PAZ
É AMOR!
Por
Alessandra Leles Rocha
Se tem uma ideia em
franca propagação que me intriga muito é “armar
o cidadão”. Estão fazendo de tudo para facilitar que qualquer um tenha
acesso a inúmeras armas e munições. Mas, de quaisquer lados que eu tento pensar
a respeito a proposta se esvazia.
Analisando sob a
ótica da violência, não é o fato de dispor ou não de armamento a sua razão de
ser. Na verdade, esse é um assunto extremamente complexo que perpassa por inúmeras
variáveis e conjunturas sociais; sobretudo, das desigualdades. São as
desigualdades que abrem as portas para que a violência se instale e promova
todo o infortúnio de problemas. Porque ter uma arma não paga as contas no fim
do mês, não cura doenças, não abre vagas de trabalho, não disponibiliza vagas
em hospitais, enfim...
As desigualdades de
certa forma sinalizam para as práticas da violência as oportunidades enviesadas,
e cheias de más intenções, de solução para os problemas sociais. É aí que entra
a violência como forma de reparação da insuficiência e da ineficiência da
gestão pública. No entanto, o resultado disso é que o cidadão acaba sendo
punido diversas vezes sem que jamais alcance um novo paradigma para coexistência
social. Como se vivesse em eterno fogo cruzado entre as mazelas da desigualdade
e a resposta oriunda das práticas da violência.
Por mais que se afirme
existirem orientações de uso e restrição para o porte e utilização de armas, no
contexto social vigente, elas acabam extrapolando esses tais limites para
alcançarem rapidamente as mãos de pessoas despreparadas e perigosas. Eles já
estão à margem da legalidade e da justiça, portanto, não é nenhum obstáculo desafiar
o sistema, burlar as regras, para conseguir obter as armas que garantirão seus
interesses funcionando plenamente.
O simples fato do
poder aquisitivo ser um componente para possuir uma arma, posto que os custos
envolvidos são altos, já sinaliza para esse segmento da sociedade um alvo
potencial para sua ação criminosa; haja vista a quantidade de assaltos e arrastões
em condomínios verticais e horizontais de luxo. Mas, eles também conseguem se
armar via contrabando. O que significa que a criminalidade brasileira já
mostrou para quem quiser ver o quanto é organizada e não teme fazer do seu
embate com a justiça um desafio constante.
De modo que estamos
sendo colocados cada dia mais na posição de reféns do medo. Não há valentia que
resista ao espírito despojado daquele que diz “não ter nada a perder”. Nessa guerra, meus caros, alguém vai morrer.
Provavelmente aquele que foi pego de surpresa, que não tem prática em conflito,
que está em posição de desvantagem. E aí fica a pergunta, adiantou ter uma
arma?
Quantas famílias já
foram destroçadas pela violência de uma arma de fogo. Brincadeiras que acabaram
na tragicidade de uma morte precoce. Feminicídio. Desequilíbrios mentais que
desencadearam massacres coletivos. Suicídios. ... Milhões de assassinatos que
não podem ser reparados nem revertidos. Cicatrizes eternas que não há como
serem curadas. Pilhas de investigações e de processos judiciais que se avolumam
e se arrastam pelos tribunais do país.
Afinal de contas,
armar a sociedade não é fazer justiça. É tão estranho pensar que um país que
não dispõe na sua legislação a pena
capital favoreça abertamente as armas, vulnerabilizando a existência do
cidadão e promovendo o inchaço demasiado de um sistema prisional já colapsado.
Questão, por sinal importante, no que diz respeito a retroalimentação da violência;
na medida em que, as prisões nacionais, em sua grande maioria, são incapazes de
promover a recuperação cidadã de seus apenados.
Há 40 anos, completados
ontem, John Lennon foi assassinado quando saía do Edifício Dakota, em Nova
Iorque, por um fã. Justamente ele que um dia afirmou: “Vivemos num mundo onde temos que nos esconder para fazer amor,
enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”. Nos EUA a legislação
sobre armas deriva das suas tradições históricas e, portanto, tornou-se
ineficiente para a realidade contemporânea do país. Por isso, pessoas são
mortas a tiros com uma facilidade estupenda. Vidas são ceifadas; assim como,
talentos, ideias, sonhos, amores, ...
“Armar o cidadão”
é, portanto, intrigante. Segundo manifesta o Dalai Lama, “Violência não é um sinal de força, a violência é um sinal de
desespero e fraqueza”. Talvez, mais do que isso, uma incapacidade dialógica
e de coexistência humana profunda. Há um visível desconforto em reconhecer a legitimidade
da presença do outro, de modo que tudo se transforma em pretexto, em disputa,
em agressividade, ... em violência. E assim, as bolhas sociais vão se
digladiando, se hostilizando, se rivalizando, ... se exterminando. Até que um
dia a sociedade consiga enxergar que “Toda
reforma imposta pela violência não corrigirá em nada o mal: o bem não necessita
da violência” (Liev Tolstói – escritor russo). Paz é amor!