quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Sob tensão...


Sob tensão...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Diferentes veículos de comunicação e de informação vieram trazendo, nas últimas semanas, análises em torno das tensões que se estabeleceram entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), por conta de assuntos sensíveis e complexos, os quais esbarram alguns, na chamada pauta de costumes, ardorosamente defendidos pelos simpatizantes da ultradireita nacional.

Bem, fico na dúvida se o caso é estritamente criar ruídos que lancem os holofotes sobre os congressistas, dando-lhes maior visibilidade à sua necessidade midiática, ou se é uma estratégia oportunista para se desviarem dos assuntos realmente prioritários e relevantes ao país, obstaculizando o atual governo. Mas, seja qual for o motivo, fato é que tais rusgas não fazem qualquer sentido.

Lamento discordar, mas é natural das relações sociais que na presença de certos vácuos criados, haja quem se prontifique a ocupar o espaço deixado. E é isso o que tem acontecido em relação ao STF. Não, a Suprema Corte brasileira não está legislando como dizem muitos, por aí. Para que não restem dúvidas, o Judiciário exerce seu papel na medida em que é provocado a analisar um caso que chega às suas mãos, a fim de determinar se está em concordância ou não com os parâmetros legais do país.

E se isso tem ocorrido amiúde, com uma frequência maior do que a esperada, há de se buscar entender as razões, o que pesa bastante, o fato de que talvez os outros poderes não estejam atuando alinhados ao que determinam suas respectivas competências. Pois é, fala-se muito da judicialização no país; mas, ela é fruto das lacunas deixadas voluntariamente, ou não, pelos demais poderes da República.

De modo que, a cada vez que o Legislativo ou o Executivo se omitem ou extrapolam nas suas competências, se torna inevitável que o STF seja provocado a deliberar sobre o assunto. O que significa que não é o Judiciário que busca a judicialização pelas próprias mãos. Muito pelo contrário, porque esse processo fomenta o acúmulo de trabalho nas esferas da justiça, na medida em que esta precisa arbitrar o tempo todo sobre questões que poderiam, na maioria das vezes, serem resolvidas de maneira conscienciosa pelas partes.

Mas, é nesse ponto que se percebe como a judicialização se transformou em um estratagema oportunista. O tempo de espera posterga a decisão. Quantas pessoas já vieram a falecer aguardando por uma decisão judicial no Brasil? Esse mecanismo de colocar em suspenso um assunto importante a fim, talvez, de fazê-lo cair no esquecimento, é muito cruel. Porque muitas vezes impõe obstáculos ao exercício do direito cidadão já constitucionalmente assegurado.

E aí, olhando com mais atenção para esse viés totalmente non sense, a situação se esclarece. O incômodo que o STF causa a essa ala congressista simpatizante da ultradireita vai muito além da pauta de costumes. Para muitos desses indivíduos, o STF representa uma ameaça concreta ao seu ideário necropolítico, ou seja, o “uso do poder político e social, especialmente por parte do Estado, de forma a determinar, por meio de ações ou omissões (gerando condições de risco para alguns grupos ou setores da sociedade, em contextos de desigualdade, em zonas de exclusão e violência, em condições de vida precárias, por exemplo), quem pode permanecer vivo ou deve morrer” 1.

É dentro desse pensamento que estão as chamadas pautas de costume, as quais, na verdade, não tratam de costumes; mas, de direitos. É isso mesmo! Igualdade de gênero. Igualdade racial. Direitos LGBTQIA+. Direitos civis. Direitos sexuais e reprodutivos. Reconhecimento da diversidade. Direitos humanos. É preciso entender que as raízes da necropolítica se encontram no histórico colonial brasileiro, nesse modo de organização e relação social que vem vigorando pela força do poder das elites, ao longo desses pouco mais de 500 anos. Portanto, há um interesse claro na preservação e manutenção das regalias e dos privilégios daqueles que sempre detiveram os poderes no país.

Sendo assim, considerando que a Constituição Federal vigente é conhecida como Constituição Cidadã, ela manifesta uma oposição clara à necropolítica. E como o STF é o guardião da Lei Magna, então, ele também faz oposição a tal conceito. Daí os ataques, as tensões, as disputas, que vêm se estabelecendo. O curioso é que ao se sentir incomodado, o Congresso Nacional, nas suas próprias atitudes, acaba provocando a deliberação do STF a respeito desses assuntos, gerando um ciclo sem fim. Afinal de contas, o Congresso não é uma representação homogênea, de modo que a existência de divergências internas sempre acaba deflagrando uma provocação ao STF. Aí, uma vez provocado, o STF não pode se omitir sob pena de prevaricação.  

Portanto, esse é o cenário. Mais uma vez, o país está assistindo a um ataque ao Estado de Direito, à Constituição Federal, à Democracia, ou seja, ao STF. Quaisquer que sejam os recortes históricos, nos quais a ultradireita se faça presente, se verifica o quão difícil é para esses indivíduos existir em um mundo organizado diferentemente da sua idealização. Por isso, eles vivem sob constante beligerância, insubordinação, desrespeito, rebeldia, desobediência, tentando a qualquer custo fazer a sociedade se curvar aos seus objetivos e interesses.  

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Um dia importante..


Um dia importante...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Um dia importante para a reafirmação da cidadania dos povos originários brasileiros. Fazendo jus ao que já estabelecia a Constituição Federal de 1988, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), expressa por 9 votos a 2, considerou inválida a tese do marco temporal, a qual dizia que os indígenas só teriam direito as terras por eles ocupadas no dia em que a Carta Magna vigente foi promulgada 1.

Mas, se a celebração é legítima e oportuna, por outro lado ela traz reflexões que não podem passar despercebidas. O simples fato de ter sido necessário chegar ao STF uma questão já constitucionalizada, só aconteceu por um flagrante descompromisso estatal histórico, em relação à demarcação dos territórios dos povos originários.   

