segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Bene! Loro vinsero! Ma non è tutto!


Bene! Loro vinsero! Ma non è tutto!

 

Por Alessandra Leles Rocha  

 

Não se anime a direita brasileira (e seus matizes) com a vitória de seus fraternos italianos 1! Não se pode equiparar realidades tão distintas! A começar por sua forma de governo, que é uma república parlamentar, e nos últimos anos tem mostrado a sua dificuldade de manter seus primeiros-ministros à frente da governança por muito tempo.

Além disso, por lá, o voto não é obrigatório. De modo que a alta taxa de abstenção ocorrida nesse pleito teve um papel importante na escolha do parlamento; posto que, não é o povo quem escolhe o premiê. Os eleitores votam nos partidos e a legenda ou coligação com mais cadeiras no parlamento indica o primeiro-ministro. O que, dessa vez, pode apontar, inclusive, para uma mulher. Algo inédito na história italiana.

Assim, o que talvez possa pegar carona nesse entusiasmo italiano, num primeiro momento, seja o fato de que, tanto aqui quanto lá, há um movimento conservador enraizado no inconsciente coletivo. Traduzindo em miúdos, esse conservadorismo visa fazer uma oposição ferrenha a certas pautas, tais como direitos LGBTQIA+, aborto, imigração e refugiados.

Acontece que o cenário global não está muito disposto a esse tipo de arroubo ideológico da direita. Considerando que o mundo já vive sob uma atmosfera de tensão beligerante por conta da guerra desencadeada pela Rússia ao invadir a Ucrânia, acrescida da presença de inúmeras doenças virais circulantes na população e de constantes eventos extremos climáticos, os movimentos da direita tendem a ser duramente rechaçados.

Portanto, a vitória da direita italiana não acena dias de calmaria e sucesso retumbante. Não bastam seus discursos inflamados, nem suas ideias extremistas; pois, a governança está totalmente condicionada a um ajustamento imposto pela própria União Europeia, a qual fazem parte desde 2004. O que significa que não há espaços para mais tensões, mais medidas afrontosas ao espírito coletivo, ou quaisquer desrespeitos aos limites de convivência e coexistência pacíficos.

Dito isso, é hora de olhar para as conjunturas brasileiras, então, sem idealizações ou delírios. A atual gestão, que chegou fazendo o discurso outsider, de uma nova proposta política, provou ser a velha direita de sempre, sem tirar e nem por. O pior de tudo, nem esteve a cargo exclusivo das pautas conservadoras; mas, do próprio aprofundamento das crises socioeconômicas que o país já vinha enfrentando e foram acirradas, ainda mais, pela sua ineficiência diante da pandemia do Sars-Cov-2.

Então, essa memória recente está muito clara na mente da grande massa da população, que sentiu (e sente) na pele as consequências e os desdobramentos desse período. Tanto que as pesquisas eleitorais não deixam dúvidas sobre o quão ávidas essas pessoas estão por uma mudança efetivamente positiva, afastando, assim, a possibilidade de um índice de abstenção significativo para afetar o resultado da eleição.  

Além disso, vamos e convenhamos, que aqui no Brasil o conservadorismo proposto pela direita funciona dentro de um oportunismo que não deixa dúvidas quanto à sua capacidade de flexibilização. Conservadores, pero no mucho! Tanto que eles se contradizem na maior desfaçatez. São tantos pesos e medidas que a credibilidade dos discursos e das narrativas acabam escorrendo pelo ralo.

No frigir dos ovos, o amadorismo da direita brasileira se mostra visivelmente um fator limitante para os seus próprios projetos de poder. Tanto que é possível dizer o seguinte, “Todos amam o poder, mesmo que não saibam o que fazer com ele” (Benjamin Disraeli). Não é à toa que nenhuma de suas propostas para os diversos campos da gestão pública se sustentaram e floresceram, nesses quatro anos, aprofundando o desperdício de tempo e de recursos financeiros sem que algo prosperasse realmente. E se o mundo não está para isso, o que dirá o Brasil!

Sim, porque o que se fala até aqui, antes do pleito eleitoral, sobre a realidade socioeconômica brasileira está atravessado por incertezas e expectativas difíceis, inclusive, de projetar. De modo que a volatilidade estatística cria uma atmosfera de incertezas sobre os próximos meses e anos, que merece total atenção. Nem tudo são flores! Nem tudo é sucesso! A fragilidade dos cenários nacional e internacional pode culminar em um caos ainda mais complexo.

Sendo assim, não se deixe enganar pela euforia da direita brasileira. Nem tudo é motivo de festa! Entenda, “O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é que os homens se tornem autômatos” (Erich Fromm), e é justamente isso o que se esconde nas entrelinhas do pensamento da direita (e seus matizes).

No caso brasileiro, em específico, ela quer acreditar que surfando na onda alheia, possa se disseminar no país como rastilho de pólvora e controlar as pessoas pela força do seu poder. Mas, como escreveu Fernando Pessoa, “Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer” 2 



2 SOARES, B. (semi-heterônimo de Fernando Pessoa). Livro do Desassossego. Lisboa: Ática, 1982. 364p.

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