sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Eis a questão...


Eis a questão...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A velha máxima de que “quando um não quer dois não brigam” se esvaiu como fumaça no último debate presidencial ocorrido ontem. Porque, antes de tudo, se perdeu o entendimento a respeito do que significa um debate.

De modo que alguns dos participantes, pretensos candidatos ao mais importante cargo do Executivo nacional, foram prontos para a beligerância e não, para a civilidade dialógica propositiva.

Então, a não ser que todos ficassem totalmente em silêncio, a manifestação acalorada iria acontecer de qualquer maneira.  

Deplorável, deprimente, desnecessário, e por aí segue uma lista longa de palavras para resumir o que aconteceu.

No entanto, no meio desse caos constituído metodicamente, eis que algo me chamou a atenção, dada a contradição que foi exposta.

Bem, o segundo candidato mais bem apontado nas pesquisas, e que busca a reeleição, não perde quaisquer oportunidades de marcar as situações com seu comportamento bruto e deselegante a fim de reafirmar poder.

Assim, de palavras destemperadas e grosseiras aos insultos e desqualificações abjetas, por ele já manifestadas, pressupõe-se de que o mesmo seja autossuficiente, o bastante, para não precisar de aliados voluntários nesses movimentos.

Mas, não foi bem assim! Dos sete participantes haviam três que cumpriram muito bem esse papel, foram verdadeiros coadjuvantes de primeira linha para agir nas investidas contra o candidato que lidera as pesquisas até o momento.

Serviram sim, de escudo, de anteparo, de biombo ou coisa que o valha! O que significa que o serviço prestado custou a desconstrução da imagem de superioridade e valentia do candidato à reeleição.

As aparências foram insuficientes para cumprir a função de atingir dialogicamente o seu principal oponente. Sozinho ele não conseguiu!

Mas, como esse mundo anda cheio de gente disposta aos seus 15 minutos de fama, não foi difícil encontrar quem se dispusesse a essa tarefa constrangedora!

E assim, entre bizarrices e discursos alinhados ao ideário da direita e seus matizes, que tanto fazem a alma do tal candidato pulsar de alegria, o ataque contra o oponente mais bem colocado aconteceu.

Pior do que ter sido irritante, o que ocorreu foi deplorável do ponto de vista do prejuízo a um momento tão importante para a exposição de ideias, de propostas, de empatia aos desafios que enfrentam milhões de cidadãos brasileiros.

O ataque não foi a melhor defesa! Ficaram claras todas as ausências, as carências, as insuficiências, que precisariam não existir para alguém que tenha pretensões tão altas, como ser Presidente de um país.

Nem ele e nem seus aliados de última hora estavam à altura de debater qualquer coisa, pois estavam munidos apenas de vaidade, de soberba, de arrogância, de atrevimento. Colocaram a realidade brasileira de lado e se desviaram por uma trilha de surrealismos incríveis.

Como era de se esperar, mais uma vez, esse tipo de atitude expôs um Brasil pequeno, medíocre, frágil de argumentos, aos olhos do mundo que não estava somente além das suas fronteiras; mas, representado na figura dos diversos observadores internacionais que vieram acompanhar o curso do pleito eleitoral.

Eles viram e ouviram! Eles puderam tirar suas próprias conclusões! Eles puderam traçar suas próprias considerações in loco! Pois é, de bobagem em bobagem, é assim que o Brasil vai se chafurdando na lama! 

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

O custo da verborragia para a violência nacional


O custo da verborragia para a violência nacional

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não é mera força de expressão dizer que as palavras têm poder. Elas têm sim! Poder de convencer, de manipular, de distorcer, de inflamar, de enganar, de induzir. Tanto que na doutrina jurídica existe a figura do autor intelectual do crime, ou seja, aquele que planeja ou coordena a prática criminosa, tendo como base, em geral, uma ascendência imperativa e significativa sobre os demais.

E por que levantar essa reflexão? Em razão da observância em torno do recrudescimento das violências no país, sob diferentes formas e conteúdos. Não se trata de algo que se possa negar, ou invisibilizar, e muito menos, contemporizar. A violência atua sempre a partir da flexibilização que as conjunturas das relações sociais lhes permitem, ou seja, da existência de uma legitimação discursiva para tal.

De modo que os últimos quatro anos foram emblemáticos nesse sentido, oportunizando uma exacerbação da violência; sobretudo, armada, no país. A violência se institucionalizou como substitutivo prático e direto à dialogia, como se a sociedade tivesse sido tomada por um sentimento constante de “nervos à flora da pele”.

O que significa uma abstenção voluntária da compreensão sobre a total inutilidade da violência, no que diz respeito a solução e/ou mitigação dos problemas sociais. Sim, porque as divergências, os conflitos, os obstáculos, não estão materializados nas pessoas; mas, na subjetividade da dinâmica da vida no âmbito das relações. Então, ao agredir o outro, seja de que maneira for, o tal ponto nevrálgico não só não desaparece, como em um passe de mágica; mas, se desdobra e repercute sobre um raio social muito maior, que inclui o próprio agressor.

Acontece que a violência ultrapassa, e muito, os limites do atentado aos valores humanos, à paz, à ordem. Há aspectos práticos muito importantes, que dizem respeito ao equilíbrio da vida cotidiana da população como um todo. Haja vista, por exemplo, que para contratar um seguro de automóvel é considerado os riscos de furto e roubo para estimar o valor a ser pago à Seguradora. Quanto maior é a vulnerabilidade, mais caro se torna o seguro.

Então, partindo dessa ideia no campo micro do cotidiano, imagine pensar o que representa um país mergulhado em violências, para o cenário das relações diplomáticas e de comércio exterior, em que o peso das tensões é fator determinante para se fazer ou não alianças, investimentos, parcerias, negociações comerciais. O grau de incertezas compromete sim, a credibilidade, a segurança, o cumprimento dos compromissos assumidos, enfim.

Traduzindo em miúdos, é o que determina a aceleração ou não da economia, a oferta de empregos formais, a capacidade de consumo da população, a necessidade de ampliação da formação educacional e profissional, o desenvolvimento científico e tecnológico, ou seja, todas as transformações inovadoras necessárias à dinâmica socioeconômica.

