segunda-feira, 18 de março de 2024

Diante de uma absoluta relativização numérica ...


Diante de uma absoluta relativização numérica ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Números apontam grandes cifras produzidas e lucros astronômicos, no universo do agronegócio mundial. No entanto, os números também apontam valores expressivos para o desmatamento, as queimadas, a exaustão dos recursos naturais – tais como, água e solo, a insegurança alimentar e o desperdício. Diante disso, a quais números devemos, de fato, render reverências?

Cientes de que há no planeta, mais de 8 bilhões de seres humanos e que a alimentação é necessidade básica de todos eles, essa é uma pergunta fundamental.  Há séculos tem se visto ampliar as fronteiras agrícolas, o desenvolvimento de novas técnicas de produção e o surgimento de insumos com alta base científica. A primeira impressão é de total sucesso. Só que não.

Vejam, essas iniciativas impactaram o equilíbrio natural dos biomas. Seja pela ruptura com a periodicidade e volume de chuvas. Ou da umidade do ar. Ou com o balanço nutricional do solo. Ou com o regime de ventos. Ou com as estações climáticas bem definidas. Enfim, tudo o que é essencial para o agronegócio e não pode ser substituído por avanços técnico-científicos.

Sem perceberem, o ciclo de investimentos milionários para aumentar a produção e os lucros tornou-se uma espiral que exige cada vez mais e devolve cada vez menos, dadas as imposições conjunturais da própria natureza. E ao contrário de analisar crítica e reflexivamente essas práxis, diversos produtores ainda insistem nelas.

O que significa que ao ampliar o nível de desequilíbrio natural dos biomas, o agronegócio abre uma guerra contra si mesmo, expondo suas produções às novas pragas, à intensificação das demandas químicas, à contaminação da água e do solo e à própria dinâmica climática. Algo que já não é bem-visto, pelos mercados consumidores estrangeiros, muitos deles franco defensores das políticas sustentáveis da economia verde.

Porque gastar mais não significa produzir mais e melhor. Aliás, esse alto custo de produção não tem impedido a ausência de muitos produtos nas prateleiras dos mercados e supermercados, mundo afora; bem como, o decréscimo da qualidade deles, quando disponíveis. Além disso, é preciso pensar sobre o impacto que a lei da oferta e da procura traz ao contexto da insegurança alimentar.

Se por um lado se vê, em pleno século XXI, o amiúde desperdício de alimentos, a inacessibilidade a eles é uma realidade triste e cruel. A indisponibilidade de produtos ou o seu alto custo de aquisição impede que milhões de seres humanos supram a sua necessidade fundamental de alimentação. Ao que se vê, ter ampliado as fronteiras agrícolas, desequilibrado os biomas, tecnologizado a produção, investido em super insumos, nada disso cumpriu o papel primaz do agronegócio, ou seja, nutrir os seres humanos.

Sem contar que certos impactos negativos, tais como o deflorestamento, têm sim, sua parcela de responsabilidade na disseminação de importantes doenças, especialmente, as arboviroses. Segundo estudo da Fiocruz, por exemplo, “a dengue vem se espalhando para as regiões Sul e Centro-Oeste, onde a doença não era tão comum. Isso está ocorrendo por conta do aumento na ocorrência de eventos climáticos extremos, como secas e inundações. Além disso, outro fator decisivo seria a degradação ambiental, especialmente no Cerrado, que vem sofrendo com o desmatamento, queimadas e conversão de florestas em pasto” 1.

Lembre-se, “A primeira lei da ecologia é que tudo está ligado a todo o resto” (Barry Commoner)! Daí a necessidade de reflexão, quando se percebe a insuficiência ou a ineficiência da economia para proteger a sobrevivência humana na Terra. Não se pode encarar o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social como questões excludentes, porque tem sido essa a visão que está levando à humanidade a sua extinção 2. Portanto, é urgente romper com esse cenário caótico, o qual não aponta uma relação custo/benefício equilibrada para nenhuma das partes envolvidas.

domingo, 17 de março de 2024

Ódio. Fúria. Cólera. Raiva. Gana. Ira. ... E como diria Mahatma Gandhi, “Olho por olho, e o mundo acabará cego”.


