sexta-feira, 28 de maio de 2021

Bem mais do que simples hipocondria...


Bem mais do que simples hipocondria...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Desde que a Pandemia foi declarada, quem não desejou por uma solução rápida e milagrosa? A questão é que solucionar os impactos advindos de uma doença não é, tão simples, assim. Não é à toa que a Ciência tem se debruçado ininterruptamente sobre o assunto, a fim de elucidar as linhas e as entrelinhas desse inimigo viral e possibilitar melhores estratégias de prevenção e mitigação de sua ação patogênica.

Entretanto, vivendo sob os ares da contemporaneidade, as pessoas têm pressa o tempo todo, tornando a vida um labirinto da fugacidade. De modo que se tornam alvos fáceis de atalhos incertos, de promessas vãs, de respostas vazias, de credulidades infantis, ... só para satisfazer o seu desejo imediato, para não frustrar as suas expectativas. Entre a solução efetiva e uma desculpa qualquer; mas, que tenha potencial de ser mais rápida, as pessoas optam pela segunda opção, sem pestanejar.

Isso porque pensar, refletir, ponderar, criticizar, tornaram-se atos demasiadamente cansativos, diante da velocidade assumida pelo cotidiano. Razão pela qual é cada vez mais comum perceber como a sociedade abdica do seu protagonismo intelectual, para se permitir conduzir pelo “efeito manada” circulante no momento. Tornando, então, as supostas “soluções mágicas” um mecanismo de regra e não de exceção.

Entendido, então, o porquê de a Ciência estar perdendo espaço para o charlatanismo de ocasião? Por mais dedicada e devotada na busca por respostas e soluções, a Ciência é escrava do tempo. Um meio de cultura não vai se desenvolver mais rápido por conta da vontade de ninguém. Nenhum organismo vai responder a um experimento abaixo do prazo esperado, porque alguém quer que seja assim.

Na ciência, tudo tem o seu tempo e tentar romper essa lógica é assumir a opção pelo fracasso de uma resposta inconsistente e/ou equivocada. Afinal, por mais que ela tenha se desenvolvido do ponto de vista tecnológico, há premissas cientificas que não permitem inovações. Aquilo que é de caráter biológico funciona dentro de padrões existenciais próprios. E se estamos diante de um agente infectocontagioso desconhecido, como imaginar que é possível interferir no seu comportamento e na sua biodinâmica?

Por isso, o que milhares de brasileiros e brasileiras assistem em relação a disseminação de Fake News sobre a COVID-19 é fruto de um mundo que rodopia ao interesse do capital, de modo que o tempo desafia a paciência e a tolerância humana. A única maneira, então, de romper com esse “obstáculo” é encontrar vozes que referendem soluções ajustadas a esse interesse. Soluções que não transitam pelos caminhos da Ciência. Que não se respaldam por métodos e técnicas já consagradas. Que não se limitam pelas observações éticas da comunidade científica. 

Além disso, não se pode esquecer que as soluções científicas demandam investimentos elevados, os quais, nem sempre, são de interesse dos governos. Daí as tais “soluções mágicas” virem acompanhadas de custos, geralmente, módicos ou abaixo do mercado. O que resulta no velho provérbio, “matar dois coelhos de uma cajadada só”. Ao agir assim, o governo tenta apenas construir uma imagem de atitude e comprometimento em fazer, em tentar solucionar; mesmo ciente de que, tal (is) medida (s), é (são) inócua (s).

É exatamente isso que tem ocorrido no Brasil. Há uma insistente promoção de tratamentos preventivos (ou precoces) para COVID-19 – Hidroxicloroquina/cloroquina, Azitromicina e Ivermectina. O uso dessas medicações para a doença já demonstrou total ineficácia, segundo estudos desenvolvidos pela comunidade científica de maior relevância no Brasil e no exterior, incluindo a própria Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, tendo em vista o baixo quantitativo de vacinas disponíveis pelo governo brasileiro, para a imunização da sua população, e a lentidão do processo, a vulnerabilidade das pessoas faz com que tentem se apegar em alguma coisa, como uma boia de salvação; visto que, a doença já sinaliza um terceiro movimento de recrudescimento de transmissão.

Acontece que, o fato dessas medicações serem ineficazes para a COVID-19, não significa que não possam causar efeitos colaterais no ser humano, que variam de leves a gravíssimos. No caso da Azitromicina, por exemplo, que é um antibiótico, o uso desnecessário contribui para promover o desenvolvimento de mecanismo de resistência e adaptação. Isso significa que o antibiótico, normalmente usado no tratamento especifico de doenças bacterianas, passa a não ser mais eficaz, tornando o combate à infecção mais complexo e demorado, inclusive, podendo agravar o quadro clínico do paciente. 

Do mesmo modo, a Cloroquina/Hidroxicloroquina e a Ivermectina trazem em suas respectivas bulas farmacêuticas informações sobre efeitos colaterais, os quais não podem ser desprezados ou negligenciados pela população, dada a eventual gravidade de sua manifestação no indivíduo. Como nenhum ser humano dispõe de conhecimento prévio completo sobre a sua bioquímica e imunofisiologia corporal, a susceptibilidade as reações adversas aos medicamentos é uma roleta-russa, que pode matar.

É preciso cuidado com essa corrente hipocondríaca pandêmica, que leva a sociedade ao absurdo, pelo medo excessivo de que a COVID-19 possa ameaçar sua vida. Afinal, ela envolve com uma teia tão hipnotizante, que as pessoas deixam de perceber que o limite entre viver e morrer não está definido pelo vírus; mas, pelas ações (ou a carência delas) por parte dos governos.

Se há uma corrida por uma solução milagrosa, na fórmula de pílulas ou comprimidos, é porque alguém insiste na defesa tremulante da ineficiência e da insuficiência. Não investiu em vacinas para todos. Não se empenhou em medidas profiláticas simples (higienizar bem as mãos, usar máscara e álcool em gel, manter distanciamento uns dos outros). Não pensou em políticas públicas emergenciais que garantissem efetivamente a dignidade humana. 

Assim, se essa hipocondria voraz resiste é porque, no fundo, as pessoas de alguma forma se convenceram de que não há esperança de uma solução; sobretudo, rápida, por parte das autoridades.  De modo que qualquer fiapo de sobrevivência, significa simplesmente que “Depois da tristeza vem a alegria; depois da alegria vem a tristeza. Estamos sempre na instabilidade, entre a esperança e o medo” (John Owen – teólogo do século XVII), como interessa aos jogos de poder do mundo, os quais o ser humano é só uma peça no tabuleiro.