sexta-feira, 27 de junho de 2025

O melancólico fim dos “Salvadores da Pátria” diante da contemporaneidade


O melancólico fim dos “Salvadores da Pátria” diante da contemporaneidade

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Há um provérbio que diz, “há males que vêm para o bem”! Verdade. A derrubada, pelo Congresso Nacional, do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), ao menos em tese, deveria expandir nossas fronteiras reflexivas. Afinal de contas, por trás de todo o ranço colonial que vigora no país, incluindo os espaços de poder, há muito mais a ser analisado e discutido.

Para início de conversa, cada cidadão brasileiro deveria fazer um "mea culpa", pela teimosia em insistir na dissociação da realidade. Ora, o tempo foi, é e sempre será fluido, portanto, passível de sofrer inúmeras transformações e rearranjos. De modo que a historicidade cotidiana não permanece a mesma. Não há como.

Sei que costumo tecer muitas considerações sobre a contemporaneidade; mas, faço isso, justamente, pela importância que esse recorte temporal vem exercendo sobre a humanidade, em diferentes aspectos.  Afinal de contas, ele começa na Revolução Francesa (1789) e continua até os dias de hoje. De modo que podemos percebê-lo mais concretamente em razão das grandes transformações sociais, políticas e tecnológicas, incluindo o desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da globalização.

Assim, a realidade brasileira até o início do século XXI nem de longe é a mesma duas décadas depois. As mudanças trazidas pela Revolução Industrial 4.0, tais como a inteligência artificial, a internet das coisas (IoT) e a robótica na produção e em diversos setores, reformulou as relações no mais profundo da estrutura socioeconômica.

Passamos a conviver com a ingerência maciça das redes sociais na dinâmica cotidiana. A precarização do trabalho se acentuou, em razão da tecnologização, ou seja, da utilização e integração tecnológica com o propósito de otimizar processos, melhorar a eficiência e promover inovações. Algo que resultou na aceleração do empobrecimento social; sobretudo, pelo desaparecimento de inúmeras frentes de trabalho.

Acontece que isso não é pouco. Trata-se de mudanças ocorridas em um curto espaço de tempo, de poucas décadas, e de maneira brutal, não oportunizando, à uma imensa parcela da sociedade, uma preparação ideal. Sim, fomos pegos de calças curtas! O que não é de se espantar dada a genuína incapacidade nacional de acompanhar com atenção o que acontece no mundo, além das suas fronteiras. Como se o modelo colonial, ainda em curso, tornasse os assuntos presentes na realidade contemporânea desimportantes.

Mas esse descaso, essa negligência voluntária, não deixam de marcar suas consequências. E a pior delas diz respeito ao sentimento de incerteza, de instabilidade, em relação ao amanhã. Qualquer um que esteja abaixo do topo da pirâmide social brasileira não tem como negar os fatos. As próximas décadas do século XXI tendem a ser cada vez mais desafiadoras, do ponto de vista socioeconômico, em razão das contínuas transformações impostas pelo desenvolvimento científico e tecnológico.

Bem, e se a população brasileira não estava preparada para a nova face da realidade contemporânea, é importante que os gestores públicos e seus asseclas prestem bastante atenção. Para agravar, um bocadinho mais a situação, não se pode esquecer que o mundo está envelhecendo. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o “Número de pessoas com mais de 65 anos deve dobrar até 2050, chegando a 1,6 bilhão; expectativa média de vida também vem subindo; estudo do Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas alerta para a necessidade de investimentos e políticas públicas para atender demandas de um mundo em envelhecimento” 1. Portanto, um contingente populacional que transitará à margem das futuras revoluções industriais, já em curso.  

É nesse sentido, que as discussões em torno das desigualdades socioeconômicas, especialmente, no que diz respeito à distribuição de renda, não é desproporcional e, nem tampouco, absurda. Dados do Relatório Mundial Social de 2025, divulgado pelas Nações Unidas, “revela que mais de 690 milhões de pessoas vivem atualmente em pobreza extrema, sobrevivendo com menos de US$ 2,15 por dia. Além disso, cerca de 2,8 bilhões, mais de um terço da população mundial, vivem com rendas entre US$ 2,15 e US$ 6,85 por dia, o que as torna extremamente vulneráveis a qualquer choque externo, como uma crise econômica ou desastre natural” 2.

E mesmo “Viver com mais de US$ 6,85 por dia não garante segurança econômica. A maioria dos trabalhadores em países de rendas baixa e média está inserida no setor informal, sem garantias de salário justo, proteção social ou estabilidade. Em muitos casos, os trabalhadores permanecem nesse tipo de emprego ao longo de toda vida”.

Enquanto isso, o mesmo relatório mostra que “Desde 1990, a desigualdade de renda aumentou em muitos países, incluindo os mais populosos do mundo, que são China e Índia. Atualmente, os países onde a desigualdade cresceu concentram dois terços da população mundial”. Sem contar que “os 1% mais ricos detêm mais riqueza do que 95% da humanidade”.

Em linhas gerais, isso significa que “A concentração de renda está diretamente ligada à instabilidade social e à erosão da confiança pública”. Aos olhos da população economicamente ativa (PEA), ou seja, a parcela da população de um país que tem idade para trabalhar e está empregada ou procurando emprego, o cenário contemporâneo parece reafirmar uma total insegurança econômica, uma desigualdade persistente e um colapso da confiança social, principalmente, na classe política.

Daí não se poder subestimar e/ou negligenciar o papel das redes sociais, no agravamento desse fenômeno. Apesar do seu potencial de conexão e informação, elas também têm sido palco de desinformação, discurso de ódio e polarização política, comprometendo não só o exercício consciente da cidadania; mas, de uma busca coletiva para o enfrentamento desses grandes desafios globais.

Além disso, em paralelo a todos esses movimentos e acontecimentos, no caso brasileiro, não se pode esquecer de analisar o papel do Legislativo Federal, a partir do início do século XXI. A mesma postura tomada pelo Congresso Nacional, recentemente, em relação ao IOF, trouxe prejuízos imensos à população brasileira, em inúmeras outras vezes, ao longo desse período, e sequer foram devidamente publicizadas.

É preciso frear os impulsos em dissociar a realidade! Gostem ou não, o Brasil está diante do melancólico fim dos “Salvadores da Pátria”, imposto pelas conjunturas contemporâneas. Desse modo, dissociar os fatos em nome de reduzir o desconforto, em relação a uma série de comportamentos inconsistentes e incoerentes, sustentados por crenças e valores distorcidos e equivocados, torna-se uma ameaça, uma verdadeira temeridade à sobrevivência social.  Não adianta fugir, se esconder, desconversar; pois, a realidade atual exige responsabilidade e bom senso, tanto individual quanto coletivo.