Portanto, a balbúrdia que vem se desenhando no horizonte para ser deflagrada, agora, durante a reta final do período eleitoral, é o maior de todos os desserviços já prestados ao país pela direita e seus matizes. Crédulos de que seus despautérios só afetarão aqueles pelos quais não têm o menor apreço, eles estão caminhando rumo ao pior dos equívocos. A institucionalização da violência e da barbárie no país irá prejudicar a todos sem distinção, começando por eles mesmos, pelos próprios donos dos meios de produção, comerciantes, banqueiros e investidores, a elite nacional.

Aliás, ontem mesmo já se firmou o primeiro aviso concreto ao Brasil, “Senado dos EUA aprova recomendação de romper com o Brasil em caso de golpe” 1. E se eles assim o fazem, por que as outras grandes potências mundiais não farão, hein?  A reafirmação da condição de pária internacional está por um triz! O que significa que os castelos de areia da direita brasileira estão ruindo, que as expectativas de manterem intocadas as suas regalias, os seus privilégios e as suas ideologias retrógradas estão a mercê dos alucinados que eles próprios vieram influenciando e estimulando. E aí, vão continuar a insuflar o caos? A promover a bagunça? A criar a desordem e o retrocesso?

Preste bastante atenção a essas recentes manchetes: “Assassinato em bar no Ceará reacende temor de violência política a poucos dias da eleição” 2; “Deficiente visual apoiador de Lula denuncia agressão de bolsonaristas” 3; “Apoiador de Bolsonaro agride mulher com paulada na cabeça” 4; “Mulher com bolsa de Lula é espancada no DF, vítima vê violência política” 5; “Pesquisador do Datafolha é agredido por bolsonarista no interior de São Paulo” 6.

Napoleão Bonaparte dizia que “Do sublime ao ridículo, é só um passo”. Eis, então, que essas notícias dão a dimensão exata do quanto a estupidez foi refletida pela mais absoluta ignorância tupiniquim. Persona non grata. É assim que os brasileiros poderão ser denominados em breve, se continuarem se comportando como bárbaros, como gente incivilizada. E a única graça que irão conquistar é a desgraça da ruína, na medida em que o país tende a ser lançado às profundezas do seu empobrecimento geral. Adeus, grandes fortunas! Adeus, poderes! Adeus, status! Adeus, confortos e supérfluos! Adeus! Sim, porque “a violência é o último refúgio do incompetente” (Isaac Asimov).   

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Até o apagar das luzes...


Até o apagar das luzes...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Observando, além da perspectiva eleitoral, os caminhos que segue o Brasil nessa reta final de gestão, o descompromisso com os problemas que afetam diretamente as camadas mais vulneráveis se mostra evidente. Sem quaisquer reticências ou constrangimentos, a verdade é que a governança atual não foi pensada, em momento algum, para o coletivo nacional. Não, ela foi pensada para uma elite e, por isso, nunca importaram os cortes e contingenciamentos no orçamento, a ausência de políticas públicas e/ou o sucateamento dos serviços essenciais, por exemplo.

Mas, o que me parece mais grave, nesse momento, é o fato de que até o apagar das luzes, em 31 de dezembro, muito mais abandonos, negligências e irresponsabilidades sociais devem ser contabilizados no país. Sobretudo, se a reeleição não se confirmar. Aí é que o descaso deverá imperar, como nunca, e o mau uso do dinheiro público deixará suas marcas nefastas como herança maldita à próxima administração.

Vejam as notícias mais recentes: “Governo faz corte drástico em verba destinada a enfrentamento de desastres naturais” 1, “Governo federal corta R$1 bi para orçamento da Educação Básica para 2023” 2, “Para manter orçamento secreto, governo reduz até verba de combate ao câncer” 3, “Corte no orçamento da Farmácia Popular atinge 13 medicamentos” 4, “Cortes em Ciência e Cultura para manter o Sistema da Dívida” 5, “Com recorde de queimadas, governo gasta só 18% do orçamento contra incêndio” 6, ... O cenário de terra arrasada está aí!

Admito que é difícil estabelecer o que seria pior, ou seja, a ausência de um governo ou o desgoverno que pudemos assistir de perto. Porque, no primeiro caso, os novos tempos seriam para recolocar as engrenagens em funcionamento, retirar as poeiras e as teias de aranha, atualizar os planejamentos, colocar o desenvolvimento e o progresso em franca atividade.

Mas, no segundo caso não. Porque a situação de desgoverno implica na existência de um desmantelamento, de uma desorganização e desconstrução voluntárias das estruturas, sem quaisquer propostas substitutivas capazes de satisfazer a gestão a contento. O caos é instalado! Um caos que tem ordem, tem método; mas, que não leva nada a lugar nenhum. Que não passa de uma espiral insana, na qual os erros se repetem indefinidamente. E infelizmente, esse é o cenário do Brasil atual.

Por isso, mesmo com os acenos de uma nova conjuntura nascendo no horizonte, a partir dos resultados da eleição, até que se chegue, finalmente, ao derradeiro fim, os dias ainda serão nessa toada. Nem adianta pensar que se quaisquer movimentos em favor da reeleição mudariam esse panorama, porque não. O ponto nevrálgico dessa história não são escolhas populares, a força do voto; mas, a ideologia colonial rançosa que banha o inconsciente coletivo das elites brasileiras e que controla os poderes.

Quaisquer que fossem os caminhos tomados, o resultado seria o mesmo. As notícias seriam as mesmas. Afinal de contas, tudo foi feito para orbitar os interesses dessas elites, trazendo-lhes a impressão confortável da inexistência de quaisquer ameaças as suas regalias, privilégios e enriquecimentos. Porque essa é a base de convicção que sempre as sustentou até aqui. Então, nunca houve disposição para mudar, para fazer diferente.

Talvez, agora, o que aconteça seja o recrudescimento dos seus posicionamentos, tendo em vista os riscos iminentes que se configuram diante de seus olhos, pelas projeções das pesquisas eleitorais. As atitudes deixariam de se concretizar pelo automatismo do seu modus operandi tradicional, para se transformarem em instrumentos de retaliação, de desforro. Como se a ruína pudesse de fato representar um obstáculo intransponível para a reconstrução e a reafirmação de novas crenças, valores e convicções, tornando-se uma garantia ao seu retorno triunfante daqui a algum tempo.  