Ódio. Fúria. Cólera. Raiva. Gana. Ira. ... E como diria Mahatma Gandhi, “Olho por olho, e o mundo acabará cego”.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Só para relembrar, a Lei n.º 7.716/1989, diz “Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (art. 1º).

Depois veio a Lei n.º 14.532/2023 para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prevendo pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prevê pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.

E por fim, “‘Em 2019, o STF decidiu que a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável. Na decisão o STF entendeu que se aplicava aos casos de homofobia e transfobia a lei do Racismo (Lei n.º 7.716/1989). O artigo 20 da lei em questão prevê pena de um a três anos de reclusão e multa para quem incorrer nessa conduta. Há, ainda, a possibilidade de enquadrar uma ofensa homofóbica como injúria, segundo o artigo 140, §3º do CP’” 1.

Portanto, não podemos aceitar os episódios criminosos de violência física e/ou verbal contra quaisquer seres humanos, como o recente caso do jogador de vôlei de praia que denunciou ataques homofóbicos em partida do Circuito Brasileiro 2. Não há nada de banal, ou de trivial, nesse tipo de conduta. Muito pelo contrário. O que temos bem diante do nariz é a famigerada tecitura do ódio, nas suas mais sórdidas expressões.

Bem, dizem os psicólogos e psicanalistas que tal sentimento emerge de uma aversão profunda, desencadeada por medo ou por raiva, indicando a devida dimensão da vulnerabilidade humana diante de algo ou alguém. Nesse sentido, crenças, valores, princípios e/ou convicções, podem sim, deflagrar o ódio; sobretudo, diante de conjunturas econômicas adversas, ou incompatibilidades sociais demarcadas, ou promessas frustradas.

Infelizmente, conforme explica Zygmunt Bauman, “a ansiedade e a audácia, o medo e a coragem, o desespero e a esperança nascem juntos, mas é a proporção na qual elas se misturam é que depende dos recursos de posse de cada um. E a contemporaneidade é especialista em transformar uma coisa em outra e essa capacidade presente nos seres humanos os fez compreender que poderiam ‘realizar sem limites’, de acordo com a própria vontade” 3.

Assim, ao ser guiado pela razão de sua própria vontade ou ser forçado a ser livre, essa nova era de realidades flexíveis e de liberdade de escolha acaba conduzindo à improvável dualidade da “tentação totalitária” (conceito da filósofa Hannah Arendt) em relação aos direitos humanos, ou seja, ao desejo de uma “dominação permanente de todos os indivíduos em toda e qualquer esfera da vida” (ARENDT, 1989, p.375) 4.

Porém, esse nível de dominação é impossível. Haverá sempre exceções. Indivíduos que não se submetem a total autoritarismo, ainda que isso lhes custe a própria vida. Daí o ódio. O ódio de quem quer dominar e daquele a quem se pretende dominar. Quem leu o livro ou assistiu ao filme O ódio que você semeia (The hate U give), 2017, de Angie Thomas, tem uma ótima compreensão de como o ódio é gestado na sociedade, pela perspectiva da discussão do racismo nos EUA.  

Como escreveu Nelson Mandela, “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar” (Long Walk to Freedom, 1995). Daí a necessidade de não se tratar a questão do ódio apenas com base na punição jurídica, das leis. É preciso construir uma cultura contra o ódio.

E isso implica numa desconstrução profunda de valores, de crenças, de princípios, os quais no Brasil, por exemplo, estão diretamente associados à herança colonial. Afinal, ela deixou marcas importantes no que diz respeito a hierarquização social entre importantes e desimportantes, como se a vida humana não tivesse um único peso e valor. Nesse sentido, o inconsciente coletivo acabou sendo moldado por esse enviesamento que propicia um afloramento do ódio a partir das tensões, dos discursos e das violências.

Daí a importância de toda e qualquer reflexão a respeito. Porque ao se descortinar as inúmeras camadas que revestem esse assunto, é possível trazer à luz uma consciência sobre o quão vazio é o ódio. Ele agride, ele ofende, ele mata; mas, em momento algum da história humana, o ódio conseguiu promover sinais de transformação, ou de evolução, ou de desenvolvimento. É como uma chama que arde e apaga em si mesmo. Consome muita energia para uma luta que é inglória.

