Qual
é a surpresa, hein?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Sejamos sinceros, mas não há surpresa
nas atitudes do alto escalão do Governo Federal, em relação à Pandemia. Todos seguem
a cartilha determinada pelo Presidente e ponto final. Simples assim. E se isso causa
incômodo, desconforto, indignação é problema de cada um, porque eles não têm a mínima
intenção de mudar. Dentro de suas mentes tudo parece estar completamente em
ordem, pelo menos, na ótica da ordem que eles reconhecem. Então...
Semana a semana, eles exercitam
suas táticas de “cabo-de-guerra” com
a opinião pública, buscando vencer pela elevação do nível de irritação e descontentamento.
Afinal, cada morte computada nas estatísticas esgarça um pouco mais o bom ânimo
popular. Sem contar, toda a paralisia que consome a tomada de decisões que
poderiam mitigar satisfatoriamente as mazelas, arrastadas como correntes há
tanto tempo. Parafraseando o Velho Chacrinha 1,
eles não vieram para resolver, vieram para complicar.
Sendo assim, enquanto houver plateia
para aplaudi-los, o espetáculo fica em cartaz. Aliás, particularmente, o
absurdo não está necessariamente neles; mas, na descoberta de que existem
pessoas, além dos muros palacianos, que comungam exatamente das mesmas ideias. Ou
seja, gente comum, sem maior notoriedade, que padece o cotidiano como qualquer
um; mas, prefere se abster de ver a vida como ela é. Gente que se permite ser
capacho, “bobo da corte”, à espera de
alguma migalha, de raspas e de restos.
Esses, agora, estão visíveis. Saíram
de suas sombras para alguns minutos de fama. Algo que considero bastante
produtivo, porque nos dá a oportunidade de desconstruir algumas ideias equivocadas
sobre essa gente brasileira. A começar de uma percepção homogeneizada e feliz
que nunca existiu; mas, que por falta de um bom aprofundamento sobre a história
brasileira, quase se firmava como verdade.
O Brasil das dimensões continentais é, antes
de tudo, o país das desigualdades. Uma imensa mão com dedos disformes e
irregulares que coexiste por pura falta de opção, se esbarrando e disputando
espaço o tempo todo. Pequenos nichos que vivem a iminência dos atritos, que
lhes favorecem manter a cabeça fora d’água por alguns instantes. Uma relação
intensa de amor e ódio que lhes sustenta a possibilidade de sobrevivência.
Ora, tudo nessa terra aconteceu
de maneira atabalhoada. No entanto, ninguém nunca se preocupou em “colocar os pingos nos is”. Deixaram rolar
solta a história, de modo que as arestas foram tecendo paralelismos indigestos
que comprometeram, significativamente, a expressão da consciência cidadã, da
identidade nacional, do pluralismo existencial. Paira sobre cada um, uma nuvem
tóxica de aparente civilidade que, a menor fagulha de instabilidade, põe tudo a
perder.
O mais intrigante é que ao
contrário de ser a maioria a ter vez e voz nesse processo, é a extrema minoria
quem faz e dita as regras, tendo em vista que o Colonialismo saiu do Brasil;
mas, o Brasil jamais saiu do Colonialismo. Aliás, foi esse apego que permitiu fazer
crescer sobremaneira a maioria, enquanto expressão numérica, para atender as
demandas minoritárias; mas, exercendo sobre ela tamanho controle social que não
lhes permitiu florescer a dignidade de seus direitos fundamentais.
Então, o que se vê, na atual
conjuntura, é a exacerbação desse movimento, o qual a minoria não se importa
nem um pouco com a grande massa da população, ou seja, a classe média
tradicional e a classe baixa, que juntas representam 94% do total de cidadãos. Para
eles, “tanto fez como tanto faz”,
porque sente-se seguros economicamente. Afinal, como escreveu Machado de Assis,
“O capital existe, se forma e sobrevive à
custa da sociedade que trabalha e nem sempre é recompensada pelos lucros que
gera”.
Portanto, não importa para o
governo se há meia dúzia de pessoas ou cem mil a lhe aplaudir, bajular ou
manifestar explicitamente sua alienação coletiva, todo fim de semana. No frigir
dos ovos, ele sabe que jamais lhe faltará o sangue, o suor e as lágrimas de 94%
da população, movendo as engrenagens da sua política ultraliberal de extrema
direita. Concordando ou discordando do governo, essas pessoas estão
historicamente mergulhadas nessa conjuntura.
Assim, o que tem sido visto, ao
longo desses pouco mais de 2 anos, é como escreveu George Orwell, no livro A Revolução dos Bichos, ou seja, “De modo geral, porém, os bichos gostavam
daquelas celebrações. Achavam confortador serem relembrados de que, afinal, não
tinham patrões e todo o trabalho que enfrentavam era em seu próprio benefício. E
assim, às custas das cantorias, dos desfiles, do estrondo da espingarda e do
drapejar da bandeira, conseguiram esquecer de que estavam de barriga vazia,
pelo menos a maior parte do tempo”.