Mas, a vida não é simples! E as conjunturas não se escrevem pela força de quereres e vontades alheios. Não há scripts perfeitos. Não há ausência de imprevistos. Uma dinâmica peculiar conduz os acontecimentos, de modo que as interferências humanas não têm um controle absoluto dos movimentos. O fundamental é termos a consciência de que “[...]No novo tempo, apesar dos perigos / Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta / Pra sobreviver, para sobreviver, para sobreviver”[...] 7


7 Novo Tempo (Ivan Lins / Vitor Martins) - https://www.letras.mus.br/ivan-lins/46444/ 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Esperar para quê?


Esperar para quê?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ouvi certos comentários dos veículos de informação e comunicação, a seis dias do pleito eleitoral, de que seria melhor que a disputa presidencial fosse para um segundo turno a fim de se evitar especulações sobre o resultado.

Bem, minha opinião é a seguinte, para o mau perdedor quaisquer conjunturas serão motivo de contestação, de reclamação, de não aceitação, seja em que momento for.

Vejamos que, antes mesmo da ocorrência do pleito eleitoral, é de conhecimento público que o candidato, em segundo lugar nas pesquisas, já bradava aos quatro cantos que não aceitaria um resultado que não lhe favorecesse.

Aliás, isso já diz muito! Foi justamente com esse tipo de narrativa que as ameaças em torno da Democracia nacional começaram a ser fiadas, despertando nas pessoas um sentimento de necessidade em interromper esse processo. Haja vista as inúmeras cartas em defesa do Estado Democrático de Direito e do sistema eleitoral brasileiro, lidas no dia 11 de agosto, dentro e fora do país.

Isso é muito importante, porque desconstrói a ideia de que os apelos para uma solução eleitoral em primeiro turno são motivados por nome, por indivíduo, por partido.

Não. Absolutamente não. Foi a elevação das tensões, dos desconfortos, impostos por discursos intimidatórios e golpistas que despertou a necessidade de um posicionamento social em defesa do país, das instituições democráticas, dos direitos fundamentais e sociais.

Algo que já seria, então, o suficiente para que todos se unissem em torno de uma decisão em primeiro turno. Mas, como é típico do Brasil a complexidade, há um outro aspecto ainda mais importante a se considerar.

Mais uma vez preocupados somente com a eleição em si, todos se esquecem de que até aqui o país não foi devidamente governado e que milhões de brasileiros e brasileiras carregam sobre os ombros o peso de um cansaço físico e moral que precisa, urgentemente, chegar ao fim.

Ou será que já nos esquecemos dos quase 700 mil mortos, somente pela COVID-19? Ou das 60 milhões de pessoas afetadas pela insegurança alimentar? Ou dos 1,4 milhão de trabalhadores informais? Ou uma Taxa Selic de 13,75%? ...

Aos que tentam condicionar a resolução do pleito em primeiro turno, a um mero capricho do candidato que se apresenta na dianteira das pesquisas, essa é uma visão bastante desprovida de humanidade.

Como se mais uma vez, os interesses da grande massa da população estivessem relegados, preteridos a último plano e, só o que importasse, no momento, é a decisão sobre quem governaria o Brasil nos próximos quatro anos.  

É, Eduardo Galeano tinha mesmo razão quando disse, “O que são as pessoas de carne e osso? Para os mais notórios economistas, números. Para os mais poderosos banqueiros, devedores. Para os mais influentes tecnocratas, incômodos. E para os mais exitosos políticos, votos”.

Pois é, milhões de brasileiros estão ávidos pelo seu exercício cidadão para trazer-lhes um alento, por um fiapo de esperança, que seja capaz de curar o seu extremo cansaço diante de lutas tão inglórias quanto as que vêm travando até aqui. E há quem queira postergar esse direito!

Ora, esse deveria ser, sem sombra de dúvidas, o motivo maior e mais contundente para que se busque a decisão em primeiro turno. Pessoas. Seres humanos. Trabalhadores. Cidadãos. Gente que dá sentido e razão a esse país. Gente que quer e tem o direito de ser feliz. Gente que quer estancar o sofrimento.

Basta olhar para o mundo para entender que esses são tempos tão conturbados, tão difíceis, tão sofridos, que não deveria haver espaços para vaidades, para manifestações de soberba ou de autoafirmação.

Afinal de contas, queremos ou não um mundo melhor, um país melhor? Estamos do lado da democracia ou não? Somos ou não defensores da dignidade humana? Onde está a nossa fé, a nossa conexão com o Sagrado? Por que subverter as prioridades pelo simples prazer de nos deixar tomar pelo narcísico individualismo, hein?

Com base na estatística se tem um cenário muito bem configurado para que se venha contestar o óbvio. Desde o início das discussões em torno das possíveis candidaturas já se desenhava no horizonte o predomínio de dois nomes em particular, dadas as circunstâncias que os conduziram até aqui.

Entretanto, graças aos princípios democráticos, o direito de participar esteve aberto para quem assim desejasse. De modo que outros nomes, então, vieram fazer parte das opções.

Acontece que suas presenças não demonstraram a capacidade suficiente de reverter a decisão já manifesta pelos cidadãos em todas as pesquisas eleitorais realizadas.

A existência de dois blocos permaneceu, ou seja, dois candidatos em um e os demais em outro. O que significa que a participação dos componentes desse segundo bloco demonstra ter um caráter muito mais de visibilidade.

Sua presença, então, faz com que os eleitores, além do seu espaço de atuação política, conheçam um pouco mais do seu trabalho e, dessa forma, em um próximo pleito os elevem ao rol de uma eventual escolha. Mas, é só.

Diante disso, talvez, a melhor maneira de reafirmar, desde já, o seu compromisso com o eleitor seria demonstrar-lhe respeito ao seu cansaço, ao seu sofrimento, a sua tristeza, que se arrastam nesses últimos anos.

Seria o seu engajamento na defesa do Estado Democrático de Direito, o qual tantas agressões vem sofrendo, constituindo-se como mais um elo de agregação e não, de cisão.