Hoje, você odeia fulano. Amanhã, beltrano. Depois, cicrano. E por aí, vai. Acontece que sempre haverá algo ou alguém para desafiar a sua vulnerabilidade narcísica. Para apontar o seu devido tamanho existencial entre os demais. Portanto, lembre-se de que “Através da violência você pode matar o assassino, mas não pode matar o assassinato. Através da violência você pode matar um mentiroso, mas não pode matar a mentira. Através da violência você pode matar uma pessoa odienta, mas não pode matar o ódio. A escuridão não pode extinguir a escuridão. Só a luz pode” (Martin Luther King Jr.). 



3 BAUMAN, Z. Identity in the Globalizing World, 2007. (https://www.researchgate.net/publication/227983940_Identity_in_the_Globalising_World)

4 ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.   

quarta-feira, 13 de março de 2024

Quem, ou o que, é o Brasil?


Quem, ou o que, é o Brasil?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Nada define melhor o Brasil do que a emblemática pergunta “Que país é este?” 1. Afinal, o conjunto das bizarrices, dos absurdos, das indecorosas descomposturas nacionais, não permite traçar uma definição precisa sobre sua verdadeira identidade. Tudo é rapidamente mutável, camaleônico, transitando sobre uma linha muito tênue entre dicotomias importantes, bem e mal, lícito e ilícito, certo e errado, e por aí vai.

O importante é entender que o ponto de partida de qualquer análise a respeito, tem sim, uma linha histórica muito bem definida e que une direitinho os pontos para facilitar a compreensão de quem quer que seja. Porque o Brasil se repete! Não adianta negar esse fato! O que parece novidade tem lá o seu pezinho em fatos pretéritos, ou em desdobramentos destes.

Dito isso, vejam a que ponto chega a anticidadania brasileira. Não, pela expressão popular; mas, de quem deveria dispor do mínimo de decoro e de civilidade. Usando e abusando do dinheiro público e bem desalinhados das prerrogativas de trabalho no Legislativo Federal brasileiro, uma comitiva de parlamentares viajou a Washington, com o objetivo de denunciar ao governo e à imprensa norte-americana uma escalada de autoritarismo judicial no Brasil.  Como já era de se esperar, foram barrados na audiência da Comissão de Direitos Humanos 2.

Aí é impossível não perguntar ... Que país é este que permite uma situação assim? Que país é este que usa dinheiro público para macular a sua própria imagem no cenário internacional? Que país é este que não se manifesta diante dos absurdos e, certamente, deixará o episódio passar em brancas nuvens, sem as devidas responsabilizações e ressarcimentos?  Que país é este? Infelizmente, é o Brasil.

Acontece que é preciso parar, pensar, analisar e refletir. Enquanto há quem se debruce sobre a indignação causada pela recente tentativa de golpe de Estado, que culminou na destruição do patrimônio público, em janeiro de 2023, há todo um caminho esquecido, apagado ou invisibilizado, que possibilitou tamanha afronta à República Federativa do Brasil e ao seu Estado Democrático de Direito. Nada do que aconteceu, ou acontece, na história é por um acaso.

Seguindo a linha mestra dos acontecimentos se chega ao roteiro do processo em si. Ao se perguntar “Que país é este?”, a resposta pode ser bastante interessante. O país da negligência. Da condescendência. Da desatenção. Do oportunismo. Da desigualdade. Do racismo. Enfim. Palavras que acabam por convergir num sentimento de total desapreço pela sua identidade nacional e, por essa razão, tornam-se capazes de acobertar tantos desatinos, despautérios, aberrações, ao longo da sua história. Afinal, não se peca tanto por atos, omissões e palavras, como nessa terra!

O problema é que, a cada passada de pano, abre-se precedentes perigosíssimos. Cada vez que o país se permite perdoar os absurdos, ele alimenta os monstros que devoram a dignidade nacional. Omissão, desleixo, descaso, displicência, inação, hesitação, indecisão, são pequenos fragmentos do registro histórico brasileiro. Páginas verdadeiramente lastimáveis e que, apesar de todos os pesares, continuam sendo escritas.