O ranço do pensamento retrógrado colonial perpetuado ao longo dos séculos de existência do país, sempre colocou obstáculos para a devida apropriação da cidadania pelos povos indígenas. E sua cidadania se faz fundamentalmente a partir do espaço geográfico que sempre ocuparam.

Mas, por força da arbitrariedade do capital, foram desapropriados brutalmente das suas raízes e tratados como cidadãos de última classe, subordinados às eventuais beneficências oferecidas pelo Estado.

Sim, eles experimentaram todo o tipo de negligência, de desrespeito, de espoliação, por parte daqueles que não se abstiveram de perpetuar os valores, as crenças e os costumes eurocêntricos herdados.

Razão pela qual, tantas tribos foram dizimadas, ao longo da história brasileira, fazendo desaparecer o registro das suas organizações sociais, dos seus costumes, das suas línguas, das suas crenças e das suas tradições.

O que se traduziu em um imenso empobrecimento sociocultural para a construção da verdadeira identidade nacional, a qual ficou repleta de lacunas e muita desinformação.

Satisfeita, então, a necessidade de manifestar a voz da lei maior do país sobre o fato de que “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” (§2º, art. 231, CF. de 1988), paira a dúvida de como irão se comportar aqueles que discordam abertamente do que manifesta o texto constitucional, na defesa dos direitos dos povos originários.

Porque, apesar de a Constituição Federal conter em si mesma um caráter pedagógico de orientação da sociedade, nenhuma lei é capaz de efetivamente desconstruir certos paradigmas ideológicos, muitas vezes, impregnados no inconsciente coletivo.

Haja vista a condição do próprio sistema prisional brasileiro. Desconsiderando-se as falhas, os equívocos, os enviesamentos e as tendenciosidades, presentes no cumprimento do sistema jurídico nacional, grande parte dos prisioneiros chegam a essa condição pelas mãos da sua transgressão deliberada das leis.  

De modo que, se a decisão protege o espaço geográfico dos povos originários, ela não garante que a União conseguirá efetivamente proteger e fazer respeitar os seus bens e direitos.  Basta lembrar, por exemplo, que há três dias uma “Líder religiosa e seu marido foram mortos em aldeia indígena de MS” 2.

Infelizmente, o homem branco brasileiro, do século XXI, carrega consigo o mesmo discurso colonialista que vigorou entre os séculos XVI e XIX, no país. E esse pensamento não tende a mudar, tendo em vista a força dos interesses econômicos.

Basta observar que todas as discussões em torno da sustentabilidade socioambiental, das ameaças dos eventos extremos do clima, dos impactos da escassez hídrica, da importância dos povos originários para o equilíbrio ambiental do planeta, ... nada disso, demove ou condói os negacionistas do meio ambiente, dentre os quais estão os principais lobistas que atuaram a favor do marco temporal. Suas crenças, valores e princípios refletem exatamente o mesmo discurso exploratório e dizimador dos tempos coloniais, sem tirar uma vírgula.

Vamos e convenhamos que não se pode fechar os olhos para o rastro de destruição deixado pelos garimpeiros nas terras Yanomamis. Os rios da Amazônia foram sim, contaminados pelo mercúrio. O que levou a um efeito cascata nocivo sobre os indígenas, os ribeirinhos, o solo, a fauna e a flora.

E não se sabe se, algum dia, a região será efetivamente recuperada dessa violenta ação antrópica.  Mas, esse é só um exemplo dentre várias violências ambientais cometidas na região e que culminaram na morte de muitos indígenas.

É por essas e por outras, então, que é fundamental que o Estado brasileiro se pronuncie a respeito das medidas que pretende tomar, no sentido de garantir a sobrevivência, a dignidade e a cidadania dos povos originários, nos espaços geográficos do território nacional onde eles se encontram. 

Se nos centros urbanos já é possível mensurar a desigualdade de forças diante da violência, imagina para os povos indígenas? Eles são a parte mais vulnerável da história, pesando contra eles um poder capital imenso, oriundo de grileiros, garimpeiros, madeireiros e traficantes.

Isso significa que eles não podem ser abandonados, desamparados, expostos, mais uma vez, pelas instituições e estruturas de poder brasileiras.  Nenhum ser humano sobrevive sem segurança, sem proteção.

Diante do cenário apocalíptico do século XXI, não é possível aceitar que se permita repetir os velhos massacres humanos do passado. A raça humana já tem desafios demais para se digladiar contra a própria espécie. Basta observar que “Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre” (Ailton Krenak).

Portanto, o que melhor sintetiza o dia de hoje e move o exercício da nossa reflexão, vem das palavras de Martin Luther King Jr., quando disse “Suba o primeiro degrau com fé. Não é necessário que você veja toda a escada. Apenas dê o primeiro passo”.

Que a sociedade brasileira, então, esteja preparada para os próximos, porque “Não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não fazê-lo. Que tal mudarmos o mundo começando por nós mesmos?” (Martin Luther King Jr.).

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Uma responsabilidade a se compartilhar...


Uma responsabilidade a se compartilhar...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lamento, mas o recente caso dos estudantes de Medicina expulsos de uma universidade paulista 1, por conta de atos constrangedores e criminosos, não diz respeito somente a eles. O que foi escancarado pelos veículos de comunicação e de informação diz respeito à flagrante deterioração da civilidade brasileira, que se permitiu fazer vista grossa para as deformidades éticas e morais apresentadas por certos indivíduos; sobretudo, aqueles oriundos das classes mais abastadas.

Não, não se pode negar que o peso histórico do “vale quanto pesa” reina tranquilo, em pleno século XXI, no Brasil.  Infelizmente, a herança maldita imposta pelo poder capital, ou material, é parte da jornada do ser humano sobre a Terra, no sentido de estabelecer a importância de uns em detrimento de outros; bem como, enviesando a justiça de modo ultrajante e a constituir todas as mazelas da desigualdade.

É a partir dessa lógica abjeta que a humanidade convive, muitas vezes, sem dar a devida atenção, com as mais terríveis violências sociais, seja no campo objetivo ou subjetivo. Racismo, Misoginia, Xenofobia, Aporofobia, Etarismo, Homo e transfobia, Intolerância Religiosa, fazem parte de uma paleta de ideias e comportamentos balizadas, principalmente, pelo poder aquisitivo de determinados estratos sociais.