E isso não se faz por meio de palavras, de discursos; mas, de ações simples e concretas, começando pela disposição em deixar livres os eleitores para manifestarem suas escolhas. Por tudo isso é que a discussão em torno de um desfecho em primeiro turno é tão relevante.

Como escreveu Hannah Arendt, “Fluindo na direção da morte, a vida do homem arrastaria consigo, inevitavelmente, todas as coisas humanas para a ruína e a destruição, se não fosse a faculdade humana de interrompê-las e iniciar algo novo, faculdade inerente à ação como perene advertência de que os homens, embora devam morrer, não nascem para morrer, mas para começar”.

Não nos esqueçamos de que o Brasil tem pressa. Seus cidadãos têm pressa. A vida não quer morrer, ela urge por recomeçar sempre e melhor! Esperar para quê?  

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Bene! Loro vinsero! Ma non è tutto!


Bene! Loro vinsero! Ma non è tutto!

 

Por Alessandra Leles Rocha  

 

Não se anime a direita brasileira (e seus matizes) com a vitória de seus fraternos italianos 1! Não se pode equiparar realidades tão distintas! A começar por sua forma de governo, que é uma república parlamentar, e nos últimos anos tem mostrado a sua dificuldade de manter seus primeiros-ministros à frente da governança por muito tempo.

Além disso, por lá, o voto não é obrigatório. De modo que a alta taxa de abstenção ocorrida nesse pleito teve um papel importante na escolha do parlamento; posto que, não é o povo quem escolhe o premiê. Os eleitores votam nos partidos e a legenda ou coligação com mais cadeiras no parlamento indica o primeiro-ministro. O que, dessa vez, pode apontar, inclusive, para uma mulher. Algo inédito na história italiana.

Assim, o que talvez possa pegar carona nesse entusiasmo italiano, num primeiro momento, seja o fato de que, tanto aqui quanto lá, há um movimento conservador enraizado no inconsciente coletivo. Traduzindo em miúdos, esse conservadorismo visa fazer uma oposição ferrenha a certas pautas, tais como direitos LGBTQIA+, aborto, imigração e refugiados.

Acontece que o cenário global não está muito disposto a esse tipo de arroubo ideológico da direita. Considerando que o mundo já vive sob uma atmosfera de tensão beligerante por conta da guerra desencadeada pela Rússia ao invadir a Ucrânia, acrescida da presença de inúmeras doenças virais circulantes na população e de constantes eventos extremos climáticos, os movimentos da direita tendem a ser duramente rechaçados.

Portanto, a vitória da direita italiana não acena dias de calmaria e sucesso retumbante. Não bastam seus discursos inflamados, nem suas ideias extremistas; pois, a governança está totalmente condicionada a um ajustamento imposto pela própria União Europeia, a qual fazem parte desde 2004. O que significa que não há espaços para mais tensões, mais medidas afrontosas ao espírito coletivo, ou quaisquer desrespeitos aos limites de convivência e coexistência pacíficos.

Dito isso, é hora de olhar para as conjunturas brasileiras, então, sem idealizações ou delírios. A atual gestão, que chegou fazendo o discurso outsider, de uma nova proposta política, provou ser a velha direita de sempre, sem tirar e nem por. O pior de tudo, nem esteve a cargo exclusivo das pautas conservadoras; mas, do próprio aprofundamento das crises socioeconômicas que o país já vinha enfrentando e foram acirradas, ainda mais, pela sua ineficiência diante da pandemia do Sars-Cov-2.

Então, essa memória recente está muito clara na mente da grande massa da população, que sentiu (e sente) na pele as consequências e os desdobramentos desse período. Tanto que as pesquisas eleitorais não deixam dúvidas sobre o quão ávidas essas pessoas estão por uma mudança efetivamente positiva, afastando, assim, a possibilidade de um índice de abstenção significativo para afetar o resultado da eleição.  

Além disso, vamos e convenhamos, que aqui no Brasil o conservadorismo proposto pela direita funciona dentro de um oportunismo que não deixa dúvidas quanto à sua capacidade de flexibilização. Conservadores, pero no mucho! Tanto que eles se contradizem na maior desfaçatez. São tantos pesos e medidas que a credibilidade dos discursos e das narrativas acabam escorrendo pelo ralo.

No frigir dos ovos, o amadorismo da direita brasileira se mostra visivelmente um fator limitante para os seus próprios projetos de poder. Tanto que é possível dizer o seguinte, “Todos amam o poder, mesmo que não saibam o que fazer com ele” (Benjamin Disraeli). Não é à toa que nenhuma de suas propostas para os diversos campos da gestão pública se sustentaram e floresceram, nesses quatro anos, aprofundando o desperdício de tempo e de recursos financeiros sem que algo prosperasse realmente. E se o mundo não está para isso, o que dirá o Brasil!

Sim, porque o que se fala até aqui, antes do pleito eleitoral, sobre a realidade socioeconômica brasileira está atravessado por incertezas e expectativas difíceis, inclusive, de projetar. De modo que a volatilidade estatística cria uma atmosfera de incertezas sobre os próximos meses e anos, que merece total atenção. Nem tudo são flores! Nem tudo é sucesso! A fragilidade dos cenários nacional e internacional pode culminar em um caos ainda mais complexo.

Sendo assim, não se deixe enganar pela euforia da direita brasileira. Nem tudo é motivo de festa! Entenda, “O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é que os homens se tornem autômatos” (Erich Fromm), e é justamente isso o que se esconde nas entrelinhas do pensamento da direita (e seus matizes).

No caso brasileiro, em específico, ela quer acreditar que surfando na onda alheia, possa se disseminar no país como rastilho de pólvora e controlar as pessoas pela força do seu poder. Mas, como escreveu Fernando Pessoa, “Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer” 2 



2 SOARES, B. (semi-heterônimo de Fernando Pessoa). Livro do Desassossego. Lisboa: Ática, 1982. 364p.

domingo, 25 de setembro de 2022

Era para ser um debate...


Era para ser um debate...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Sem oferecer quaisquer novidades; mas, reafirmando o óbvio, o segundo debate entre os presidenciáveis não passou de um encontro entre membros da direita (e seus matizes). A ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foi o fator determinante do que foi dito e manifesto ali.