Amanhã, 14 de março, por exemplo, serão completados 6 anos da morte brutal de Marielle Franco e, de seu motorista, Anderson Gomes, na região central do Rio de Janeiro, sem que se saiba quem foi o mandante. Mais de 100 mil crianças e adolescentes, órfãos da pandemia da COVID-19, seguem sem políticas públicas de reparação. Centenas de famílias ainda aguardam a verdade sobre o desaparecimento e morte de familiares, 60 anos depois que  foram instalados os chamados Anos de Chumbo, no Brasil. E tantas outras questões que permanecem à margem da sua importância, da sua elucidação efetiva, da sua solução plena.  

Negar, invisibilizar, ocultar, não extingue a existência dos fatos, das pessoas, dos acontecimentos. Muito pelo contrário. Só faz estimular as especulações, as conjecturas, as verdades paralelas, as quais implicam em uma reverberação atroz da incompreensão humana diante da falta da verdade factual. Como se a vida ficasse pela metade, incompleta, sem sentido. Tudo precisa ter início, meio e fim, para satisfazer a construção de significado. Haja vista que ninguém vai ao cinema e sai sem saber o final do filme!

De fato, lidar com a realidade não é tarefa fácil! Colocar todos os pingos nos is, esmiuçar camada por camada, é sim, muito trabalhoso! Entretanto, é necessário. O desconhecimento é desconfortante, é incomodativo, é perturbador. Não traz paz a ninguém! E sem paz, a vida não flui pelo curso que é necessário. Não conta as histórias, como de fato aconteceram, propiciando a construção de aprendizados consistentes. Fica sempre uma dúvida, uma hipótese não respondida, uma ideia enviesada, que acaba por obstaculizar o desenvolvimento, o progresso, a evolução social.

Assim, é preciso que a velha pergunta “Que país é este?” seja apaziguada pela resposta mais simples, ou seja, o país da verdade. Ainda que a fúria da pós-verdade tente impedir que os fatos se sobressaiam e tragam à tona toda a sua essência, é preciso romper com todas as práxis obscurantistas. Afinal de contas, não há Democracia sem verdade. Não há cidadania sem verdade. Não há identidade sem verdade.

Como escreveu Immanuel Kant, “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. E dignidade tem tudo a ver com verdade, com ética, com moral, com a consciência do próprio valor humano, da sua honra, do seu respeito.

terça-feira, 12 de março de 2024

DROGAS ...


DROGAS ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ninguém se opõe ao fato de que o uso de drogas, na contemporaneidade, tem trazido desafios imensos para as relações sociais, a saúde pública e a segurança. Entretanto, essa é uma questão milenar. O uso de drogas acompanha a evolução humana sobre a Terra, na medida em que os indivíduos aprenderam a reconhecer e a utilizar as plantas, segundo suas necessidades.

Aliás, esse foi o pontapé inicial, ainda que muito rudimentar, da Farmacologia. A partir de chás, unguentos, vapores, folhas mastigáveis, os remédios foram sendo descobertos e aplicados, como importantes auxiliares dos tratamentos de inúmeras doenças. De modo que a necessidade humana foi a grande responsável por impulsionar o universo das drogas.

E essa consciência histórica é importante, em razão de um cenário nacional em que tem sido discutida, nas esferas institucionais do poder, a descriminalização do uso da maconha 1.  Algo que enfurece as alas mais conservadoras e ultraconservadoras, do país, as quais apelam para um discurso de pânico social ao invés de trabalhar um assunto, dessa complexidade, dentro de bases científicas consistentes e legítimas.

É fato que, no campo ilícito das drogas, o mundo movimenta milhões através do seu tráfico e comercialização. Recursos estes, que permitem a movimentação de outras atividades criminosas e ilegais, causando impactos socioeconômicos diversos, ao redor do planeta. Diante disso, a pergunta que não quer calar é: estamos discutindo os males causados pelas drogas à saúde e bem-estar humanos ou os males causados pelo universo ilegal e criminoso que elas, tantas vezes, estão imersas?

Tal distinção é fundamental e faz todo o sentido. Os EUA, por exemplo, estão diante de uma crise gravíssima em relação ao uso de opioides, que mata mais de 200 pessoas por dia. Vejam, “Medicamentos como fentanil, codeína e oxicodona são analgésicos eficazes e seguros quando prescritos corretamente por um médico. Mas, sem orientação de especialista ou para uso recreativo, há um alto risco de o indivíduo desenvolver dependência” 2.

