quinta-feira, 20 de março de 2025

O crônico mau humor do mercado...

O crônico mau humor do mercado...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A histeria da ultradireita a fim de tensionar a impressão popular a respeito do governo, é mesmo insana.  O dia em que o mercado aprovar um governo progressista, no Brasil, algo estará realmente fora dos eixos. Afinal, o mercado é um ente historicamente destinado a garantir as regalias e os privilégios econômicos das elites dominantes. Portanto, eles não querem nenhum modelo político que busque mitigar as desigualdades socioeconômicas.

E quem é o mercado? Ele se constituiu concomitantemente à Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. Trata-se, portanto, de um sistema econômico cujas decisões a respeito de investimentos, produção e distribuição de bens, produtos e serviços são orientadas por sinais de preços oriundos da lei da oferta e da procura. Nesse sentido, é a presença dos mercados de recursos (mão de obra, capital e terra) que desempenham um papel dominante na alocação de capital e nos fatores de produção.

Diante dessa explicação, não é difícil de entender, por exemplo, qual a razão de o cidadão brasileiro não receber um salário-mínimo, segundo estabelece a Constituição Federal de 1988, ou seja, “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim” (art. 7º, inciso IV). Isso, por si só, já dá materialidade à precarização do trabalho, no Brasil, segundo os interesses do mercado.

O mercado, então, só tem preocupação com seus próprios interesses. Assim, expandindo o olhar para o mundo, a relação dos mercados interfere diretamente na dinâmica econômica dos países. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), no início de 2025, “O crescimento econômico global deve permanecer em 2,8% em 2025, inalterado em relação ao ano passado. O relatório produzido pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU (DESA) destaca o impacto duradouro do baixo investimento, da baixa produtividade e dos altos níveis de dívida no desempenho econômico global” 1.

Além disso, “espera-se que muitos países em desenvolvimento enfrentem pressões inflacionárias persistentes, com um em cada cinco experimentando taxas de dois dígitos.  Altos encargos de dívida e acesso limitado a financiamento internacional continuarão a dificultar a recuperação. A inflação dos alimentos continua sendo um problema urgente, com quase metade dos países em desenvolvimento apresentando taxas acima de cinco por cento. Isso agravou a insegurança alimentar, principalmente em países de baixa renda que já enfrentam eventos climáticos extremos, conflitos e instabilidade econômica. O relatório alerta que a inflação persistente dos alimentos, aliada ao lento crescimento econômico, pode levar milhões de pessoas ainda mais à pobreza”.

Daí a importância dos governos não se renderem às pressões do mercado e manterem o seu compromisso com a população; sobretudo, as parcelas mais frágeis e vulneráveis. É fundamental que ações multilaterais ousadas para abordar crises globais interconectadas, incluindo dívida, desigualdade e mudanças climáticas, sejam tomadas. De acordo com o relatório, os governo têm sido instados “a se concentrar em investimentos em energia limpa, infraestrutura e setores sociais essenciais, como saúde e educação”, a fim de que haja um desenvolvimento global mais equitativo e sustentável.

Ocorre que o grande desafio do momento seja a crescente demanda industrial por minerais raros, como lítio e cobalto. Em razão do alto desenvolvimento tecnológico, promovido pela Revolução industrial 4.0, “Para países em desenvolvimento ricos em recursos, esses minerais oferecem potencial de crescimento, criação de empregos e aumento de receitas para acelerar o progresso em direção aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, o relatório alerta que a má governança, práticas trabalhistas inseguras e degradação ambiental podem prejudicar os benefícios a longo prazo e agravar as desigualdades”. E a história já mostrou como se comporta a cobiça dos mercados, diante das novidades, e quais as consequências nefastas resultam disso.  

Assim, façamos uma reflexão profunda a respeito do que acontece no planeta e repercute em nossas vidas cotidianas. Como tão bem manifestou Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, “O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”.  Por isso, muita atenção às nossas próprias práxis; afinal, “A espécie humana e a economia global podem muito bem continuar crescendo, mas muito mais indivíduos passam fome e privação” (Yuval Noah Harari).