quarta-feira, 19 de março de 2025

Fugindo da realidade


Fugindo da realidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Fugir é sempre um ato de ruptura.  Se por medo, desconforto, contrariedade, ... Não importa o motivo. Acontece que romper com algo ou alguém não deixa de manifestar uma desistência. O que, no fundo, revela a manifestação de um fracasso diante dos obstáculos e desafios impostos pela vida.

E olhando com bastante atenção para a contemporaneidade, cada vez mais os seres humanos estão se tornando inaptos às adversidades, de modo que a fuga tem sido uma estratégia de sobrevivência comum para muitos. No entanto, não é uma fuga qualquer! Estou falando sobre fugir da realidade.

Pois é, a dificuldade em lidar com os nãos, os limites, as regras, e demais instrumentos de regulação da vida social, faz com que os indivíduos se refugiem em suas realidades paralelas. Criam seus próprios mundinhos para satisfazer ao seu narcisismo egóico e não serem jamais perturbados nas suas vontades e quereres.

Trata-se de um comportamento que abdica da realidade factual. Pessoas assim, tiveram sua construção psicoemocional comprometida pela satisfação integral (ou não) dos seus desejos. De modo que a perspectiva da realidade foi desvirtuada da normalidade. Afinal de contas, ninguém tem tudo, ninguém pode tudo. Daqui e dali o ser humano é confrontado por limites, não importa se você pertence a classe A, B, ou C.

O principal problema é que a fuga da realidade leva o indivíduo a se lançar em uma espiral de ilusões, de ficções, de factoides, de absurdos diversos, os quais vão favorecendo a sua frustração, pela impossibilidade de obter o sucesso almejado na sua própria versão da realidade.

Acontece que todo ser humano, goste ou não, está submetido ao mundo real. A realidade factual é soberana. Essa verdade inconteste, apesar de muitas vezes amarga e indigesta, é extremamente importante para o processo de evolução humano. É no modo como se atua diante das aventuras e das desventuras cotidianas, que cada pessoa desenvolve a sua identidade, para atuar no contexto social.

Como a identidade sofre influências múltiplas, tais como a memória, os pensamentos, as crenças, as emoções, o temperamento e o caráter, quando se foge para uma outra realidade tudo isso se altera também. A fuga da realidade impõe o surgimento de uma persona, diferente do seu eu autêntico.

De certa forma, quando Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema O homem; As viagens, por volta da década de 1970, já conseguia desnudar o ser humano ao ponto de vê-lo nessa busca incessante para fugir da realidade. Movido por uma insatisfação crônica, nenhum lugar parecia satisfazer o seu alto grau de idealização. Seus caprichos eram sempre inatingíveis! Como se a grama do vizinho fosse sempre mais verde! Porém, nada disso adianta!

Caro (a) leitor (a), esse é o ponto! Fugir da realidade é inútil. A vida é o que é. Tentar fazer o mundo caber nas próprias idealizações é uma tarefa non sense e profundamente frustrante; pois, é impossível. Infelizmente, a contemporaneidade vendeu a todos uma série de promessas impossíveis de cumprir. A liberdade irrestrita foi uma delas. Ora, se dizem que eu sou livre para fazer o que quiser, ter o que quiser, ... nada pode me contrariar nas minhas aspirações.

Pelo menos em tese, é assim. Porque na prática tudo funciona diferente. Aí as inúmeras fugas da realidade não fazem chegar a lugar nenhum, exceto, a uma montanha de decepções dilacerantes. Descobre-se, talvez, da pior forma, que se é apenas mais um, em uma multidão vestida por completo individualismo narcísico, o que significa um monte de pessoas que não dão a menor bola para os choramingos de ninguém. Nesse momento, então, só resta clamar as pitangas ao som de Maysa, “Meu mundo caiu / E me fez ficar assim / Você conseguiu / E agora diz que tem pena de mim ...” (1958).

Aí, depois de muitas lágrimas e lenços de papel, surge a oportunidade de entender que “A insatisfação por aquilo que não temos é resultado da falta de gratidão por aquilo que temos” (Daisaku Ikeda). Sem contar, que “Muitos dos nossos sentimentos de satisfação ou insatisfação vêm do fato de nos compararmos com as outras pessoas” (David Niven - psicólogo e escritor best-seller estadunidense).