Aliás, todos os ataques direcionados a ele aconteceriam na sua presença ou não. Como já considerei em outros textos, a questão não é o Lula; mas, o que ele personifica para a direita brasileira. Tanto que quaisquer discursos e narrativas, mesmo que não sejam proferidos por ele, mas que destoem do que é estabelecido por ela, são automaticamente rotulados e estereotipados pejorativamente.   

De modo que não importa para a direita (e seus matizes) ter um apoio majoritário da elite, ou deter os poderes sociais e econômicos nas mãos, como vem acontecendo nesses pouco mais de 500 anos de história. Ela não quer ser surpreendida novamente pela ascensão popular. Ela não quer ter que se preocupar com a mobilidade social, com a reafirmação da diversidade e da pluralidade humana no país, com a participação popular nas decisões.

Por isso ela chega a um debate sem propostas. Munida apenas de raiva, de ódio, de desprezo, fundamentados por discussões rasas e enviesadas. Sim, porque recortar a corrupção nacional a fim de fazê-la caber ajustadinha aos governos de esquerda, beira o ridículo. Ora, corrupção é um mal condenável, sim. Traz prejuízos de ordens diversas para o país, sim. Mas, trata-se de uma chaga perene na história nacional. Não há governo nesse país que não tenha convivido com a corrupção.

Considerando, então, que a direita esteve à frente dos poderes na maior parte da história brasileira, ela tem um imenso telhado de vidro para se colocar em ataque dessa maneira. Como sempre digo, a negação, a invisibilização, a distorção, não muda os fatos. O dedo indicador que aponta para o outro tem sempre outros três voltados para si. A direita deveria pensar a respeito! Ainda mais, colocando reparo nas manchetes recentes dos veículos de comunicação e de informação em que figura como protagonista de escândalos horrorosos. Entrar nessa de “mocinho” e “bandido” é muito sem noção!

Sobretudo, quando nesse viés atual da contemporaneidade brasileira, a direita resolveu impor sigilo a tudo que lhe causa desconforto e dificuldade de explicação. Pois é, já entendemos que a dialogia não faz parte das suas habilidades e competências! Haja vista o próprio debate! Ter munição argumentativa consistente, de fato, não é tarefa para qualquer um. Requer conhecimento, prática, desenvoltura, capacidade de comunicação, elementos que não são inerentes a todas as personalidades. Mas, acima de tudo, requer disposição de agir com transparência.

Erros e acertos fazem parte do ser humano. A forma com a qual se lida é que é o pulo do gato e faz total diferença. Já que estamos falando sobre corrupção, que tem sido a bola da vez para os ataques da direita, ela não foi, não é e nem nunca será privilégio nacional. Simplesmente, porque é algo que faz parte do desvirtuamento comportamental do ser humano. Portanto, tem corrupção em todo canto do mundo.

A diferença é que no Brasil ela foi naturalizada no inconsciente coletivo, transformada em uma característica da sua população e, por isso, indevidamente tratada e corrigida para que não viesse a se repetir. Aliás, chegou-se a tal ponto que ela adquiriu gradação, ou seja, pequenas corrupções, grandes corrupções. Como se corrupção não fosse simplesmente corrupção. Tudo para banalizar e trivializar o processo, subtraindo-lhe o peso das responsabilidades, dos prejuízos, dos constrangimentos. Inclusive, com o aval, em muitos momentos, do próprio judiciário nacional, por meio da sua lentidão, dos seus silêncios, das suas contemporizações, enfim.

Portanto, se em algum momento a ideia era promover um debate, ela falhou. Não havia por parte da maioria participante o interesse propositivo, a disposição ao contraditório, o preparo argumentativo suficiente. Todos estavam alicerçados sob um mesmo denominador comum antes de começar a falar, ou seja, o velho ideário da direita (e seus matizes). Daí a irrelevância da presença ou não do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; pois, ainda que ele quisesse dialogar, seus interlocutores não.

Assim, o espetáculo promovido pela direita, na noite de ontem, coaduna exatamente com o que escreveu Eric Hobsbawm, ou seja, “Mito e invenção são essenciais à política de identidade pela qual grupos de pessoas, ao se definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes, tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável, dizendo: ‘Somos diferentes e melhores do que os Outros’”. Por essa razão, eles não se preocupam em estabelecer um diálogo que pressuponha uma troca equilibrada e civilizada de argumentos. Para eles bastam meros ataques ofensivos e desqualificantes, como se viu acontecer.


sábado, 24 de setembro de 2022

O discurso do medo


O discurso do medo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em quaisquer situações da vida, atacar o outro é sempre o discurso do derrotado. Na incapacidade dialógica, na fragilidade argumentativa, o que resta para aquele que não tem o que mostrar ou o que dizer de consistente e real é sempre a fúria descompensada, a verborragia incontrolável.

Acontece que nada disso muda os fatos. Se fulano ou beltrano vai admitir ou não a realidade, no fim das contas, isso é pouco relevante para a percepção do espectador. O veredito da análise está nas mãos deste ser que observa, que vive, que é afetado e atravessado pela dinâmica do cotidiano. Para ele a realidade não pode ser relativizada a bel prazer, só porque alguém assim o deseja.

Portanto, é triste ver o Brasil mergulhando cada vez mais fundo em um mar de constrangimentos e vergonhas desnecessárias. Perdeu-se o básico que é a dignidade, pelo simples capricho de bater o pé para sustentar opiniões totalmente despropositadas, que não levam nada a lugar algum.

Não se mede uma nação pelo recorte de seu estrato social mais privilegiado. Nação é o coletivo. E é por isso que não dá para esconder ou invisibilizar a dimensão das desigualdades. Elas pesam no processo de desenvolvimento, de progresso, de inovação, como uma trava que não permite avançar na direção e na velocidade desejadas, porque há um flagrante desalinhamento das engrenagens. Daí a impossibilidade de tampar o sol com uma peneira!