O que uma imensa maioria não percebe é que isso significa destituir o indivíduo da sua potencialidade cognitiva para outorgá-la ao dinheiro ou quaisquer outras riquezas materiais. De modo que se passa a pensar, a agir, a decidir, a conviver, segundo as cifras as quais se dispõe. Nada mais nada menos, do que uma estratificação social estritamente materialista e plenamente desumanizada.

E por quê ninguém fala, discute, problematiza, essa questão? Porque a relação do ser humano com a riqueza é histórica e, nesse sentido, já criou raízes no inconsciente coletivo. Ora, o espaço de vez e voz na sociedade foi apropriado por quem detém o capital.

Portanto, as crenças, os valores, as leis, os costumes, acabam sendo estabelecidos e manipulados por esses indivíduos. Haja vista como as tentativas de estabelecer o contraditório, de ampliar as fronteiras da reflexão e da discursividade, são furiosamente rechaçadas por determinados segmentos.

Aliás, é curioso como esses acontecimentos escandalosos acabam trazendo um viés muito oportuno, no sentido de descortinar as verdades e expor as hipocrisias ao mundo real. Pois é, do silêncio fez-se o espanto! O passaporte da liberdade incondicional, oferecido pelo dinheiro, deixou o conservadorismo e os bons modos nus, literalmente.

Mas, façamos justiça de que eles não ficaram despidos sozinhos. Por mais indigesta que seja a situação, todos fomos obrigados a enxergar como a sociedade e as instituições têm falhado na formação dos futuros profissionais brasileiros.

Não só as universidades; mas, desde cedo, no âmbito educacional. Quando muitos consideram engraçada a velha máxima do “papai pagou, passou”, as consequências, agora, repercutem amargas e fazem todo sentido.

Elas arrastaram para a desonra, o descrédito, o demérito, os autores da infâmia; mas, também, suas famílias, seus professores, o sistema de ensino, as instituições educacionais, e todos aqueles que assistiram silenciosos e omissos ao curso desse processo deplorável.

O problema é que essa omissão, essa negligência, esse descaso, em algum momento vai bater à porta da própria sociedade. Sim, pela inadvertência social permite-se entregar a indivíduos, como esses jovens, um diploma de curso superior, conferindo-lhes o direito de merecer a confiança e a credibilidade no seu exercício profissional.

Ora, e o que é a formação profissional senão a etapa que antecede ao serviço à sociedade! Portanto, o indivíduo não pode estar despido da sua ética e da sua moral para oferecer os seus conhecimentos, as suas práticas, o seu trabalho.  Ou pode?

Apesar de toda a aura histórica que envolve a Medicina, o seu manto de glamour e reverência social, nada disso é suficiente para blindar possíveis críticas e questionamentos. Em algum momento a fragilidade, exposta pela vaidade e pela arrogância de certos profissionais, aponta para a ausência de uma verdadeira competência e habilidade, que não foram devidamente construídas.

Há sim, uma visível crise envolvendo a formação médica no Brasil; mas, que não se resume em si mesma 2. Os recentes acontecimentos não deixam dúvidas de que certas crenças, valores, princípios e convicções, de natureza totalmente materialista, têm amparado e difundido ideologias supremacistas entre futuros e já estabelecidos profissionais da área.

O momento, então, pede uma profunda reflexão não silenciosa. Um mergulho coletivo que esmiuce às origens, não apenas profissionais, mas civilizatórias. É fundamental traçar uma linha do tempo e descobrir onde tamanha degeneração humana se iniciou, para que seja possível buscar soluções a respeito.

Segundo escreveu Albert Camus, “Os flagelos, na verdade, são uma coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós. Houve no mundo igual número de pestes e de guerras. E contudo, as pestes, assim como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas” (A Peste, 1947).

Acontece que a falta de prevenção, nem sempre é fruto do desconhecimento. Na maioria das vezes, ela se dá por omissão, gratuita e voluntária, para não ter que enfrentar os desafios que vislumbram no horizonte. Esse é, portanto, o ponto nevrálgico da reflexão!

Afinal, “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente” (Jiddu Krishnamurti). Especialmente, quando “[...] A doença não é apenas o homem inteiro, mas também a sua alma. Um espírito doente cria um corpo doente, ou um corpo doente cria uma alma doente. Não só a carne e sua doença precisam ser tratadas, mas também a mente” (Taylor Caldwell 3).



terça-feira, 19 de setembro de 2023

O Discurso e a voz do silêncio


O Discurso e a voz do silêncio

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Do ponto de vista da repercussão global, o discurso do Presidente brasileiro na tribuna das Nações Unidas foi preciso, objetivo e contundente. O Brasil não ficou em cima do muro em relação a nenhum assunto, mesmo aqueles potencialmente mais espinhosos. Foi uma reapropriação do protagonismo diplomático nacional em tempos tão delicados e desafiadores.

Portanto, foi uma satisfação assistir a um pronunciamento desapegado da ideia tosca da autopromoção nacional. O que significa que não houve quaisquer pretensões de gastar tempo falando para a bolha interna, inflando possíveis feitos e lustrando o ego do poder. Muito embora, as entrelinhas não tenham deixado escapar lições importantes quanto ao significado da governança contemporânea estar alinhada à realidade.

Bem, os bons observadores devem ter notado a presença dos Presidentes da Câmara e do Senado, na comitiva presidencial brasileira. E chamou sim, a atenção, o semblante do Presidente da Câmara durante o discurso do Presidente da República. Seu desconforto e contrariedade eram visíveis. Daí o pin, com a imagem da Mafalda, acima!

Afinal, além das inúmeras pausas registradas por aplausos consistentes recebidos pelo chefe de estado brasileiro, o teor do seu discurso soava como um brutal choque de realidade à sanha pretenciosa imposta pelo fisiologismo político nacional.