Em tese, muitos medicamentos usados na terapêutica contemporânea são drogas sintéticas – anfetaminas, LSD, anabolizantes, inalantes, efedrina etc. – ou semissintéticas – morfina, codeína etc. Pois é, elas estão abrigadas sob o guarda-chuva da legalidade; mas, acabam saindo do controle, em razão de circunstâncias médicas, muitas vezes, inobservadas ou não monitoradas. Independentemente de quaisquer justificativas, fato é, que nada disso impede que elas se tornem um problema social e de saúde pública avassalador.

É o mesmo que acontece com o cigarro e o álcool. Legalizados, produzidos e comercializados livremente, eles são aceitos dentro do inconsciente coletivo, que banaliza, naturaliza, trivializa, a presença deles na sociedade. Acontece que eles, também, são um problema social e de saúde pública avassalador.

Portanto, imediatismos e irreflexões não podem caber em um assunto tão delicado e complexo. Não preciso nem dizer, que o mundo contemporâneo está em franco adoecimento e que as doenças do corpo têm sido sim, desencadeadas por doenças da mente e da alma. O que nos faz perceber o papel das drogas nesse contexto. Lamentavelmente, as emoções e os sentimentos estão sob a mira de sofrimentos psíquicos intensos e profundos, dado o grau de exigências, de responsabilidades, de enquadramentos sociais, de pressões diversas, enfim.

De modo que é fácil encontrar legiões de indivíduos marcados pela depressão, pelos transtornos de ansiedade e compulsão, por uma baixa autoestima, ... que acabam rendidos a um desejo mórbido de não sentir dor. É aí que as drogas entram e fazem o seu estrago. Elas são o que são, por conta da própria estrutura de convivência e coexistência dos seres humanos.

Não é à toa, que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu em 2012, o Dia Internacional da Felicidade, com a proposta de fazer dela (felicidade) um índice para mensurar o bem-estar socioeconômico, em cada país do globo. Bom, temos que concordar que diante de tanta infelicidade, fomentada por guerras, conflitos, violências, fome, miséria, desemprego, ..., fazer algo que possa conter o uso abusivo e indiscriminado de drogas é um passo importante em favor da Felicidade social.

Segundo o site da Forbes, por exemplo, “Os brasileiros estão mais tristes – essa foi a constatação do World Happiness Report de 2023, estudo anual que classifica a felicidade global em mais de 150 nações ao redor do mundo. Em comparação com o ano anterior, o Brasil caiu 11 posições no estudo anual e foi do 38º para o 49º lugar” 3.

Vale ressaltar que os dados foram obtidos em 2022 e o resultado da análise divulgado em 2023, assim “O ranking é baseado em dados de fontes como a Gallup World Poll, alavancando seis fatores principais: apoio social, renda, saúde, liberdade, generosidade e ausência de corrupção” 4.

Portanto, só a partir de uma visão holística sobre as drogas é que se torna possível discutir políticas públicas e legislações. Sobretudo, colocando no centro dos debates o ator principal que é o ser humano. Não se fala de drogas desconsiderando o ponto de partida que é o usuário. Porque esse ser que sofre, que padece, na invisibilidade da sua existência, não precisa necessariamente da estrutura do tráfico ou da ilicitude, para manter o seu consumo. Ele cria alternativas, muitas delas, na própria legalidade do sistema.

Caro (a) leitor (a), é fundamental entender que o uso de drogas é só a ponta do iceberg. Submerso nas profundezas desse emaranhado problema está o desejo de aplacar os vazios existenciais, de alcançar uma liberdade plena e irrestrita e de se desobrigar da tomada de decisões. Assim, se por um lado conseguimos enxergar esse panorama, por outro, nos cabe ver que todos aqueles que se deixam levar por soluções rasas, superficiais, inconsistentes e ineficientes, para o enfrentamento desse desafio, também, estão entorpecendo, com achismos e casuísmos, a sua própria lucidez para não lidar com o assunto de frente, como se deve. Façamos, então, nossas devidas reflexões a respeito!

segunda-feira, 11 de março de 2024

Em tempos de guerra, quem diria termos que enfrentar uma guerra cultural!


