Xenofobia:
a indiferença e o medo
Por
Alessandra Leles Rocha
Não é de
hoje, que a história da humanidade relata a migração forçada de centenas de
milhares de pessoas. Ao contrário do que muitos possam pensar, a vida sobre a
Terra é quase sempre hostil e cruel.
Além de
questões climáticas e ambientais, as quais, de certo modo, são também frutos
das ações antrópicas, todo um conjunto de guerras, conflitos armados,
instabilidade política, miséria e desalento impulsiona o êxodo populacional em
diversas partes do planeta.
De modo que,
cada vez mais, se vê urgente a constituição de políticas humanitárias capazes
de lidar com as demandas desse novo rearranjo populacional.
E como a
vida é dinâmica, tudo acontece simultaneamente, os problemas só fazem se
avolumar sem uma solução minimamente satisfatória. Afinal, esse deslocamento
populacional não se restringe a uma realocação espacial ou geográfica.
Por trás de
cada refugiado existe uma base identitária sociocultural que precisa ser
respeitada e resignificada dentro de uma nova conjuntura. O que significa um
ajuste comportamental e processual entre quem recebe e quem é recebido.
A condição
de refugiado se assemelha, portanto, a um renascimento social em condições,
geralmente, muito adversas. Quando sobrevivem as travessias em mar aberto, eles
chegam, quase sempre, munidos com a roupa do corpo e nada mais.
A maioria
encontra-se separada de suas famílias e amigos, durante esse movimento, ficando
sem nenhuma notícia uns dos outros por semanas, meses e, até, anos.
Tanto do ponto
de vista físico quanto psicológico, eles chegam, portanto, muito fragilizados e
dependentes de cuidados especiais; o que demanda uma expressiva disponibilidade
humanitária dos países que se propõem a recebê-los.
Acontece
que, vistas de perto, cada nação, por mais bem-sucedida que possa aparentar,
tem inúmeras demandas a serem resolvidas internamente. As desigualdades sociais
não se restringem aos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento; elas
estão distribuídas de maneira particular por todo o mundo sem exceção.
O que faz
com que em alguns lugares o nível de resistência em acolher refugiados seja
manifesto por exacerbada intolerância e violência, fomentadas pelas crescentes
correntes de extrema-direita ultranacionalistas.
Tomando por
base as suas respectivas realidades e eventuais perdas sociais, decorrentes dos
próprios movimentos socioeconômicos globalizantes, muitos desses cidadãos
enxergam nos refugiados um acirramento da competição por bens, serviços e
trabalhos.
Por um lado,
é certo que alguns dos recém-chegados possuem formação profissional e nível de
escolaridade suficiente para os colocar em condição de igualdade para concorrer
no mercado. Mas, por outro, muitos necessitarão de assistência básica do
governo para sobreviverem até que seja possível se reorganizarem socialmente.
Fato é que, agora, com a Pandemia, essa questão se agravou ainda
mais.
A severidade
com a qual o Sars-Cov-2 impactou a dinâmica do mundo repercutiu em prejuízos
tão significativos, que as nações têm sido obrigadas a redesenhar as suas
expectativas e perspectivas futuras, segundo o avanço da doença.
A
necessidade de uma nova projeção de redistribuição de recursos econômicos para
atender as populações em diferentes situações afunila o gargalo humanitário;
sobretudo, em relação aos refugiados. Há, em muitos lugares, uma
impossibilidade real de dar-lhes asilo, dada a uma insuficiência logística de
atendimento.
Basta
observar, por exemplo, a lentidão da imunização contra a COVID-19 pelo mundo. A
escassez de vacinas, em diversos países, favorece a permanência e circulação do
vírus; bem como, sua capacidade de mutação e geração de cepas cada vez mais
infectocontagiosas.
De modo que,
tão cedo, não há prognóstico de controle real da Pandemia. Afinal, são quase 8
bilhões de seres humanos a serem imunizados e, ainda não se sabe pela Ciência,
se essa imunização será anual como acontece com o vírus Influenza (Gripe), o
qual demanda investimento e estratégia para a sua realização.
Até lá, é
imperioso traçar estratégias que venham proteger as populações e evitar novas
ondas de recrudescimento da doença, a fim de mitigar eventuais sobrecargas de
demandas nos serviços de saúde.
Situação que
esbarra diretamente na presença de contingentes refugiados, que passam a compor
repentinamente a população de um determinado local, o que faz ultrapassar a
capacidade natural estimada para os atendimentos.
É por essas
e por outras, que não cabe qualquer tipo de indiferença ao ser humano. Ainda
que, à revelia de milhares, as relações humanas são muito mais próximas do que
se pode imaginar. Quando nos permitimos fechar os olhos ao que acontece de ruim
com os outros, quase sempre estamos oportunizando que os desdobramentos de suas
mazelas atinjam diretamente o nosso próprio espaço. No fundo, somos uma teia corresponsável
pelo o que acontece de melhor ou de pior no mundo.
Por trás dos
diferentes cenários que desencadeiam as legiões de refugiados há um ponto
comum, a distribuição global da renda. O modo como a sociedade lida com os
recursos econômicos tem contribuído para os desastres climáticos e ambientais
que expulsam milhões de pessoas de seus territórios pela escassez de água e
alimentos.
Mas, também,
custeia as guerras, os conflitos armados, a instabilidade política, a miséria e
o desalento, porque divide a sociedade em nichos que perdem a capacidade de
coexistência pela carência dialógica. O dinheiro passa a determinar quem manda
e quem obedece, a partir de discursos fundamentados na vigilância e na punição.
Como
manifestou Zygmunt Bauman, “os refugiados simbolizam, personificam
nossos medos. Ontem, eram pessoas poderosas em seus países. Felizes. Como nós
somos aqui, hoje. Mas, veja o que aconteceu hoje. Eles perderam suas casas,
perderam seus trabalhos. O choque está apenas começando”.
Portanto,
caro (a) leitor (a), a verdade é que a indiferença é tanto xenofóbica quanto
aporofóbica. Assim como, em relação à ganância e o poder. Porque as pessoas não
querem rever seus conceitos, suas posições, seus erros, seus equívocos, ...
Enfim, não
querem sair de suas zonas de conforto, de regalias, de privilégios, muitas
vezes, conquistados e construídos à custa de esforços e sacrifícios extremos de
outros seres humanos. Não querem dividir, compartilhar, cooperar. Querem apenas
invisibilizar, desprezar, maltratar os outros, porque, assim, lhes parece mais
fácil negar a si mesmos a iminente possiblidade de virem a estar na mesma
posição que eles.