Fugindo
da realidade
Por Alessandra
Leles Rocha
Fugir é sempre um ato de
ruptura. Se por medo, desconforto,
contrariedade, ... Não importa o motivo. Acontece que romper com algo ou alguém
não deixa de manifestar uma desistência. O que, no fundo, revela a manifestação
de um fracasso diante dos obstáculos e desafios impostos pela vida.
E olhando com bastante atenção para
a contemporaneidade, cada vez mais os seres humanos estão se tornando inaptos
às adversidades, de modo que a fuga tem sido uma estratégia de sobrevivência comum
para muitos. No entanto, não é uma fuga qualquer! Estou falando sobre fugir da
realidade.
Pois é, a dificuldade em lidar
com os nãos, os limites, as regras, e demais instrumentos de regulação da vida
social, faz com que os indivíduos se refugiem em suas realidades paralelas.
Criam seus próprios mundinhos para satisfazer ao seu narcisismo egóico e não
serem jamais perturbados nas suas vontades e quereres.
Trata-se de um comportamento que abdica
da realidade factual. Pessoas assim, tiveram sua construção psicoemocional
comprometida pela satisfação integral (ou não) dos seus desejos. De modo que a
perspectiva da realidade foi desvirtuada da normalidade. Afinal de contas,
ninguém tem tudo, ninguém pode tudo. Daqui e dali o ser humano é confrontado por
limites, não importa se você pertence a classe A, B, ou C.
O principal problema é que a fuga
da realidade leva o indivíduo a se lançar em uma espiral de ilusões, de
ficções, de factoides, de absurdos diversos, os quais vão favorecendo a sua
frustração, pela impossibilidade de obter o sucesso almejado na sua própria versão
da realidade.
Acontece que todo ser humano,
goste ou não, está submetido ao mundo real. A realidade factual é soberana. Essa
verdade inconteste, apesar de muitas vezes amarga e indigesta, é extremamente
importante para o processo de evolução humano. É no modo como se atua diante
das aventuras e das desventuras cotidianas, que cada pessoa desenvolve a sua identidade,
para atuar no contexto social.
Como a identidade sofre influências
múltiplas, tais como a memória, os pensamentos, as crenças, as emoções, o
temperamento e o caráter, quando se foge para uma outra realidade tudo isso se
altera também. A fuga da realidade impõe o surgimento de uma persona, diferente
do seu eu autêntico.
De certa forma, quando Carlos
Drummond de Andrade escreveu o poema O homem; As viagens, por
volta da década de 1970, já conseguia desnudar o ser humano ao ponto de vê-lo
nessa busca incessante para fugir da realidade. Movido por uma insatisfação crônica,
nenhum lugar parecia satisfazer o seu alto grau de idealização. Seus caprichos eram
sempre inatingíveis! Como se a grama do vizinho fosse sempre mais verde! Porém,
nada disso adianta!
Caro (a) leitor (a), esse é o ponto! Fugir da realidade é inútil. A vida é o que é. Tentar fazer o mundo
caber nas próprias idealizações é uma tarefa non sense e profundamente frustrante;
pois, é impossível. Infelizmente, a contemporaneidade vendeu a todos uma série
de promessas impossíveis de cumprir. A liberdade irrestrita foi uma delas. Ora,
se dizem que eu sou livre para fazer o que quiser, ter o que quiser, ... nada
pode me contrariar nas minhas aspirações.
Pelo menos em tese, é assim. Porque
na prática tudo funciona diferente. Aí as inúmeras fugas da realidade não fazem
chegar a lugar nenhum, exceto, a uma montanha de decepções dilacerantes. Descobre-se,
talvez, da pior forma, que se é apenas mais um, em uma multidão vestida por
completo individualismo narcísico, o que significa um monte de pessoas que não
dão a menor bola para os choramingos de ninguém. Nesse momento, então, só resta
clamar as pitangas ao som de Maysa, “Meu mundo caiu / E me fez ficar assim /
Você conseguiu / E agora diz que tem pena de mim ...” (1958).
Aí, depois de muitas lágrimas e lenços de papel, surge a oportunidade de entender que “A insatisfação por aquilo que não temos é resultado da falta de gratidão por aquilo que temos” (Daisaku Ikeda). Sem contar, que “Muitos dos nossos sentimentos de satisfação ou insatisfação vêm do fato de nos compararmos com as outras pessoas” (David Niven - psicólogo e escritor best-seller estadunidense).