Em tempos de guerra, quem diria termos que enfrentar uma guerra cultural!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Se engana quem pensa que a guerra cultural travada pela ultradireita, na contemporaneidade, se destaque pela velha práxis de banir 1 ou queimar livros. É claro que esse é um aspecto importante e merecedor de total atenção! Acontece que em tempos de alta tecnologia, de inovações como a Inteligência Artificial (I.A.), é esse o ponto que se deve refletir.

Lamento, mas esses são tempos em que a ingenuidade ou a credulidade voluntária não cabem. Dessa vez, os livros parecem mais “bois de piranha” do que qualquer outra coisa, quando o assunto é guerra cultural. A reflexão aqui, deve começar pelo fato de que os poderes, as influências, a formulação das leis, sempre foram estabelecidos e regulados pelos membros do topo da pirâmide social. Assim, a explosão tecnológica na sociedade contemporânea, também, é fruto desse grupo e surgiu para servir aos seus interesses, mais ou menos republicanos.

Portanto, é fácil entender a íntima relação que se estabelece entre a guerra cultural e o avanço tecnológico. Primeiro, porque há lacunas geracionais presentes na sociedade. Haja vista que o mundo caminha para o envelhecimento global. De modo que essa realidade implica em uma maior dificuldade dessas pessoas em desfrutar desses avanços tecnológicos; mas, também, de acompanhar o seu nível de inovação. O que significa uma parcela importante da população sendo alienada da informação, da construção do conhecimento, da discussão crítica-reflexiva.

Segundo, porque a tecnização implica necessariamente no fato de que o ser humano perde a sua serventia. Ainda que as gerações mais jovens sejam nativas digitais, isso não é garantia de que elas tenham seu espaço socioeconômico preservado, nesse novo cenário. No entanto, considerando que a sua formação educacional e intelectual se dá, basicamente, através da tecnologia, o seu acesso ao conhecimento está muito mais vulnerável à manipulação dos interesses daqueles que detém o poder. Portanto, eles também estão sujeitos à alienação da informação, da construção do conhecimento e da discussão crítica-reflexiva.

E é tão fácil perceber tudo isso! Basta observar como a pós-verdade e sua elaboração e modelação da opinião pública tem sido operacionalizada através de avalanches de Fake News. Mas, não para por aí. O esgarçamento dialógico que se vê amiúde é consequência não só da deterioração argumentativa; mas, do enviesamento tendencioso e oportunista das informações, dada a incapacidade de filtrar adequadamente o volume delas, que é dispersado pelas mídias sociais.

Sim, os seres humanos estão cada vez mais rasos cognitiva e intelectualmente. Já dizia Monteiro Lobato, “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. Sem tempo e disposição para ler, para pensar, para analisar e para refletir, legiões de pessoas acabam abduzidas pelo chamado efeito manada. Algo que é perfeito para os propósitos de uma guerra cultural, como propõe a ultradireita contemporânea. Seus interesses, suas opiniões, suas escolhas, tudo fica condicionado a um rígido limite preestabelecido.  

Quem não ouviu falar, por exemplo, sobre a Escola sem Partido? Trata-se de um movimento político, objetivando uma agenda conservadora para a educação brasileira. E o que chamam de Ideologia de Gênero, hein? Que busca contestar enfaticamente o entendimento científico a respeito de que os gêneros são, na verdade, uma construção social. Discussões que, obviamente, são integradas à mesma linha dos livros, peças teatrais, exposições e quaisquer outras produções artísticas, ou do pensamento, tornados objetos de censura por serem considerados símbolos de valores não conservadores.

Isso é a guerra cultural, em curso! Vale ressaltar que a proibição, a censura, o impedimento, é só a espuma da questão, a ponta de um gigantesco iceberg. O cerne mesmo, diz respeito a uma possível desconstrução da criticidade cidadã, a partir do confronto com a realidade apresentada por meio das manifestações socioculturais. Esse é o ponto. Utiliza-se de todos os meios disponíveis, então, para impedir que a cultura desconstrua os esforços de alienação dominante da sociedade.

