domingo, 22 de junho de 2025

O mundo. Seus pedaços. Seus remendos.


O mundo. Seus pedaços. Seus remendos.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não, não adianta negar. Fugir. Se esconder. Desconversar. O cenário atual do mundo, repleto de guerras e conflitos, não deixa dúvidas quanto a um processo de desdemocratização global. Em linhas gerais, isso significa que as correntes de poder, lideradas principalmente pela ultradireita, estão imbuídas em trabalhar a favor da redução de direitos, liberdades e participação popular.

Guerras e conflitos são um prato cheio para essa ideia. Afinal, eles estabelecem um cenário bastante favorável à submissão e ao desalento, por parte de todos aqueles que se encontram abaixo das linhas de poder. Não é à toa que a beligerância vem explodindo de um lugar para outro, sem trégua, sem limites, sem razão.

Na verdade, esse é um processo contextualizado pelas idas e vindas dos ciclos colonizatórios e imperialistas, os quais a historicidade tem muito a revelar. O que importa, diante da conjuntura atual, é entender as razões que levam certos grupos a lançarem mão da desdemocratização como estratagema de manutenção e preservação de poder.

O grande passo dado pela humanidade com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, fracassou nas suas promessas. A começar pelo fato, por exemplo, de que a autorregulação do mercado, sem intervenção estatal, não foi capaz de garantir o bem-estar social. Além disso, os custos sociais e ambientais das atividades econômicas, como poluição e degradação ambiental, mostraram-se inúteis e desproporcionais diante de recursos naturais finitos, os quais a qualquer momento podem causar a paralização dos processos. Assim, busca-se com a deflagração de um estado de beligerância global promover um elevado tensionamento social que submeta a população aos ordenamentos impostos pelas forças de poder.

Algo já conhecido historicamente nos tempos coloniais e/ou imperialistas. Acontece que nesse tipo de geopolítica, em pleno curso, na contemporaneidade, há uma nova sistemática de apropriação indevida do espaço geográfico e, portanto, um rearranjo das fronteiras e limites territoriais, à revelia da soberania dos países. De modo que os ciclos exploratórios, sob diferentes formas e conteúdos, acontece alheia aos parâmetros jurídicos, inclusive, do direito internacional. Essa grave violação de direitos, geralmente através da força militar e com a perda de autonomia da região colonizada, ameaça populações inteiras, no que diz respeito à sua identidade e patrimônio nacional.    

Sem contar que, dentro desse contexto, o papel da desdemocratização busca enfraquecer as instituições locais, estabelecer leis que enfraquecem, de diferentes maneiras, o exercício cidadão, acirrar a desigualdade social e econômica, usar a máquina estatal em favor dos seus interesses privados, e, por fim, causar a erosão completa do Estado de Direito a fim de que as leis existentes sejam aplicadas de forma seletiva ou não sejam respeitadas.

É isso o que está acontecendo no mundo, em pleno século XXI. Para garantir que os processos industriais permaneçam, por mais algum tempo, viáveis e que a acumulação de capitais esteja dentro dos parâmetros esperados pelas elites do poder, esse é o preço que está sendo cobrado da humanidade. Haja vista a escalada de violência e de práxis autoritárias, que vem sendo empregada nas guerras e conflitos, em curso.

Bem, dizia Agustina Bessa-Luís, escritora portuguesa, “As guerras não surgem por motivos econômicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior”. Mas, seja por qual motivo for, a única verdade é que “Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém ganhará a próxima” (Eleanor Roosevelt - Ex-primeira-dama dos Estados Unidos).

Afinal, “Não é a paz que lhe interessa. Eles se preocupam é com a ordem, o regime desse mundo. (...) O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história” (Mia Couto - O Último Voo do Flamingo, 2000). Por essa razão, “Sorte a dos que, deixando de ser humanos, se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas” (Mia Couto - Mulheres de Cinza, 2015).