Agressões, ofensas, calúnias, difamações, não eximem quem as pratica das suas responsabilidades cidadãs. Se o cenário não é o desejado, se as conjunturas contrariam os interesses, a resposta pode ser resumida por uma inação voluntária. Pois é, não quiseram pensar, não quiseram planejar, não quiseram fazer, não quiseram cumprir suas responsabilidades ... Como esperar um resultado diferente?   

Conhecido mundialmente como o “país do jeitinho”, o Brasil agora percebe que não há jeitinho para sair desse imbróglio. Que as malandragens, as safadezas, as práxis nada ortodoxas, um dia batem à porta cobrando a conta. Não há tapete na história que consiga esconder todos os malfeitos, que torne invisíveis as incompetências e as inabilidades! Só Deus para escrever certo por linhas tortas! Na gestão pública o que começa torto vai torto até o fim.

Acontece que esse entendimento frustra uns e outros por aí. Sobretudo, porque em tempos contemporâneos, quando os indivíduos são levados a acreditar que não são regidos por limites, que a liberdade está a seu serviço, desejos são elevados a condição de ordem. As pessoas desaprenderam a aceitar o não, a conviver com as impossibilidades, o que as leva a manifestar a barbárie reprimida, como forma de impor suas vontades e quereres.

O resultado disso é um menu de violências variadas que aprofunda o isolamento do país, inclusive no campo internacional. O Brasil não está se dando conta de que está sendo soterrado por camadas e camadas de vexames, que comprometem a solidez e a credibilidade de quaisquer discursos e narrativas que pretenda empreender. E ainda querem brigar? Querem criar confusão? Querem elevar a tensão social?  

Sim, porque “Uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para justificar medidas antidemocráticas” (Steven Levitsky – Como as democracias morrem, 2018). Daí a presença da violência em suas mais diferentes formas e conteúdos.

Assim, quando se percebe e se verbaliza os riscos para a Democracia é preciso ter, também, em mente que a existência social está ameaçada. Na medida em que as retaliações político-econômicas internacionais aos que se inclinam para a antidemocracia recrudesce as desigualdades a um nível de indignidade insuportável para a população.

Há, portanto, uma ruptura drástica com o modelo de vida que se desfruta sem que haja uma preparação e/ou uma aceitação por parte das pessoas. A vida delas é virada de cabeça para baixo num piscar de olhos. Quem já assistiu ao filme A Lista de Schindler (1993) ou O Pianista (2003) tem a dimensão do que estou me referindo. A identidade individual é subtraída de maneira brutal e perversa para a construção de uma identidade coletivamente homogeneizada, segundo os interesses de que detém o poder.

Não é à toa que, a cada dia mais, a política de desestabilização social pelo medo tenta se disseminar pelo mundo, inclusive no Brasil. Como escreveu Nicolau Maquiavel, em O Príncipe (1532), “Os homens hesitam menos em ofender quem se faz amar do que em ofender quem se faz temer; porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação que, por serem homens pérfidos, é rompido por qualquer ocasião em benefício próprio; mas, o temor é mantido por um medo de punição que não abandona jamais”.

E é dessa forma, então, que “Os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Steven Levitsky – Como as democracias morrem, 2018). Assim, não se esqueça; sobretudo, agora, em tempos de eleição, que “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente” (Martin Luther King Jr.).


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A estranha teimosia em flertar com a violência


A estranha teimosia em flertar com a violência

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se há algo que não se pode negar em relação a esses quatro anos de gestão da direita e seus matizes, no Brasil, é a comprovação irrefutável de que é inútil tentar anular ou invisibilizar as camadas mais populosas da pirâmide social.

Pois é, eles tentaram fazer um governo da elite para elite; mas, se esqueceram de combinar com as conjunturas e com os imponderáveis da vida. De modo que depois de toda a avareza mental e material sobre a qual tentaram construir sua fortaleza de poder, tiveram que abrir as burras, os cofres, e colocar o dinheiro na pista, como benesses de última hora.

O que explica tanto ódio, tanto desprezo, tanta fúria, sendo destilada no país. Lamento, mas a aposta de que a riqueza compra o sossego, na medida em que satisfaz a todos os desejos, é uma falácia. O dinheiro não blinda o ser humano em relação ao curso da vida. Ela é o que é. Achismos e quereres não subtraem essa lógica. Idealizações são só idealizações. Por isso eles estão descontrolados.  

Daí a necessidade de entender que a exacerbação da violência no país, não tende a se resumir apenas nesse momento de pleito eleitoral. Uma mudança de governo, conforme apontam as pesquisas, não vai extinguir a efervescência do descontentamento num piscar de olhos. Afinal, trata-se de algo enraizado na identidade nacional brasileira, desde a sua gênese colonial.  

O Brasil se ergueu a partir das desigualdades socioeconômicas, na garantia do imobilismo social, na exploração e na precarização do trabalho, no desrespeito e na objetificação das minorias sociais, no elitismo das camadas detentoras dos poderes. Portanto, ainda que certos indivíduos exerçam a representação desse modelo, o que dá sustentação a ele são os simpatizantes às suas ideias no estrato social.

Ou seja, um grupo relativamente significante de pessoas que não quer abrir mão de uma pseudo zona de conforto, que lhes parece garantir mínimas regalias e privilégios materiais e subjetivos. E são elas, do lado de fora dos centros político-partidários de representação, que continuarão defendendo esses pontos de vista, seja de maneira civilizada ou não. O que significará uma tensão constante rondando pelo ar.   

É curiosa essa ideia de encapsular o Brasil em uma bolha tão desconectada da realidade. Primeiro, porque à revelia da vontade de uns e outros, a impossibilidade de homogeneizar o pensamento, o comportamento e a dinâmica humana é um fato, dada a pluralidade e a diversidade existencial.

Segundo, porque amarrar o país a essa ideia é colocá-lo em uma posição de isolamento no campo geopolítico internacional, em razão do desajuste, do desalinhamento discursivo com o progresso e o desenvolvimento em curso no planeta. Haja vista os recentes discursos das principais potências econômicas mundiais na Conferência das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Caro (a) leitor (a), são tempos de guerra, tempos de fome, tempos de empobrecimento, tempos de eventos climáticos extremos, tempos de total incerteza. Enquanto o Brasil se gaba de ampliar a lista de bilionários na Revista Forbes, o Mapa da Fome avança sobre a sua bandeira e prova como a má distribuição de bens e riquezas não consegue fazer dele um protagonista no cenário mundial.