Considerando que, dizem por aí, o Presidente da Câmara não exerce o fisiologismo apenas pela força do hábito fisiologista; mas, por ter consigo pretensões de ascender ao cargo máximo do país, deve ter sido, de fato, difícil aceitar que o mundo não gira pela perspectiva da sua idealização.

Há urgências, emergências, mazelas históricas, demandando solução rápida e efetiva, que não podem mais caber na velha práxis da retórica discursiva inócua. Algo que não se resume a uma percepção do atual Presidente da República brasileiro; mas, de todos os demais chefes de estado ali presentes.   

O que significa claramente que a realidade paralela defendida pelo Presidente da Câmara está, literalmente, isolada da realidade global. Que as chances de sucesso para a sua grande empreitada se esvaem como fumaça, na velocidade da luz.

Porque não bastam as suas pretensões, os seus conchavos, as suas manobras políticas. Sobre o tabuleiro da vida contemporânea agem conjunturas muito maiores, muito mais incontroláveis e imponderáveis, que lançam as politicagens ao poço do fracasso da sua concretização, à revelia de suas vontades e quereres.  

Pois é, a realidade colonial não cabe na realidade contemporânea. O tempo passou. O mundo girou. E todas as tentativas de resistir às mudanças contribuíram negativamente para essa impossibilidade. Simplesmente porque o desenvolvimento e o progresso construíram novas bases sociais juntamente com as mudanças ambientais extremas, colocando as desigualdades históricas em um patamar de insustentabilidade, ou seja, os velhos modelos de governança vigentes estão na iminência de um xeque-mate.

Bem, há um provérbio antigo que diz “Cautela e canja de galinha não faz mal a ninguém”. Enquanto as alas fisiológicas da política nacional deliram na sua ânsia de ocupar os espaços de poder, no padrão “porteira fechada”, a realidade do planeta sinaliza a necessidade de parcimônia, de prudência, diante de uma gigantesca névoa de instabilidade que se condensa no ar. É preciso entender que o poder não é absoluto, ele se relativiza mediante às conjunturas, porque estas são por excelência indomáveis.

Poder não é palavra mágica, não é vara de condão, não resolve tudo. O poder na contemporaneidade exige, cada vez mais, de quem o exerce, a habilidade, a competência e o conhecimento para enfrentar todas as crises e tsunamis que emergirem no horizonte.

Ora, “Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver “(Rubem Alves).

Porque a humanidade está sob o signo do “de repente”. Não há certezas. Não há terra firme. Não há longo prazo. São tempos de desconstruir para reconstruir rápida e conscientemente, pois as circunstâncias estão nos comprimindo sem aviso prévio, sem piedade. Como diz a canção, “[...]E tudo muda, adeus velho mundo / A um segundo tudo estava em paz [...]” 1.

Olhe para o Rio Grande do Sul. Olhe para o Marrocos. Olhe para a Líbia. Olhe para cima. Olhe para baixo. Olhe para frente. Olhe para trás. Olhe para um lado. Olhe para o outro. Olhe ... Olhe para o planeta azul na imensidão do universo e você terá muitas respostas, inclusive, quanto à perspectiva do que realmente importa na vida.   



1 Cuide bem do seu amor (Os Paralamas do Sucesso) - https://www.letras.mus.br/os-paralamas-do-sucesso/63516/ 

Os riscos que corre um país sob o manto da permissividade odiosa


Os riscos que corre um país sob o manto da permissividade odiosa

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma coisa que não cabe definitivamente, a nenhum cidadão brasileiro, após o 8 de janeiro, é colocar no rol da fanfarronice os discursos e os comportamentos do extremismo nacional.

Primeiro, porque não há aleatoriedade despretensiosa neles. Tudo tem método. Segundo, porque eles já apresentaram o seu cartão de visitas. Já sabemos do que são capazes e até onde se permitem ir para alcançar seus propósitos.

Então, qual a surpresa diante das informações obtidas do celular do ex-Ministro da Justiça 1? O problema não está no achado pela Polícia Federal. Na bizarrice repugnante e odiosa das mensagens ali armazenadas.

O problema é pensar que, assim como ele, em torno de 25% do eleitorado brasileiro comunga dos mesmos pensamentos, sentimentos, ideais do ex-Ministro. Portanto, ele não está só. Na verdade, nunca esteve só.

A representação materializada dessa fúria foi o que nutriu as mídias sociais na web e na deep web durante os últimos quatro anos, fortalecendo e fomentando todas as expressões anticidadãs e antidemocráticas que o país e o mundo puderam presenciar.

Então, imagine se todos os celulares e demais equipamentos tecnológicos utilizados pela população fossem periciados?! Talvez, os números e as informações pudessem ser ainda mais chocantes e escandalosos, dado o tempo em que esse movimento veio sendo fermentado na sociedade brasileira.   

E esse é o ponto que merece total atenção. Quando há uma ruptura com os limites da ética e da moral, o país é lançado em uma verdadeira arena de vale-tudo. Afinal, passa-se a tolerar e a institucionalizar quaisquer condutas que desvirtuem, deteriorem, ou desconsiderem, por completo, os parâmetros sociais estabelecidos. Basta que os indivíduos se considerem amparados e protegidos por certos poderes, certas distinções, certas importâncias sociais.

Mas, se engana quem pensa que esse extrapolar ético e moral está restrito às fronteiras político-partidárias. Não. A desfaçatez parece já ter alcançado as graças da legitimidade de um padrão contemporâneo de existência altamente permissivo.

Na última semana, por exemplo, durante os primeiros julgamentos dos réus dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os advogados de defesa transformaram a tribuna em um espetáculo de escárnio, desrespeito e afronta à Corte, desvirtuando-se do exercício da advocacia para uma exposição, deplorável, nas redes sociais.

No entanto, não para por aí. Novas manchetes chegam para construir uma rede de repulsa e reflexão ainda mais consistente. “Prefeito de cidade no RJ defende ‘castrar’ mulheres: ‘É muito filho, cara’” 2. “Alunos de medicina ficam pelados e simulam masturbação durante jogo de vôlei feminino em campeonato universitário em SP” 3.

