Bem
mais do que simples hipocondria...
Por
Alessandra Leles Rocha
Desde que a Pandemia foi
declarada, quem não desejou por uma solução rápida e milagrosa? A questão é que
solucionar os impactos advindos de uma doença não é, tão simples, assim. Não é
à toa que a Ciência tem se debruçado ininterruptamente sobre o assunto, a fim
de elucidar as linhas e as entrelinhas desse inimigo viral e possibilitar
melhores estratégias de prevenção e mitigação de sua ação patogênica.
Entretanto, vivendo sob os ares
da contemporaneidade, as pessoas têm pressa o tempo todo, tornando a vida um
labirinto da fugacidade. De modo que se tornam alvos fáceis de atalhos
incertos, de promessas vãs, de respostas vazias, de credulidades infantis, ...
só para satisfazer o seu desejo imediato, para não frustrar as suas
expectativas. Entre a solução efetiva e uma desculpa qualquer; mas, que tenha
potencial de ser mais rápida, as pessoas optam pela segunda opção, sem
pestanejar.
Isso porque pensar, refletir,
ponderar, criticizar, tornaram-se atos demasiadamente cansativos, diante da
velocidade assumida pelo cotidiano. Razão pela qual é cada vez mais comum
perceber como a sociedade abdica do seu protagonismo intelectual, para se
permitir conduzir pelo “efeito manada”
circulante no momento. Tornando, então, as supostas “soluções mágicas” um mecanismo de regra e não de exceção.
Entendido, então, o porquê de a
Ciência estar perdendo espaço para o charlatanismo de ocasião? Por mais
dedicada e devotada na busca por respostas e soluções, a Ciência é escrava do
tempo. Um meio de cultura não vai se desenvolver mais rápido por conta da
vontade de ninguém. Nenhum organismo vai responder a um experimento abaixo do
prazo esperado, porque alguém quer que seja assim.
Na ciência, tudo tem o seu tempo
e tentar romper essa lógica é assumir a opção pelo fracasso de uma resposta
inconsistente e/ou equivocada. Afinal, por mais que ela tenha se desenvolvido
do ponto de vista tecnológico, há premissas cientificas que não permitem
inovações. Aquilo que é de caráter biológico funciona dentro de padrões existenciais
próprios. E se estamos diante de um agente infectocontagioso desconhecido, como
imaginar que é possível interferir no seu comportamento e na sua biodinâmica?
Por isso, o que milhares de
brasileiros e brasileiras assistem em relação a disseminação de Fake News sobre a COVID-19 é fruto de um
mundo que rodopia ao interesse do capital, de modo que o tempo desafia a
paciência e a tolerância humana. A única maneira, então, de romper com esse “obstáculo” é encontrar vozes que
referendem soluções ajustadas a esse interesse. Soluções que não transitam
pelos caminhos da Ciência. Que não se respaldam por métodos e técnicas já
consagradas. Que não se limitam pelas observações éticas da comunidade
científica.
Além disso, não se pode esquecer
que as soluções científicas demandam investimentos elevados, os quais, nem
sempre, são de interesse dos governos. Daí as tais “soluções mágicas” virem acompanhadas de custos, geralmente,
módicos ou abaixo do mercado. O que resulta no velho provérbio, “matar dois coelhos de uma cajadada só”.
Ao agir assim, o governo tenta apenas construir uma imagem de atitude e
comprometimento em fazer, em tentar solucionar; mesmo ciente de que, tal (is)
medida (s), é (são) inócua (s).
É exatamente isso que tem
ocorrido no Brasil. Há uma insistente promoção de tratamentos preventivos (ou
precoces) para COVID-19 – Hidroxicloroquina/cloroquina, Azitromicina e
Ivermectina. O uso dessas medicações para a doença já demonstrou total
ineficácia, segundo estudos desenvolvidos pela comunidade científica de maior
relevância no Brasil e no exterior, incluindo a própria Organização Mundial da
Saúde (OMS). No entanto, tendo em vista o baixo quantitativo de vacinas
disponíveis pelo governo brasileiro, para a imunização da sua população, e a
lentidão do processo, a vulnerabilidade das pessoas faz com que tentem se
apegar em alguma coisa, como uma boia de salvação; visto que, a doença já
sinaliza um terceiro movimento de recrudescimento de transmissão.
Acontece que, o fato dessas
medicações serem ineficazes para a COVID-19, não significa que não possam
causar efeitos colaterais no ser humano, que variam de leves a gravíssimos. No
caso da Azitromicina, por exemplo, que é um antibiótico, o uso desnecessário contribui
para promover o desenvolvimento de mecanismo de resistência e adaptação. Isso
significa que o antibiótico, normalmente usado no tratamento especifico de
doenças bacterianas, passa a não ser mais eficaz, tornando o combate à infecção
mais complexo e demorado, inclusive, podendo agravar o quadro clínico do
paciente.
Do mesmo modo, a
Cloroquina/Hidroxicloroquina e a Ivermectina trazem em suas respectivas bulas
farmacêuticas informações sobre efeitos colaterais, os quais não podem ser
desprezados ou negligenciados pela população, dada a eventual gravidade de sua
manifestação no indivíduo. Como nenhum ser humano dispõe de conhecimento prévio
completo sobre a sua bioquímica e imunofisiologia corporal, a susceptibilidade
as reações adversas aos medicamentos é uma roleta-russa, que pode matar.
É preciso cuidado com essa
corrente hipocondríaca pandêmica, que leva a sociedade ao absurdo, pelo medo
excessivo de que a COVID-19 possa ameaçar sua vida. Afinal, ela envolve com uma
teia tão hipnotizante, que as pessoas deixam de perceber que o limite entre
viver e morrer não está definido pelo vírus; mas, pelas ações (ou a carência
delas) por parte dos governos.
Se há uma corrida por uma solução
milagrosa, na fórmula de pílulas ou comprimidos, é porque alguém insiste na
defesa tremulante da ineficiência e da insuficiência. Não investiu em vacinas
para todos. Não se empenhou em medidas profiláticas simples (higienizar bem as
mãos, usar máscara e álcool em gel, manter distanciamento uns dos outros). Não
pensou em políticas públicas emergenciais que garantissem efetivamente a
dignidade humana.
Assim, se essa hipocondria voraz resiste é porque, no fundo, as pessoas de alguma forma se convenceram de que não há esperança de uma solução; sobretudo, rápida, por parte das autoridades. De modo que qualquer fiapo de sobrevivência, significa simplesmente que “Depois da tristeza vem a alegria; depois da alegria vem a tristeza. Estamos sempre na instabilidade, entre a esperança e o medo” (John Owen – teólogo do século XVII), como interessa aos jogos de poder do mundo, os quais o ser humano é só uma peça no tabuleiro.