Sim, porque milionários, bilionários, trilhardários que seja, nada disso fez do contexto socioeconômico nacional um modelo de pujança, de planejamento, de crescimento. Os quatro últimos anos mostraram números pífios se comparados a outros países em conjunturas semelhantes. E nem venham lançar a culpa toda sobre a pandemia! Ela foi só um aditivo perverso sobre algo que já não ia nada bem.

De modo que o calafrio que sobe pela espinha, nesse momento, é pelo obscurantismo que reveste a realidade socioeconômica atual. As alvissareiras notícias que vêm sendo aspergidas pelos veículos de comunicação, não chegam plenas de verdade; mas, repletas de ressalvas pouco esmiuçadas em relação aos prognósticos de um futuro breve. De modo que, antes do que se imagina, essa pequena esperança pode perder lugar para o desalento, mais uma vez.

Acontece que para a direita e seus matizes nada disso parece importar. Porque, de fato, nunca importou! Eles se recusam terminantemente a admitir que sem a base da pirâmide o topo não se sustenta, e continuam a trabalhar na oposição da dignidade humana, do bem-estar coletivo nacional.  Sustentando a ideia de que direitos são benefícios destinados apenas para gente como eles. Daí não se poder mais dissociar as violências das práticas e discursos aporofóbicos.

Portanto, não é e nem nunca foi a figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o que incomoda. Não é o Partidos dos Trabalhadores o que incomoda. Não são os escândalos de corrupção o que incomoda. O que incomoda para a direita brasileira e seus matizes é a perda da hegemonia do controle social, segundo os seus interesses e convicções. É o confronto discursivo que se estabelece pelo antagonismo ideológico e humanitário que sustenta os seus poderes ou pseudopoderes.    

Daí a necessidade urgente de entender que “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota” (Jean-Paul Sartre). A violência não muda o status quo da sociedade. Não apaga, não invisibiliza, não elimina os problemas, os obstáculos, os desafios. Tudo continua existindo até que a força das conjunturas chegue suficientemente avassaladora para desconstruir e ressignificar. Se assim não fosse, quanta coisa incrível não teria emergido a partir das guerras, dos conflitos, das pequenas violências do cotidiano, não é mesmo?

Então, contra as violências, a incivilidade, os absurdos, tenhamos sempre em mente que “Os verdadeiros democratas não são aqueles histéricos que exigem isto e reivindicam aquilo, que dizem que precisamos de não sei quê e que vamos todos morrer estúpidos se não fizermos não sei que mais. São os que vivem e deixam viver. São os que respeitam as opiniões, as excentricidades e as manias dos outros, sem ceder à tentação de os desconvencer à força” (Miguel Esteves Cardoso – As Minhas Aventuras na República Portuguesa).


quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Primaveras...


Primaveras...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

E a primavera começa hoje, no hemisfério sul! Tempo de celebrar a retomada do curso da vida! Depois de tempos frios, sisudos, improdutivos, melancólicos, profundamente tristes e desesperados, eis que a beleza multicolorida da vida se espalha pelos campos da existência humana. As energias se renovam. Os ares ficam menos pesados. Como se cada cantinho de nós e do mundo estivesse em festa.

Como diz o evangelho cristão, “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3:1). Deveríamos nos atentar sobre isso! A vida não flui, necessariamente, segundo as nossas vontades e quereres. Cabe à modulagem das conjunturas as determinações do que é e do que será em comunhão com nossas escolhas e decisões.

As próprias estações do ano nos mostram isso. Vejam que apesar de todos os pesares impostos ao equilíbrio do meio ambiente, nem por isso, elas deixam de chegar e cumprir o seu rito. Podem não desfrutar do mesmo brilho, da mesma força, da mesma pujança; mas estão lá, firmes e fortes nas suas possibilidades de ser, de existir. Uma sinalização muito clara de que não podemos tudo!

Por isso mesmo as palavras de Cecília Meireles fazem tanto sentido: “Renova-te. / Renasce em ti mesmo. / Multiplica os teus olhos, para verem mais. / Multiplica-se os teus braços para semeares tudo. / Destrói os olhos que tiverem visto. / Cria outros, para as visões novas. / Destrói os braços que tiverem semeado, / Para se esquecerem de colher. / Sê sempre o mesmo. / Sempre outro. Mas sempre alto. / Sempre longe. / E dentro de tudo” (Cântico XIII).

Afinal de contas, o fundamento da primavera é esse, um resgate da essência, um olhar introspectivo que ao se renovar de tempos em tempos se transforma e dá a luz a um outro renascer, ou seja, ser o mesmo e outro simultaneamente. Traduzindo em miúdos, “Mude suas opiniões, mantenha seus princípios. Troque suas folhas, mantenha suas raízes” (Victor Hugo).

É assim que a passagem do tempo vai lapidando o que temos de melhor e nos possibilitando transformar o que não é. Autônomos para realizar as escolhas, para tomar as decisões, o resultado das primaveras é, em parte, nossa responsabilidade.  Aliás, isso diz respeito a todas as estações.

Daí a necessidade de entender que elas não acontecem dissociadas umas das outras, o que significa que as escolhas, as decisões, não são meramente transitórias. Elas repercutem, elas se propagam por uma genuína necessidade processual. A vida no seu todo indivisível! Sob os efeitos das suas primaveras, verões, outonos e invernos a fim de nos mostrar o que conseguimos ser até ali, naquele recorte de tempo.

E aí vem Cora Coralina para mostrar que tinha razão, “Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma”! É justamente isso o que as estações nos reafirmam, quando elas não acontecem apenas de fora para dentro; mas, sobretudo, de dentro para fora.

É nesse contexto que se torna possível entender o quanto “é preciso sentir a necessidade da experiência, da observação, ou seja, a necessidade de sair de nós próprios para aceder à escola das coisas, se as queremos conhecer e compreender” (Émile Durkheim).

Aproveite, então, essa primavera que começa hoje, como quem veste não só uma roupa nova, mas uma alma nova. O momento pede despojar-se do antigo, do retrógrado, do obsoleto, do antiquado. Pede criatividade, inventividade, ousadia, inovação. Tudo com muita identidade, muita autenticidade, é claro!