Se você se sentiu desconfortável diante dessas notícias, saiba que já é um bom começo! Porque não há nada de normal, de banal, de trivial nesses acontecimentos. O ódio que pulsa no Brasil não é um ódio qualquer. Ele não é genuíno da política partidária, como alguns querem fazer parecer. Ele é uma mistura complexa das heranças coloniais mais nefastas com o egoísmo individualista e narcísico presente na contemporaneidade e sustentado pelo poder capital.

Infelizmente, há mais de 500 anos o poder capital funciona no país como o passaporte que legitima todas as permissividades sociais. De modo que o modelo de organização social, desde os tempos coloniais, se mantém o mesmo e reafirma as suas práxis mais abjetas na tentativa de manter tudo como sempre foi, ou seja, na base do vale quanto pesa.

E como se percebe nos casos citados acima, em maior ou em menor escala, há uma resistência corporativista, ou institucional, que transforma a gravidade dos acontecimentos em episódios pontuais, para evitar uma possível reverberação das discussões a respeito e uma mobilização transformadora de velhos paradigmas.

As próprias punições ou responsabilizações que venham a ser aplicadas, já chegam com cara de mera satisfação a ser dada à sociedade; mas, sem o compromisso efetivo com a desconstrução daquele ato inicial. Então, não há mudanças, não há avanços, para o coletivo social.

Por isso a importância de refletir sobre o que está acontecendo bem debaixo do nosso nariz. O país respira em sobressalto sobre quando será a próxima vez. Porque todos os fatos levam a crer que ela vai acontecer sim. O ódio social está sendo fermentado sob diferentes formas, como é possível perceber.

Nas linhas e nas entrelinhas há o ódio político. Mas, há também o ódio misógino. O ódio racista. O ódio aporofóbico. O ódio transfóbico. ... O ódio que nasceu de uma construção necropolítica, nos tempos em que essa nomenclatura ainda nem existia. Mas, é importante entender que ele só resistiu até aqui, porque se transformou em bem de consumo.

Sim, o ódio que é disseminado pelas mídias sociais, em alta concentração, é mercadoria que nutre a insatisfação, o fastio, da sociedade de consumo que busca novidades para entreter e encobrir as suas neuroses, carências e frustrações. O ódio a mantém alerta, engajada, pertencente, e assim, ela não percebe a sua solidão, a sua incompletude, a sua insignificância no mundo.  

Daí a necessidade de enxergar a situação com mais seriedade, com mais responsabilidade. Não basta conter o ódio, se nada for feito para transmutá-lo e retirá-lo dessa condição. É preciso reconhecer que a sociedade contemporânea está doente, no que diz respeito aos seus valores, crenças, princípios, convicções.

Então, sem olhar para o ser humano nesse contexto, sem inverter a sua posição com o ódio na escala de importância, nada do que se fizer vai prosperar. Ao contrário, vai fazer do ódio algo maior, mais beligerante, mais ameaçador do que tem sido até aqui. Já passou da hora de entender quais são os riscos que corre um país sob o manto da permissividade odiosa.  

domingo, 17 de setembro de 2023

Entre ameaças visíveis e invisíveis


Entre ameaças visíveis e invisíveis

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane! As catástrofes ambientais têm muitos lados! As responsabilidades governamentais, os amontoados de escombros, as perdas humanas, os impactos materiais e imateriais, não contam toda a história. Há reverberações silenciosas nesse processo que exigem muita atenção e ações rápidas e eficazes. Me refiro às inúmeras doenças que encontram nesse cenário uma verdadeira porta aberta para sua disseminação.

Por mais esforços que sejam empenhados na limpeza e na sanitização dos espaços, a geografia alterada pelo impacto da devastação oportuniza sim, um estreitamento entre espécies hospedeiras e seres humanos, em razão da própria desorganização da estrutura territorial. De modo que o adoecimento populacional se torna um desafio de grandes proporções dentro do processo de reconstrução.

Diferentemente do recém-vivido processo pandêmico, em que um tipo específico de vírus e suas variantes assolou o planeta até o surgimento de imunobiológicos capazes de combatê-lo, o que se tem em uma situação de catástrofe ambiental é muito mais complexo. Trata-se da possibilidade de ocorrência simultânea de diferentes agentes patogênicos distribuídos pelos espaços geográficos contaminados por efluentes, ou seja, resíduos resultantes das atividades industriais, dos esgotos e das redes pluviais.

Muitos deles já conhecidos da ciência e com resposta terapêutica disponível; mas, quem pode garantir que um agente desconhecido surja no horizonte? Como dito anteriormente, não é só o ser humano que é repentinamente desalojado do seu território. Milhares de outras espécies também são. E muitas delas são hospedeiras e/ou potenciais vetores de doenças. De modo que uma eventual proximidade dessas espécies com os espaços urbanizados se torna um risco epidemiológico.

Sem contar um outro aspecto muito importante, que é o fato de estas doenças poderem afetar simultaneamente as pessoas e comprometer-lhes o quadro clínico, principalmente quando portadoras de doenças preexistentes. A relação entre múltiplas comorbidades e coinfecções gera um quadro extremamente complexo de sintomas e tratamentos, dentro de uma necessidade de equacionar as diferenças a fim de garantir a sobrevivência do indivíduo, considerando um mínimo de efeitos colaterais ou sequelas.

Ora, tudo isso é muito sério! O adoecimento populacional não pode ser colocado no fim da fila das prioridades, em tempos de catástrofes ambientais, sob o risco de que essas doenças acabem sendo elevadas à uma condição epidêmica muito mais grave. É comum ver uma preocupação coletiva em torno do reparo às perdas materiais; mas, a qualidade de vida dos sobreviventes não pode ser negligenciada.

Veja, por exemplo, como a mudança climática tem afetado à Somália, um país localizado no Chifre da África. Embora, a cólera seja uma doença endêmica na região, o país foi atingido “pela maior seca em três décadas, e a reação das pessoas foi migrar para conseguir comida, já que haviam perdido seus meios de subsistência, buscando acesso a serviços básicos para sobreviver e alimentar suas famílias” 1.

