As
más influências
Por
Alessandra Leles Rocha
Quando o germe da transgressão e da desobediência são ativos no ser
humano, qualquer empurrãozinho extra é suficiente para desencadear o seu
potencial. Más influências existem em todo canto e geralmente atuam no sentido
de reafirmarem a sua própria “fama de má”, projetando-a no outro. Isso
porque, diante do calor dos acontecimentos, ninguém reflete sobre a
autodeterminação do infeliz, mas alude, imediatamente, a qualquer má influência
de plantão. É assim que as chamadas “más influências” agem sem deixar vestígios
ou digitais.
No entanto, o que pode parecer
bobagem, sem maior importância, esconde algo tão grave que o próprio Direito
Penal brasileiro se dedica a comentar a respeito. Trata-se da “autoria intelectual”, ou seja, alguém
que possa tanto restringir-se à organização e direção da empreitada criminosa
quanto participar diretamente da prática delituosa planejada. Geralmente, tal
mentoria é exercida por quem dispõe de experiência e traquejo no contexto
daquela determinada situação. Que sabe calcular as estratégias, os riscos, os
ganhos, ... enfim.
E por mais que estejamos em pleno
século XXI, esse movimento de manipulação social parece cada vez mais vivo e
altivo. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos terem colocado a
sociedade em uma posição de informação e conhecimento mais amplo, esse processo
também traz consigo um viés manipulador.
Primeiro, porque as ideias
chegam, na maioria das vezes, recortadas a fim de atenderem a um determinado
objetivo. Segundo, porque a dimensão quantitativa e qualitativa dos fatos e
informações impossibilita as pessoas de exercerem uma absorção crítico-reflexiva
em relação ao mundo. E, por fim, as relações sociais contemporâneas são tão
bombardeadas pelos jogos de poder e interesse, que muitos se tornam presas fáceis
de serem envolvidos pelas artimanhas das más influências.
Acaba ocorrendo, segundo diz o
provérbio, “junta-se a fome com a vontade
de comer”. De modo que não se pode atribuir desigualdade nesse processo. Influenciados
e más influências encontram-se em pé de igualdade, porque nenhum deles é melhor
ou pior do que o outro. No fim das contas, o que os aproxima e celebra a sua
relação é a existência de interesses comuns, quase sempre, não muito éticos e
morais.
Tudo isso nos dá uma pequena
noção de o porquê da corrupção ser tão difícil de combater. Porque não se tem
como saber, de antemão, se este ou aquele tem o tal germe, citado acima. Já, em
relação as más influências, essas exibem sua marca até com certa determinação,
porque se julgam tão espertas, sagazes e descoladas, que não fazem questão de
medir as palavras ou as atitudes. Embora, em raríssimas conjunturas, tentem
fazer o tipo “lobo em pele de cordeiro”;
mais como charme, do que por instinto de sobrevivência.
Assim, vez por outra, emergem os
constrangimentos e os escândalos. Algumas cabeças rolam, metaforicamente. Outras
se equilibram para não terem o mesmo fim. Como se o “Baile da Ilha Fiscal” pudesse perpetuar pelo tempo e pela
história, com todo o seu simbolismo esbanjador a tripudiar sobre as mazelas do povo,
a ideia da imunidade que lustra a impunidade no seio social privilegiado.
Com escreveu William Shakespeare, em Rei Lear, “Eis a sublime estupidez do mundo; quando nossa fortuna está abalada –
muitas vezes pelos excessos de nossos próprios atos – culpamos o sol, a lua e
as estrelas pelos nossos desastres; como se fossemos canalhas por necessidade,
idiotas por influência celeste, escroques, ladrões e traidores por comando do zodíaco;
bêbados, mentirosos e adúlteros por forçada obediência as determinações dos
planetas; como se toda a perversidade que há em nós fosse pura instigação divina.
É admirável desculpa do homem devasso – responsabiliza uma estrela por sua
devassidão. [...] Bah! Eu seria o que sou, mesmo que a estrela mais virginal do
mundo tivesse iluminado a minha bastardia”.
Assim, se muitos entregam-se à transgressão e a desobediência é porque, na verdade, veem nisso uma dádiva para sobreviver as distorções do mundo. Sentem-se apequenados e vulneráveis, a tal ponto, que se permitem ceder ao flerte das más influências, em um bom pretexto de alegação de que “os fins justificam os meios”. Em contrapartida, as más influências não se fazem de rogadas e regalam a sua imensa satisfação em ter, também, quem lhes encubra as ranhuras profundas de sua má índole, por meio de uma paga módica.