O crônico
mau humor do mercado...
Por
Alessandra Leles Rocha
A histeria da ultradireita a fim
de tensionar a impressão popular a respeito do governo, é mesmo insana. O dia em que o mercado aprovar um governo
progressista, no Brasil, algo estará realmente fora dos eixos. Afinal, o
mercado é um ente historicamente destinado a garantir as regalias e os privilégios
econômicos das elites dominantes. Portanto, eles não querem nenhum modelo político
que busque mitigar as desigualdades socioeconômicas.
E quem é o mercado? Ele se constituiu
concomitantemente à Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. Trata-se,
portanto, de um sistema econômico cujas decisões a respeito de investimentos,
produção e distribuição de bens, produtos e serviços são orientadas por sinais
de preços oriundos da lei da oferta e da procura. Nesse sentido, é a presença
dos mercados de recursos (mão de obra, capital e terra) que desempenham um
papel dominante na alocação de capital e nos fatores de produção.
Diante dessa explicação, não é difícil
de entender, por exemplo, qual a razão de o cidadão brasileiro não receber um salário-mínimo,
segundo estabelece a Constituição Federal de 1988, ou seja, “capaz de
atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim” (art. 7º, inciso IV).
Isso, por si só, já dá materialidade à precarização do trabalho, no Brasil,
segundo os interesses do mercado.
O mercado, então, só tem preocupação
com seus próprios interesses. Assim, expandindo o olhar para o mundo, a relação
dos mercados interfere diretamente na dinâmica econômica dos países. Segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU), no início de 2025, “O crescimento
econômico global deve permanecer em 2,8% em 2025, inalterado em relação ao ano
passado. O relatório produzido pelo Departamento de Assuntos Econômicos e
Sociais da ONU (DESA) destaca o impacto duradouro do baixo investimento, da
baixa produtividade e dos altos níveis de dívida no desempenho econômico global”
1.
Além disso, “espera-se que
muitos países em desenvolvimento enfrentem pressões inflacionárias
persistentes, com um em cada cinco experimentando taxas de dois dígitos. Altos encargos de dívida e acesso limitado a
financiamento internacional continuarão a dificultar a recuperação. A inflação
dos alimentos continua sendo um problema urgente, com quase metade dos países
em desenvolvimento apresentando taxas acima de cinco por cento. Isso agravou a
insegurança alimentar, principalmente em países de baixa renda que já enfrentam
eventos climáticos extremos, conflitos e instabilidade econômica. O relatório
alerta que a inflação persistente dos alimentos, aliada ao lento crescimento
econômico, pode levar milhões de pessoas ainda mais à pobreza”.
Daí a importância dos governos não
se renderem às pressões do mercado e manterem o seu compromisso com a
população; sobretudo, as parcelas mais frágeis e vulneráveis. É fundamental que
ações multilaterais ousadas para abordar crises globais interconectadas,
incluindo dívida, desigualdade e mudanças climáticas, sejam tomadas. De acordo
com o relatório, os governo têm sido instados “a se concentrar em
investimentos em energia limpa, infraestrutura e setores sociais essenciais,
como saúde e educação”, a fim de que haja um desenvolvimento global mais
equitativo e sustentável.
Ocorre que o grande desafio do
momento seja a crescente demanda industrial por minerais raros, como lítio e
cobalto. Em razão do alto desenvolvimento tecnológico, promovido pela Revolução
industrial 4.0, “Para países em desenvolvimento ricos em recursos, esses
minerais oferecem potencial de crescimento, criação de empregos e aumento de
receitas para acelerar o progresso em direção aos 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, o relatório alerta que a má
governança, práticas trabalhistas inseguras e degradação ambiental podem
prejudicar os benefícios a longo prazo e agravar as desigualdades”. E a história
já mostrou como se comporta a cobiça dos mercados, diante das novidades, e
quais as consequências nefastas resultam disso.
Assim, façamos uma reflexão profunda
a respeito do que acontece no planeta e repercute em nossas vidas cotidianas. Como
tão bem manifestou Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, “O deus mercado
organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que
nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos
frustração, pobreza e autoexclusão”. Por isso, muita atenção às nossas próprias práxis;
afinal, “A espécie humana e a economia global podem muito bem continuar
crescendo, mas muito mais indivíduos passam fome e privação” (Yuval Noah Harari).