Assim, “pelo fato de os imigrantes precisarem compartilhar um espaço pequeno, sem água potável suficiente, sabão ou comida gera um círculo vicioso. Uma criança nesse contexto, por exemplo, pode ficar desnutrida, e uma vez desnutrida, seu sistema imunológico piora. Dessa forma, ela fica suscetível a qualquer doença infecciosa, inclusive a cólera. Por isso o ciclo vicioso, é extremamente preocupante, especialmente para crianças e outros grupos vulneráveis, como gestantes e lactantes, que levam mais tempo para se recuperar” 2.

Mas, quantas são as possibilidades de doenças impostas pelos eventos extremos do clima em todo o planeta, incluindo o Brasil? Ainda que já existam conhecimentos e equipamentos técnico-científicos capazes de mensurar a ocorrência de muitos desses fenômenos, muito pouco há o que se fazer sem a existência de um planejamento socioterritorial alinhado a essas novas demandas. É preciso reconhecer que a intensidade e a recorrência deles não tende a retroceder. O futuro não sinaliza nada melhor nesse sentido.

Enquanto isso, à distância acompanhamos a ocorrência, no sul da Índia, de um surto do vírus Nipah 3 que, apesar de pertencente à família dos paramixovírus, ou seja, a mesma do vírus da caxumba e do sarampo, ainda não dispõe de tratamento medicamentoso e nem vacina, alcançando uma taxa de mortalidade de aproximadamente 70%. Mas, não é só isso. Essa é uma doença transmitida por porcos e morcegos frugívoros aos seres humanos; bem como, por alimentos contaminados e por contato com uma pessoa infectada.  Sendo assim, pare, pense e reflita. 

sábado, 16 de setembro de 2023

O julgamento ...


O julgamento ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A apoteose dos atos antidemocráticos foi, de fato, o 8 de janeiro deste ano, dado o seu ineditismo. Ora, o Brasil jamais havia assistido nada nesse sentido ou nessas proporções, até então. Representando, portanto, uma desconstrução profunda do ideário pacífico do povo brasileiro, tido costumeiramente como um povo feliz, ordeiro, tranquilo, avesso às turbulências sociais.  

No entanto, mais do que isso, essa barbárie possibilitou dissipar um obscurantismo secular, que reinava no país, remanescente das suas raízes coloniais. Finalmente, as elites brasileiras embebidas nas fontes ideológicas da Direita; sobretudo, as suas vertentes mais radicais e extremistas, saíram das sombras para figurar, de cara lavada, as suas crenças, princípios e convicções.

E nesse sentido, um traço ficou bastante marcado, ou seja, a sua imensa capacidade de se abster das responsabilidades sobre suas falas e atitudes. Há no inconsciente coletivo dessas pessoas uma certeza tão absoluta da sua importância social, do seu poder socioeconômico, que elas não se permitem transitar pelos caminhos da igualdade e da equidade estabelecida pelos protocolos sociais.

Sim, é isso mesmo! Elas se julgam acima do Bem e do Mal, como se não precisassem dar satisfação dos seus atos a ninguém, por acreditarem dispor de uma prerrogativa de superioridade social sem limites. Elas literalmente decidiram pagar para ver, medir forças com a realidade, desconsiderando que alguém tivesse coragem, suficiente, para confrontá-las.

Mas, a verdade é inexorável! Diante dos fatos, elas foram obrigadas a mudar de estratégia. Foi, então, que começaram a apelar para um discurso de vitimização, onde muito se ouviu dizer uma avalanche de distorções, tendenciosamente oportunistas, em relação à liberdade de expressão, de manifestação político-partidária, de patriotismo etc.etc.etc.  Afinal, como disse Santo Agostinho, “Se queres conhecer a uma pessoa, não lhe perguntes o que pensa, mas sim o que ela ama”.

E agora, durante os julgamentos das primeiras ações penais sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro 1, conseguiram acentuar o vitimismo, colocando os réus em posição de total infantilidade, como se não fossem dotados de capacidade intelectual para assumir suas responsabilidades e deveres cidadãos diante dos fatos. Numa vexatória exibição de condescendência, de tolerância, de indulgência, de permissividade, apesar da gravidade das ações praticadas.

Desse modo, a dosimetria das penas, até o momento aplicadas 2, não me parece demasiada frente ao teor criminoso e repugnante do comportamento dos réus. Dentre eles não há meninos ou meninas. Todos desfrutam de maioridade penal para arcarem com as consequências de suas atitudes, para serem devidamente responsabilizados por suas escolhas e decisões. Ainda que tenham sido persuadidos, convencidos ou manipulados, a agirem daquela maneira, não é possível despi-los da sua capacidade de discernimento e reflexão.

Aliás, não creio que suas manifestações indóceis, indignadas, enfurecidas, sejam necessariamente por conta do resultado dos julgamentos já realizados. Me parece algo de uma ordem mais profunda. Da descoberta abrupta de que jamais dispuseram de qualquer prerrogativa de superioridade social sem limites. Enfim, foram apresentados à realidade de que são cidadãos tanto quanto quaisquer outros, submetidos as mesmas leis, aos mesmos ordenamentos jurídico-sociais.  

De repente, estamos diante de um reequilíbrio de forças. Talvez, tardio; mas, não menos importante. Ainda que a história não possa ser passada a limpo, a dinâmica do tempo não só permite, como exige, reparos e ajustes para que a evolução possa acontecer. O caráter pedagógico presente no julgamento dessas ações penais tem muito desse compromisso temporal. Na ruptura com velhos paradigmas, velhas idealizações, velhas percepções. Mesmo que muitos ainda resistam e persistam nas suas bolhas, nos seus casulos.

No entanto, vale ressaltar que esse processo não representa em si, a impossibilidade de uma reincidência. Infelizmente, foi aberto um precedente nefasto na história brasileira. Além disso, é de conhecimento público que os rigores da lei inibem; mas, não impedem que o cidadão opte por determinados caminhos e/ou transgressões.