Inclusive, através dos recursos de doutrinação religiosa, os quais exercem profunda influência e apelo às emoções e às crenças pessoais. Ora, a cultura é sim, um espelho da realidade e, por essa razão, pode despertar certas tensões adormecidas nos indivíduos, certos questionamentos e certas indignações, que desfavorecem aos planos de poder de uns e outros, por aí. Daí a existência de um acirramento da guerra cultural, no Brasil.

A Direita e seus matizes, mais ou menos radicais e extremistas, vêm se colocado mais e mais afeitos a brigar contra as correntes do progresso global. Na verdade, se formos olhar os acontecimento com lupa, perceberemos que a guerra cultural, no país, diz muito das pretensões teocráticas que pairam sobre a sociedade brasileira, já há algumas décadas.

E essa é uma guerra conservadora, que pretende fazer o que for para resistir e impedir os avanços da evolução social, a fim de que o sistema de governança possa, de fato, agir política, comportamental, jurídica e policial através de princípios ideológicos determinados por uma religião dominante, no país.  Resta saber, se irão conseguir aglutinar a pluralidade religiosa existente, no Brasil, em uma só ideologia, em um só objetivo, capaz de sustentar essa ambição teocrática. Caso contrário, a própria guerra cultural estabelecida terá sido em vão.

sábado, 9 de março de 2024

Nem tudo é culpa do governo!


Nem tudo é culpa do governo!

  

Por Alessandra Leles Rocha

 

É natural que as pessoas se sintam incomodadas pelos acontecimentos que as impactam diretamente ou que remetam a um histórico de experiências semelhantes. Nesse sentido, especialmente entre a população mais idosa, a inflação dos preços é uma velha conhecida e facilmente percebida, quando vão aos mercados e supermercados, semanalmente.

No entanto, o (a) brasileiro (a), em uma grande maioria, ainda carece de entendimento sobre as verdadeiras razões que levam à carestia. Se por um lado existem componentes diretamente ligados aos rumos da governança do país, tais como expectativas inflacionárias, maior emissão de moeda ou excesso de gastos públicos, por outro, o que interfere na inflação é a alta demanda, o aumento dos custos de produção, os eventos extremos do clima e os cenários exportadores e importadores.

Portanto, esse é um entendimento fundamental para todos os cidadãos. É preciso separar o joio do trigo, do que acontece no cotidiano nacional. Começando pelo fato de se abster das antipatias ou resistências a certos governos; pois, cada gestão pública não acontece somente pela perspectiva das plataformas políticas, personificadas na figura de um determinado indivíduo.

Na verdade, como tudo na vida, as conjunturas vão se alinhando, segundo os acontecimentos que se desenham no horizonte. Nem tudo é responsabilidade, única e exclusiva, de fulano, beltrano ou sicrano, como insistem em fazer parecer uns e outros, por aí.

Considerando que as economias globais são atreladas diretamente aos cenários geopolíticos, a todo instante o país pode ser surpreendido por reverberações de episódios ocorridos além de suas fronteiras.

Vejam, por exemplo, que no momento atual, o mundo vive sob a tensão de duas guerras. E elas têm sim, impactado o transporte e o escoamento da produção de alimentos, de insumos agrícolas e de petróleo, pressionando os preços no mercado internacional.

Porém, não bastasse essa realidade, os eventos extremos do clima têm sido devastadores sobre a produção de alimentos e, por consequência,  sobre a alimentação dos seres humanos.

Tanto que já se trata de “um tema recorrente em estudos e relatórios, como os elaborados pelos cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU). Com o aumento da temperatura, as secas serão cada vez mais frequentes e intensas e grandes tempestades levarão à quebra de safras, à diminuição de produção e, consequentemente, ao aumento dos preços dos alimentos. Além disso, estudos indicam que o ar mais quente resulta na produção de cereais menos nutritivos” 1.

E não é fácil admitir que, nesse enfoque, cada cidadão carrega o peso da sua responsabilidade a respeito. O negacionismo científico presente nas discussões socioambientais atrasou muito a tomada de decisões que evitassem a realidade que vivemos no século XXI.

Infelizmente, não basta mais ter o dinheiro para comprar alimentos, porque não há diversidade, qualidade ou quantidade suficientes para atender as demandas sociais.