Como declarou Santos Dumont, “Inventar é imaginar o que ninguém pensou; é acreditar no que ninguém jurou; é arriscar o que ninguém ousou; é realizar o que ninguém tentou. Inventar é transcender”. E seja que primaveras forem, todas sempre apontam esse caminho, ou seja, transcender, que nada mais é do que desabrochar.  


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Diante do ponto de inflexão


Diante do ponto de inflexão

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Como muitos já perceberam, esse é um pleito eleitoral atípico, ou seja, com diferenças importantes de análise se comparado aos anteriores.

Seja pelos cenários que se configuraram ao longo desses quatro anos, seja pelas transformações inerentes ao próprio movimento humano, fato é que as especulações e conjecturas precisam ter cautela para não se apresentarem como verdades absolutas.

Mesmo porque, depois de um encontro inesperado com um inimigo invisível que ceifou mais de 685 mil brasileiros, e continua a ceifar, as perspectivas da população sobre a dinâmica da vida e do seu cotidiano foram radicalmente alteradas. O que se viu, o que se sentiu, o que se experimentou nesses três anos de pandemia foi avassalador, até mesmo para os mais insensíveis e céticos.

O mundo mudou! Não foi só o Brasil. Não foi só a cidade, ou o bairro, ou a rua, ou a família. Metaforicamente, foi como se um tsunami tivesse varrido e deixado um rastro de escombros materiais e imateriais por onde passou.

Bem, considerando as desigualdades que imperam sobre o mundo, não é de se espantar que os mais afetados nesse processo foram os mais vulneráveis e desassistidos. No entanto, as rupturas, os esgarçamentos, no âmbito do tecido social foram tão drásticos que a recuperação se vislumbra tardia no horizonte para todos.

Diante disso, para um contingente populacional bastante significativo, a chegada de um novo pleito eleitoral, de certa forma, chega banhado por expectativas, por esperanças positivas.

O abandono, a negligência, o descaso, a invisibilização que acabou fazendo parte do cotidiano dessas pessoas as faz refutar a sua continuidade. Elas sabem que o seu próprio bem-estar físico, psíquico e emocional depende de uma certa estabilidade, de um porto seguro.

Por esta razão é que os sinais que se apresentam, cada dia mais intensos, dão conta de que elas estão se segurando com todo afinco aos seus fiapos de fé, de crença e de confiança, para transformá-los em decisão cidadã nas urnas.  

Assim, ao contrário de outros pleitos, não me parece que esse venha a ser desenhado por uma consistente abstenção. Tudo o que se viveu nesse recorte temporal de quatro anos, e ainda se vive, no país, não passa indiferente e, por essa razão, desperta um posicionamento cidadão nas pessoas.

As insatisfações agora são muito maiores, muito mais complexas, ultrapassando figuras político-representativas para traduzir aspirações e demandas cotidianas de sobrevivência.

Tanto que a movimentação de jovens entre 15 e 18 anos para retirar o título e votar pela primeira vez, foi surpreendente. A convocatória que se criou a partir do apelo de grandes personalidades, nacionais e internacionais, levou a garotada a se engajar na discussão política do país.

Do mesmo modo, idosos acima dos 70 anos, os quais são dispensados de votar pelo limite etário, decidiram atualizar o documento para cumprir o exercício cidadão em 02 de outubro.

Portanto, ninguém me parece disposto a abrir mão do voto, como já aconteceu. O choque de realidade, em relação ao curso da história nesses últimos quatro anos, foi um divisor de águas para a transformação opinativa dos cidadãos quanto ao papel e a significância da política em suas vidas.

Como se o brasileiro (a) tivesse despertado de um torpor secular e se entendido como um ser político, um ser capaz de interferir na dinâmica da realidade. 

As tentativas de persuasão, inclusive com agrados e benesses de última hora, por exemplo, não repercutiram positivamente como em outros tempos, porque as pessoas se descobriram donas das suas escolhas, das suas decisões.

Tem-se que considerar, também, o papel das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) nesse movimento. Ainda que a desigualdade se faça presente no acesso a elas, o número de pessoas com celulares e planos de internet é bastante expressivo.

O que favorece a aquisição de um volume de informação vasto e diversificado que colabora nessa transformação cidadã. As camadas mais populares do estrato social estão cada vez mais antenadas ao que acontece na sua realidade e por essa razão, dispostas a questionar o que lhes afeta e incomoda.

Portanto, pensar na abstenção como fava contada para desequilibrar as projeções estatísticas das pesquisas eleitorais não faz muito sentido diante do panorama atual.

Exceto pelo fato de que algum candidato esteja vendo nesse cenário possibilidades de reversão do seu contexto desfavorável e se empenhando muito em defender, sob diferentes bandeiras, essa ideia.

Aliás, vimos isso acontecer nas recentes eleições norte-americanas. Mas, contrariando a tudo e a todos, os eleitores foram surpreendentes em fazer prevalecer a sua cidadania e exercer o seu direito de voto, que lá é facultativo. Não teve chuva, nem vento, nem frio, nem nada, que os demovesse da ideia de participar das eleições.

Então, não é difícil de entender esse movimento. Afinal, as conjunturas pulsam por mudanças capazes de conter a expansão das crises socioeconômicas que se instalam nos países e afetam diretamente a vida das pessoas.

No caso brasileiro, ninguém mais duvida de que o país arrastou correntes nesse período e não saiu do lugar, porque os fatos são implacáveis no confronto com as retóricas vazias daqueles que tentam vender um país totalmente distante da realidade. Nem grande parte dos brasileiros acredita. Nem tampouco os estrangeiros.   

Como dizia Mahatma Gandhi, “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Mas, para tal é necessário que tenhamos sempre a consciência de que “Há coisas que são resolvidas por governos. Há coisas que nenhum governo é capaz de resolver. Seremos nós, com o tempo que nos for concedido, que resolveremos. Por via da nossa cidadania em construção” (Mia Couto).

Afinal, “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir” (Cora Coralina). Pense nisso! Esse é o ponto de inflexão!