sábado, 24 de setembro de 2022

O discurso do medo


O discurso do medo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em quaisquer situações da vida, atacar o outro é sempre o discurso do derrotado. Na incapacidade dialógica, na fragilidade argumentativa, o que resta para aquele que não tem o que mostrar ou o que dizer de consistente e real é sempre a fúria descompensada, a verborragia incontrolável.

Acontece que nada disso muda os fatos. Se fulano ou beltrano vai admitir ou não a realidade, no fim das contas, isso é pouco relevante para a percepção do espectador. O veredito da análise está nas mãos deste ser que observa, que vive, que é afetado e atravessado pela dinâmica do cotidiano. Para ele a realidade não pode ser relativizada a bel prazer, só porque alguém assim o deseja.

Portanto, é triste ver o Brasil mergulhando cada vez mais fundo em um mar de constrangimentos e vergonhas desnecessárias. Perdeu-se o básico que é a dignidade, pelo simples capricho de bater o pé para sustentar opiniões totalmente despropositadas, que não levam nada a lugar algum.

Não se mede uma nação pelo recorte de seu estrato social mais privilegiado. Nação é o coletivo. E é por isso que não dá para esconder ou invisibilizar a dimensão das desigualdades. Elas pesam no processo de desenvolvimento, de progresso, de inovação, como uma trava que não permite avançar na direção e na velocidade desejadas, porque há um flagrante desalinhamento das engrenagens. Daí a impossibilidade de tampar o sol com uma peneira!

Agressões, ofensas, calúnias, difamações, não eximem quem as pratica das suas responsabilidades cidadãs. Se o cenário não é o desejado, se as conjunturas contrariam os interesses, a resposta pode ser resumida por uma inação voluntária. Pois é, não quiseram pensar, não quiseram planejar, não quiseram fazer, não quiseram cumprir suas responsabilidades ... Como esperar um resultado diferente?   

Conhecido mundialmente como o “país do jeitinho”, o Brasil agora percebe que não há jeitinho para sair desse imbróglio. Que as malandragens, as safadezas, as práxis nada ortodoxas, um dia batem à porta cobrando a conta. Não há tapete na história que consiga esconder todos os malfeitos, que torne invisíveis as incompetências e as inabilidades! Só Deus para escrever certo por linhas tortas! Na gestão pública o que começa torto vai torto até o fim.

Acontece que esse entendimento frustra uns e outros por aí. Sobretudo, porque em tempos contemporâneos, quando os indivíduos são levados a acreditar que não são regidos por limites, que a liberdade está a seu serviço, desejos são elevados a condição de ordem. As pessoas desaprenderam a aceitar o não, a conviver com as impossibilidades, o que as leva a manifestar a barbárie reprimida, como forma de impor suas vontades e quereres.

O resultado disso é um menu de violências variadas que aprofunda o isolamento do país, inclusive no campo internacional. O Brasil não está se dando conta de que está sendo soterrado por camadas e camadas de vexames, que comprometem a solidez e a credibilidade de quaisquer discursos e narrativas que pretenda empreender. E ainda querem brigar? Querem criar confusão? Querem elevar a tensão social?  

Sim, porque “Uma das grandes ironias de como as democracias morrem é que a própria defesa da democracia é muitas vezes usada como pretexto para a sua subversão. Aspirantes a autocratas costumam usar crises econômicas, desastres naturais e, sobretudo, ameaças à segurança – guerras, insurreições armadas ou ataques terroristas – para justificar medidas antidemocráticas” (Steven Levitsky – Como as democracias morrem, 2018). Daí a presença da violência em suas mais diferentes formas e conteúdos.

Assim, quando se percebe e se verbaliza os riscos para a Democracia é preciso ter, também, em mente que a existência social está ameaçada. Na medida em que as retaliações político-econômicas internacionais aos que se inclinam para a antidemocracia recrudesce as desigualdades a um nível de indignidade insuportável para a população.

Há, portanto, uma ruptura drástica com o modelo de vida que se desfruta sem que haja uma preparação e/ou uma aceitação por parte das pessoas. A vida delas é virada de cabeça para baixo num piscar de olhos. Quem já assistiu ao filme A Lista de Schindler (1993) ou O Pianista (2003) tem a dimensão do que estou me referindo. A identidade individual é subtraída de maneira brutal e perversa para a construção de uma identidade coletivamente homogeneizada, segundo os interesses de que detém o poder.

Não é à toa que, a cada dia mais, a política de desestabilização social pelo medo tenta se disseminar pelo mundo, inclusive no Brasil. Como escreveu Nicolau Maquiavel, em O Príncipe (1532), “Os homens hesitam menos em ofender quem se faz amar do que em ofender quem se faz temer; porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação que, por serem homens pérfidos, é rompido por qualquer ocasião em benefício próprio; mas, o temor é mantido por um medo de punição que não abandona jamais”.

E é dessa forma, então, que “Os cidadãos muitas vezes demoram a compreender que sua democracia está sendo desmantelada – mesmo que isso esteja acontecendo bem debaixo do seu nariz” (Steven Levitsky – Como as democracias morrem, 2018). Assim, não se esqueça; sobretudo, agora, em tempos de eleição, que “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente” (Martin Luther King Jr.).


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