Pois é, o encantamento diante das imagens dos grandes cinturões agrícolas, que vendiam a ideia de expansão da produção de alimentos, como uma promessa de combate à fome e à miséria, no fim das contas, acabou se revelando um inimigo silencioso da humanidade.

Primeiro, porque as promessas não foram cumpridas. Grandes safras não resultaram no fim da insegurança alimentar no planeta. Segundo, porque a existência desses cinturões implicou necessariamente no desmatamento de biomas importantes, no assoreamento de cursos d’água, no uso indiscriminado de agrotóxicos e outros insumos nocivos aos seres vivos.

E hoje, mesmo com todo o aparato tecnológico utilizado por grandes produtores, o cenário da produção de alimentos e da alimentação dos seres humanos, se encontra cada vez mais impactada pela fúria dos eventos extremos do clima.

Não há ciência ou tecnologia capaz de conter ou de minimizar os reflexos dos longos anos de degradação ambiental sobre o planeta, simplesmente, porque a produção de grãos, verduras, legumes, frutas, mel, animais, sempre dependeu diretamente do equilíbrio ambiental. O que significa chuva, vento, umidade, calor, luz solar, em quantidade, qualidade e tempo certos.

Quando esse equilíbrio é rompido, se torna inevitável que diante de episódios de geadas, períodos de seca e excesso de chuva, ocorridos de forma desordenada e fora das safras habituais, haja também a degradação das áreas cultiváveis, obrigando os produtores a reverem suas estratégias de plantio.

O que significa que algumas áreas serão abandonadas, outras serão adaptadas, portanto, haverá prejuízos significativos na produtividade, ou seja, um desequilíbrio na lei da oferta e da procura de alimentos.

Caro (a) leitor (a), somos mais de 200 milhões de habitantes no Brasil; mas, olhando para o mundo, a população ultrapassa 8 bilhões de vidas. A grande questão é que todas elas precisam de água, de alimento e de abrigo, como necessidades fundamentais para sobreviver.

Entretanto, as conjunturas locais e globais estão impossibilitando a acessibilidade delas a esse direito. Especialmente, por conta dos eventos extremos do clima, que afetam a geografia do mundo de maneira avassaladora e, muitas vezes, irrecuperável.

É imperioso que todos se engajem nessa conscientização, em especial, os veículos de comunicação e de informação. Ser claro, objetivo e didático é certamente a grande arma contra a desinformação contemporânea; bem como, a grande missão para arrefecer as tensões e as polarizações político-ideológicas, em um mundo já tão conturbado. Ora, nem tudo é culpa do governo!

Afinal, o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no mês de fevereiro, explicou que “fatores climáticos foram os principais motivos que causaram o aumento no preço dos alimentos no começo de 2024. ‘O aumento nos preços dos alimentos é relacionado, principalmente, à temperatura alta e às chuvas mais intensas em diversas regiões produtoras do país’” 2.

Portanto, não nos esqueçamos de que esses são tempos para a busca de soluções, de gestos mitigadores, para distensionar os problemas socioambientais que se agigantam diante de nossos olhos.

Cada pessoa que morre de fome, de sede ou desabrigada, em todo o planeta, há um pouco da nossa desumanidade, do nosso negacionismo, da nossa indiferença, direta ou indiretamente constituída.

Acontece que soluções só nascem a partir do factual, da realidade. De modo que as discussões a esse respeito precisam se despir, se abster, de todas as inverdades, distorções e mentiras, que são despejadas em profusão através das mídias sociais.   

Se nada for feito, a tendência da realidade contemporânea é que ela se agrave cada vez mais. O adoecimento e o empobrecimento já são perspectivas para o futuro da humanidade.

Nesse viés, então, a sociedade pode e deve trabalhar em favor de conter a inflação e a insegurança alimentar. Seja não cedendo às pressões dos preços. Seja consumindo produtos de ocasião, que são mais baratos. Seja não desperdiçando alimentos. Seja incentivando a construção de hortas comunitárias. Seja buscando projetos de educação alimentar e nutricional aliados à economia e à sustentabilidade, os quais incentivam o aproveitamento integral de frutas, verduras e legumes 3.