segunda-feira, 24 de maio de 2021

As más influências


As más influências

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Quando o germe da transgressão e da desobediência são ativos no ser humano, qualquer empurrãozinho extra é suficiente para desencadear o seu potencial. Más influências existem em todo canto e geralmente atuam no sentido de reafirmarem a sua própria “fama de má”, projetando-a no outro. Isso porque, diante do calor dos acontecimentos, ninguém reflete sobre a autodeterminação do infeliz, mas alude, imediatamente, a qualquer má influência de plantão. É assim que as chamadas “más influências” agem sem deixar vestígios ou digitais.   

No entanto, o que pode parecer bobagem, sem maior importância, esconde algo tão grave que o próprio Direito Penal brasileiro se dedica a comentar a respeito. Trata-se da “autoria intelectual”, ou seja, alguém que possa tanto restringir-se à organização e direção da empreitada criminosa quanto participar diretamente da prática delituosa planejada. Geralmente, tal mentoria é exercida por quem dispõe de experiência e traquejo no contexto daquela determinada situação. Que sabe calcular as estratégias, os riscos, os ganhos, ... enfim.

E por mais que estejamos em pleno século XXI, esse movimento de manipulação social parece cada vez mais vivo e altivo. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos terem colocado a sociedade em uma posição de informação e conhecimento mais amplo, esse processo também traz consigo um viés manipulador.

Primeiro, porque as ideias chegam, na maioria das vezes, recortadas a fim de atenderem a um determinado objetivo. Segundo, porque a dimensão quantitativa e qualitativa dos fatos e informações impossibilita as pessoas de exercerem uma absorção crítico-reflexiva em relação ao mundo. E, por fim, as relações sociais contemporâneas são tão bombardeadas pelos jogos de poder e interesse, que muitos se tornam presas fáceis de serem envolvidos pelas artimanhas das más influências.

Acaba ocorrendo, segundo diz o provérbio, “junta-se a fome com a vontade de comer”. De modo que não se pode atribuir desigualdade nesse processo. Influenciados e más influências encontram-se em pé de igualdade, porque nenhum deles é melhor ou pior do que o outro. No fim das contas, o que os aproxima e celebra a sua relação é a existência de interesses comuns, quase sempre, não muito éticos e morais.

Tudo isso nos dá uma pequena noção de o porquê da corrupção ser tão difícil de combater. Porque não se tem como saber, de antemão, se este ou aquele tem o tal germe, citado acima. Já, em relação as más influências, essas exibem sua marca até com certa determinação, porque se julgam tão espertas, sagazes e descoladas, que não fazem questão de medir as palavras ou as atitudes. Embora, em raríssimas conjunturas, tentem fazer o tipo “lobo em pele de cordeiro”; mais como charme, do que por instinto de sobrevivência.  

Assim, vez por outra, emergem os constrangimentos e os escândalos. Algumas cabeças rolam, metaforicamente. Outras se equilibram para não terem o mesmo fim. Como se o “Baile da Ilha Fiscal” pudesse perpetuar pelo tempo e pela história, com todo o seu simbolismo esbanjador a tripudiar sobre as mazelas do povo, a ideia da imunidade que lustra a impunidade no seio social privilegiado.

Com escreveu William Shakespeare, em Rei Lear, “Eis a sublime estupidez do mundo; quando nossa fortuna está abalada – muitas vezes pelos excessos de nossos próprios atos – culpamos o sol, a lua e as estrelas pelos nossos desastres; como se fossemos canalhas por necessidade, idiotas por influência celeste, escroques, ladrões e traidores por comando do zodíaco; bêbados, mentirosos e adúlteros por forçada obediência as determinações dos planetas; como se toda a perversidade que há em nós fosse pura instigação divina. É admirável desculpa do homem devasso – responsabiliza uma estrela por sua devassidão. [...] Bah! Eu seria o que sou, mesmo que a estrela mais virginal do mundo tivesse iluminado a minha bastardia”.

Assim, se muitos entregam-se à transgressão e a desobediência é porque, na verdade, veem nisso uma dádiva para sobreviver as distorções do mundo. Sentem-se apequenados e vulneráveis, a tal ponto, que se permitem ceder ao flerte das más influências, em um bom pretexto de alegação de que “os fins justificam os meios”. Em contrapartida, as más influências não se fazem de rogadas e regalam a sua imensa satisfação em ter, também, quem lhes encubra as ranhuras profundas de sua má índole, por meio de uma paga módica.     


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