Nesse
Natal...
Por
Alessandra Leles Rocha
Faz tempo que o Natal se
distanciou da sua essência e se transformou em celebração do marketing e do
consumo escondida na figura maior do Papai Noel e de seus ajudantes. E ainda
que as pessoas buscassem estar mais próximas, reunidas, afetuosas, na escala
das prioridades a festa estava sempre à frente da reflexão verdadeira em torno
da simbologia natalina.
Mas, no ano que se marcou
como um ponto fora da curva, o fim de ano também não será igual. A realidade
imposta pelo COVID-19 não só rompeu as correntes protocolares que se arrastavam
aos milhares; mas, também, impôs um olhar diferente sobre esse momento da
humanidade. De certa forma, estaremos de volta as origens.
Na fé cristã o nascimento de
Jesus, o Nazareno, é marcado pela fuga da morte. Seus pais, Maria e José, são
obrigados a fugir pelo deserto para proteger o filho da fúria de Herodes, o governador
da Judeia. A criança, então, nasce em condições limitadas de conforto material.
Isolados, sem o afeto de amigos e familiares, são apenas os três unidos e
ungidos por sua fé que os guardou até a chegada dos três Reis Magos.
Pensando a respeito, depositando
empatia a essa história milenar, talvez, agora, fique mais fácil compreender a
dimensão do sacrifício experimentado por eles. Em nome da sobrevivência diante
da morte cruel e determinada, eles enfrentaram o medo, a privação do convívio, a
escassez de recursos, as intempéries da natureza desértica, enfim... todos os
perigos e desafios que a vida lhes impusera naquele momento.
E aquele foi, também, um
divisor de águas para a humanidade, na medida em que a presença de Cristo iria promover
a maior e mais intensa transformação social da história. Diante
das constantes investidas da barbárie, da brutalidade e da insensatez, o
Nazareno chegava para revolucionar pelo bem, pela paz, pela concórdia, o
pensamento e o comportamento das pessoas; ainda que isso lhe pudesse custar a morte
precoce no alto de uma cruz.
Então, de repente, a raça
humana foi abruptamente interrompida pela morte. Teve que se refugiar nos
limites das condições possíveis. Teve que traduzir em reflexão o que seus olhos
viram acontecer. Teve que reaprender. Teve que sobreviver. Teve que se isolar. Teve
que ressignificar a dor. A trivialidade do cotidiano que antes passava
despercebida e desnecessária, agora faz falta e é lamentada. Conviver....
Abraçar.... Beijar.... Visitar.... Divertir.... Ao longo de meses que
desfolharam, e continuam desfolhando, lentamente o calendário de 2020 tem sido
assim.
Por mais indiferente que se
queira parecer, uma experiência como essa deixa cicatrizes profundas. Uma
mudança de rota nesse nível, como aconteceu por conta da Pandemia, revolve o
ser humano nas suas entranhas mais abissais. Tudo é muito intenso e repentino,
de modo que o indivíduo é confrontado consigo mesmo sob uma dinâmica de
descobertas e revelações jamais pensadas por ele.
Quase como gestar um novo ser.
É; em meio ao caos está prestes a nascer uma nova humanidade. Novos valores.
Novos princípios. Novos comportamentos. Resultados da necessidade impositiva de
ruptura, a qual o vírus decretou. A vida a partir de agora não cabe mais dentro
dos limites que existiam. Tudo está demasiadamente simples e complexo ao mesmo
tempo, e existe sob a espreita do invisível e imponderável. De repente
descobriu-se que a tecnologia não é tudo, não supre tudo, não resolve tudo. Afinal,
“Só se vê bem com o coração, o essencial
é invisível aos olhos” (Antoine Saint-Exupéry – O Pequeno Príncipe).
Então, nesse Natal agradeça.
Compartilhe amor. Distribua fé. Renove esperanças. Como dito no filme O Curioso caso de Benjamin Button, “A vida só pode ser compreendida olhando
para trás, mas só pode ser vivida olhando para frente”. Tudo vai passar.
Tudo vai ficar bem. Porque “Há mais,
muito mais, para o Natal do que luz de vela e alegria; é o espírito de doce
amizade que brilha todo o ano. É consideração e bondade, é a esperança
renascida novamente, para paz, para entendimento, e para benevolência dos
homens”1.
1 Autor
desconhecido.