segunda-feira, 31 de maio de 2021

Enquanto a bola rodopia, o mundo gira...


Enquanto a bola rodopia, o mundo gira...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Enquanto muitos eram tomados pela indignação sobre o silêncio de alguns veículos nacionais de comunicação e informação, a respeito das manifestações ocorridas no sábado, 29 de maio de 2021, deixaram passar despercebida a quietude do Presidente da República, cujo comportamento aos domingos é sempre esfuziante e dado a aglomerações. Assim, somando-se os dois momentos do fim de semana, havia algo de estranho no reino tupiniquim.

E a resposta as possíveis conjecturas veio rápido. Na manhã, dessa segunda feira, 31 de maio, a Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol) noticiou via redes sociais que a Copa América 2021 será sediada no país, após recusas anteriores da Colômbia e da Argentina por razões sociais profundamente relevantes. Destacaram, inclusive, agradecimentos ao Presidente brasileiro, seu gabinete e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pela disponibilidade em sediar o evento.

Precisa dizer mais alguma coisa? Foi claríssima a réplica do governo brasileiro às manifestações de sábado. O protesto enlutado e doloroso de todos que saíram às ruas permanece distante de qualquer atitude respeitosa e solidária. Eles não querem ouvir. Eles não querem mudar o curso da história. Eles não querem reconhecer os seus erros. E ponto final.

O Presidente nem precisou se expor diretamente, bastou utilizar de um artifício propagandista para invisibilizar a realidade, criar uma gigantesca nuvem de fumaça em torno das reivindicações populares; mesmo, sabendo que isso significa tripudiar sobre centenas de milhares de vidas humanas.

Como já havia comentado em outro texto, “trata-se da ‘autoria intelectual’, ou seja, alguém que possa tanto restringir-se à organização e direção de empreitada criminosa quanto participar diretamente da prática delituosa planejada” 1. Afinal, é pública e notória a consciência nacional sobre o recrudescimento da Pandemia no país, para se cogitar a possibilidade de algo nesse sentido.

As mortes permanecem em torno de 2000 mil/dia e o contágio em torno de 60000/dia, enquanto a vacinação completa contra a COVID-19 está em torno de 10% da população vacinável. O que demonstra a inexistência de um movimento, por parte do governo federal, efetivamente disposto a debelar a Pandemia e seus terríveis reflexos socioeconômicos, a fim de recolocar o país nos trilhos da retomada do desenvolvimento.  

Uma verdade tão preocupante que, embora sem relação direta, foi sustentada por uma carta assinada por 230 pessoas, incluindo profissionais e estudiosos judeus, trazida na coluna da jornalista Mônica Bergamo, na Folha, hoje. Segundo a matéria, há uma “evidente inclinação nazista e fascista”, por parte do atual Presidente da República 2; de modo que, “O projeto de poder avança. Genocídio, destruição das estruturas democráticas do Estado e práticas eugênicas estão escancaradas”.

Pois é, ninguém melhor do que os descendentes diretos do maior atentado contra os direitos humanos, na história mundial, para trazerem luz ao que acontece no Brasil, nesses longos meses pandêmicos.

Volto a repetir, “O Brasil está se desintegrando na forma e no conteúdo como o conhecíamos até aqui. E não se trata de uma desconstrução em nome de uma reconstrução melhor, mais vanguardista, mais ajustada as visões do Terceiro Milênio; mas, de uma implosão que só deixa escombros e uma paralisia apegada as reminiscências de um passado que não existe há tempos” 3.

A questão é que, tendo em vista o fato de que as marcas deixadas pela Segunda Guerra Mundial foram profundas demais, o mundo consegue perceber rapidamente os sinais, como os que estão emergindo aqui no país.

Isso significa que a inação interna não tende a encontrar respaldo internacionalmente. Ao contrário, as chances de o país ser isolado e sofrer consequências e sanções, especialmente econômicas, é imensa. O que colocaria abaixo as eventuais expectativas positivas da economia nacional; visto que, ruídos políticos dessa magnitude comprometem o estabelecimento dialógico profícuo as relações comerciais e diplomáticas.

Assim, diante do panorama, as palavras de Bertolt Brecht adquirem, ainda mais, significância reflexiva; na medida em que, “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”. Por isso, a verdade é que não está na polarização ideológica o que nos fragmenta dia a dia; mas, no analfabetismo social que nos predispomos a colocar em prática.