Mas, como se lê no texto sagrado do judaísmo, “A reflexão eleva o indivíduo, permitindo-lhe dominar o caráter defeituoso e assenhorar-se da própria dignidade”. E esse, talvez, seja o maior e mais importante objetivo social que pretende alcançar o Supremo Tribunal Federal (STF) com a realização desses julgamentos. Resgatar, ainda que, minimamente, a consciência do indivíduo sobre o significado da sua própria cidadania.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

A sociedade dos cupins


A sociedade dos cupins

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A Natureza sempre foi um grande observatório de ideias para o ser humano. Veja, por exemplo, o avião. Ele surgiu da vontade do homem em voar livremente, como fazem tantas outras espécies.

Com base nesta constatação, comecei a analisar e correlacionar os últimos acontecimentos políticos no Brasil, os quais têm alvoroçado os meios de comunicação e a opinião pública, além de fomentar declarações consideradas bombásticas.

É notório um constante caminhar paralelo entre política e corrupção, em diversos países do mundo, inclusive o Brasil, desde os tempos mais remotos da história. Trata-se de um típico exemplo de infestação de cupins.

E, a título de esclarecimento, os cupins são insetos do Filo Arthropoda, que apresentam uma sofisticada organização, na qual todos os indivíduos executam suas funções com rigor e precisão; já que, quando isolados são animais cautelosos, mas, quando se reúnem, se tornam ousados e se comportam como um “grande indivíduo”. Eles têm como alimento primordial à madeira, por causa da celulose, onde fazem pequeninos orifícios e vão corroendo a estrutura interna do móvel ou objeto, sem que sejam percebidos.

No caso da corrupção brasileira, a infestação a que nos referimos neste texto, iniciada nos tempos das caravelas, com a vinda da Coroa Portuguesa para fixar-se na Terra Brasilis, é uma alusão à Natureza. Os cupins de que falamos, na verdade se referem a alguns indivíduos que desenvolveram semelhante comportamento ao dos insetos acima descritos. Passemos, então, a designá-los como “corrupins”.

Os corrupins foram se infiltrando nas instituições do poder nacional, fomentados pela ampla oferta de dinheiro, poder e status. Réis, cruzeiro, cruzado, cruzado-novo, real, dólar, euro, pouco importa a espécie. A voracidade é tamanha, que eles trabalham em turnos para saciar suas colônias.

Então, de vez em quando, um pedaço da estrutura nacional rui, por causa de sua ação devastadora, e alguns deles ficam à mostra para quem quiser olhar. Inicia-se aí um corre-corre para investigar o que aconteceu, tomar medidas para contê-los e/ou exterminá-los, esquecendo-se de que eles são cosmopolitas e têm que ser combatidos globalmente e não, somente, no local descoberto.

Mas, qual é o remédio eficaz nesse combate? Creolina, veneno, bioinseticida, são bons para cupins; mas, e para os corrupins? Mostra, mais uma vez, a Natureza que para acabar com vetores de doenças e com pragas, um excelente remédio é cortar as fontes básicas de sobrevivência, ou seja, água, alimento e abrigo.

Assim, a solução é eliminar o que mantêm os corrupins em ação, através de: boicote eleitoral, saneamento das dívidas públicas, ressarcimento aos cofres do país de todo ganho ilícito depositado em paraísos fiscais, inelegibilidade política, perda de pensões por atividade pública e julgamento de pessoa física e jurídica.

Entretanto, essa mazela tão antiga não será de uma hora para outra aniquilada. Trata-se de trabalho longo e árduo, individual e coletivo, no combate a essa espécie, que desagrega sumariamente a cadeia estrutural do país e lhe conduz ao descaminho do desenvolvimento.

Apesar das doses homeopáticas de medidas paliativas que vêm sendo empregadas ao longo do tempo, há de surgir uma fórmula ideal de ação rápida e satisfatória, para resolver essa endemia. Mas, para isso é preciso o empenho da sociedade brasileira no sentido de sanear o país, resgatando e exigindo a aplicação dos valores éticos e morais da cidadania, em prol do desenvolvimento sócio, político e econômico da nação. 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Não, não é a escolha de Sofia!


Não, não é a escolha de Sofia!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma das discussões que vem imperando no debate nacional é a escolha do Presidente da República para a próxima vaga a ser aberta, este ano, no Supremo Tribunal Federal (STF). O falatório diz respeito a necessidade de se ampliar a representatividade social nessa importante esfera de poder. Porque, ao que tudo indica, o Presidente da República, no direito das suas atribuições, não pretende acolher a ideia da diversidade, optando por outros critérios para sua decisão.

Bem, o primeiro ponto que eu levanto para a reflexão, nesse caso, é o fato de que o Presidente da República parece esquecido dos seus próprios caminhos. Como poucos, ele sabe bem o que significa romper com os preconceitos estruturais presentes na sociedade brasileira, ainda marcada pelo ranço histórico colonial. Foram várias as tentativas de lograr êxito nas eleições antes que finalmente o objetivo fosse alcançado.

Embora branco, ele não parecia cumprir, aos olhos de uma grande maioria, os requisitos para ocupar o cargo mais importante do país. Nordestino, sem curso superior, de origem humilde, ele era o avesso das expectativas. Mas, por conta desses supostos senões, ele encontrou o apoio popular de uma gigantesca maioria que viu na sua figura a possibilidade de ser, então, representada em um espaço social que lhes parecia tão intangível.

Portanto, ele deveria saber muito bem a importância de ter quem leve adiante o sonho da representatividade plural, em um país subjugado secularmente a um padrão social eurocêntrico. Se a ruptura com essa bolha de regalias e privilégios coloniais é algo extraordinário, do ponto de vista da materialidade da conquista em si, ela vai muito mais além, quando ela oportuniza um efeito reparador e desconstrutivo quanto às crenças, aos valores e aos princípios moduladores da identidade nacional. Ela faz justiça à verdadeira face identitária do país, quando permite o trânsito livre de toda a diversidade a qualquer espaço social brasileiro.

