domingo, 23 de maio de 2021

Qual é a surpresa, hein?!


Qual é a surpresa, hein?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sejamos sinceros, mas não há surpresa nas atitudes do alto escalão do Governo Federal, em relação à Pandemia. Todos seguem a cartilha determinada pelo Presidente e ponto final. Simples assim. E se isso causa incômodo, desconforto, indignação é problema de cada um, porque eles não têm a mínima intenção de mudar. Dentro de suas mentes tudo parece estar completamente em ordem, pelo menos, na ótica da ordem que eles reconhecem. Então...

Semana a semana, eles exercitam suas táticas de “cabo-de-guerra” com a opinião pública, buscando vencer pela elevação do nível de irritação e descontentamento. Afinal, cada morte computada nas estatísticas esgarça um pouco mais o bom ânimo popular. Sem contar, toda a paralisia que consome a tomada de decisões que poderiam mitigar satisfatoriamente as mazelas, arrastadas como correntes há tanto tempo. Parafraseando o Velho Chacrinha 1, eles não vieram para resolver, vieram para complicar.

Sendo assim, enquanto houver plateia para aplaudi-los, o espetáculo fica em cartaz. Aliás, particularmente, o absurdo não está necessariamente neles; mas, na descoberta de que existem pessoas, além dos muros palacianos, que comungam exatamente das mesmas ideias. Ou seja, gente comum, sem maior notoriedade, que padece o cotidiano como qualquer um; mas, prefere se abster de ver a vida como ela é. Gente que se permite ser capacho, “bobo da corte”, à espera de alguma migalha, de raspas e de restos.

Esses, agora, estão visíveis. Saíram de suas sombras para alguns minutos de fama. Algo que considero bastante produtivo, porque nos dá a oportunidade de desconstruir algumas ideias equivocadas sobre essa gente brasileira. A começar de uma percepção homogeneizada e feliz que nunca existiu; mas, que por falta de um bom aprofundamento sobre a história brasileira, quase se firmava como verdade.

 O Brasil das dimensões continentais é, antes de tudo, o país das desigualdades. Uma imensa mão com dedos disformes e irregulares que coexiste por pura falta de opção, se esbarrando e disputando espaço o tempo todo. Pequenos nichos que vivem a iminência dos atritos, que lhes favorecem manter a cabeça fora d’água por alguns instantes. Uma relação intensa de amor e ódio que lhes sustenta a possibilidade de sobrevivência.

Ora, tudo nessa terra aconteceu de maneira atabalhoada. No entanto, ninguém nunca se preocupou em “colocar os pingos nos is”. Deixaram rolar solta a história, de modo que as arestas foram tecendo paralelismos indigestos que comprometeram, significativamente, a expressão da consciência cidadã, da identidade nacional, do pluralismo existencial. Paira sobre cada um, uma nuvem tóxica de aparente civilidade que, a menor fagulha de instabilidade, põe tudo a perder.

O mais intrigante é que ao contrário de ser a maioria a ter vez e voz nesse processo, é a extrema minoria quem faz e dita as regras, tendo em vista que o Colonialismo saiu do Brasil; mas, o Brasil jamais saiu do Colonialismo. Aliás, foi esse apego que permitiu fazer crescer sobremaneira a maioria, enquanto expressão numérica, para atender as demandas minoritárias; mas, exercendo sobre ela tamanho controle social que não lhes permitiu florescer a dignidade de seus direitos fundamentais.

Então, o que se vê, na atual conjuntura, é a exacerbação desse movimento, o qual a minoria não se importa nem um pouco com a grande massa da população, ou seja, a classe média tradicional e a classe baixa, que juntas representam 94% do total de cidadãos. Para eles, “tanto fez como tanto faz”, porque sente-se seguros economicamente. Afinal, como escreveu Machado de Assis, “O capital existe, se forma e sobrevive à custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que gera”.

Portanto, não importa para o governo se há meia dúzia de pessoas ou cem mil a lhe aplaudir, bajular ou manifestar explicitamente sua alienação coletiva, todo fim de semana. No frigir dos ovos, ele sabe que jamais lhe faltará o sangue, o suor e as lágrimas de 94% da população, movendo as engrenagens da sua política ultraliberal de extrema direita. Concordando ou discordando do governo, essas pessoas estão historicamente mergulhadas nessa conjuntura.  

Assim, o que tem sido visto, ao longo desses pouco mais de 2 anos, é como escreveu George Orwell, no livro A Revolução dos Bichos, ou seja, “De modo geral, porém, os bichos gostavam daquelas celebrações. Achavam confortador serem relembrados de que, afinal, não tinham patrões e todo o trabalho que enfrentavam era em seu próprio benefício. E assim, às custas das cantorias, dos desfiles, do estrondo da espingarda e do drapejar da bandeira, conseguiram esquecer de que estavam de barriga vazia, pelo menos a maior parte do tempo”.



1 “Eu não vim para explicar. Vim para confundir”.


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