governo insistir
em se distanciar da realidade social do país e desenvolver um modelo
genuinamente excludente e seletivo, o desenvolvimento e o progresso irão
patinar, patinar, sem sair do lugar. Porque não basta atender aos interesses
minoritários, as regalias de pequenos grupos, quem gira a grande engrenagem
econômica do país são aqueles que estão sendo deixados as margens, punidos
milhares de vezes por serem quem são. Pobres diabos. Desalentados.
Desafortunados. Injustiçados. Porque a vida deles no mundo dos “pobres meninos
ricos” espelha o que diz a canção, “...
Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém / Aqui embaixo, as leis são diferentes...”
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