Pena que o Presidente da República está deixando escapar da sua biografia esse momento tão emblemático! Ele tem nas mãos o poder de fazer uma escolha que pode marcar definitivamente a história do Brasil. Levar a diversidade ao ponto mais alto do Poder Judiciário brasileiro, considerando toda a onda retrógrada e provinciana que tenta se reafirmar no país, através do ideário da direita e de seus matizes mais ou menos radicais e extremistas, é bem mais do que fortalecer a identidade nacional. É fortalecer a cidadania e o Estado Democrático de Direito em si.

É fundamental entender, por exemplo, que uma escolha dessa envergadura reforça o alicerce da Lei de Cotas para o ensino superior, na medida que sinaliza no horizonte dos alunos contemplados a ausência de limites para a sua jornada profissional futura. Em um país em que as minorias precisam, quase, que pedir licença para existir, para transitar, para sonhar, certas decisões e escolhas institucionais são responsáveis sim, por uma mudança ideológico-comportamental profunda a respeito. Trata-se da reafirmação da dignidade humana do cidadão brasileiro, seja ele quem for.

Na verdade, nada mais nada menos do que um salto para o pleno desenvolvimento e o progresso do país. Não apenas pelo fato de que nenhuma nação avança nas suas habilidades, competências e potencialidades sem a colaboração maciça do seu coletivo social; mas, porque é essencial oferecer as mesmas oportunidades de acesso a todos, sem distinção. Aliás, esse é um ponto importantíssimo, considerando que a diversidade permite uma análise dos problemas e desafios sociais melhor balizada.

Isso significa romper com as perspectivas padronizadas, pertencentes a um determinado grupo, as quais costumeiramente são insuficientes e ineficientes para atender as demandas da diversidade. É preciso a vivência, a experiência, a imersão social contextualizada para, de fato, ter elementos suficientes para dissecar as sutilezas, as entrelinhas, dos problemas. Ainda que no cenário social a empatia, a solidariedade, a compreensão, o altruísmo, sejam características importantes e bem-vindas, a verdade é que elas acabam superficializadas, em razão do distanciamento natural que existe entre as realidades sociais no país.

E o presidente da República reconhece isso de maneira tão consistente, que todas as vezes em que se lançou candidato fez dessa consciência a ponte de aproximação com a população. Espero, então, que ele se recorde disso! Cargos eletivos são sempre representativos; mas, precisam garantir a existência real dessa representatividade. Não dá para ser somente da boca para fora! É muito fácil perceber os abismos que essa fragilidade representativa manifesta no país. Aliás, os últimos quatro anos deram bem a dimensão do que significa uma representatividade enviesada e tendenciosa; especialmente, no setor econômico.

Quando faço esse tipo de reflexão, sempre me recordo das seguintes palavras de Mahatma Gandhi: “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.  Assim, ainda em tempo, espero sinceramente que a escolha do Presidente da República para a próxima vaga do STF se dê com base nessa linha de raciocínio. Pelo exercício da alteridade, ele certamente conseguirá perceber que se não houvesse o sentimento popular de apreço à diversidade representativa, ele não estaria onde está. Mais do que nunca, diante da realidade atual do país, o seu papel como arauto da ruptura com tudo aquilo que faz mal, e que adoece profundamente a alma da sociedade, precisa ser exercido. 

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

11/09... Qual o sentido da beligerância diante de tantas catástrofes socioambientais?


11/09... Qual o sentido da beligerância diante de tantas catástrofes socioambientais?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Em pleno 11 de setembro, uma data que ficou marcada na história da humanidade em razão do ataque contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, em 2001, a grande pergunta que a humanidade deveria se fazer é: qual o sentido da beligerância diante de tantas catástrofes socioambientais?

Só na última semana o planeta passou por um terremoto no Chile, de 6.4° de magnitude 1. Um ciclone extratropical atingiu o estado do Rio Grande do Sul, no Brasil, trazendo chuvas torrenciais, inundações, destruição e mortes para a população local; bem como, deixando em alerta máximo os outros estados da região sul brasileira 2. Um terremoto no Marrocos, de 6.8° de magnitude, que até o momento fez mais de 2000 vítimas fatais e milhares de desabrigados e feridos 3.  E ontem, o vulcão Kilauea, no Havaí, entrou em erupção pela terceira vez no ano 4.

Pois é, nada disso a raça humana tem como controlar. Os eventos extremos do clima são consequências sim, das ações antrópicas; mas, isso não significa quaisquer possibilidades de evitar a sua ocorrência ou minimizar a sua extensão geográfica. Eles simplesmente acontecem. Impondo, em fração de minutos, uma destruição aterrorizante materializada por um volume incomensurável de perdas materiais, humanas e subjetivas.

Já passou da hora de entender que para a fome, a miséria, a ruína, a morte, a desolação, não é preciso aviões, tanques, canhões, drones, metralhadoras ou quaisquer outros artefatos. O próprio colapso do equilíbrio ambiental está sendo suficientemente capaz de construir esse cenário. Não adianta negar os fatos, negar a ciência, negar. A cada minuto nos aproximamos de ser a bola da vez a ser impactada pelos eventos extremos da natureza.

De modo que certos comportamentos, certas discussões, certas disputas no campo político ou geopolítico parecem totalmente non sense. Lamento, mas as narrativas impostas não convencem e a resistência à realidade se mostra, cada vez mais, diretamente proporcional às calamidades. O que torna grande parte das lideranças político-partidárias responsáveis diretamente pelos resultados nefastos desses acontecimentos.

Sim, porque ainda que seja fato a imprevisibilidade dos episódios, a geografia dos espaços urbanos permite visualizar as fragilidades e vulnerabilidades, para a construção de protocolos e a implementação de ações preventivas e mitigadoras. Deixou de ser uma necessidade para se transformar em urgência, a consolidação de novos paradigmas para a geografia das cidades, a fim de compreender os processos de produção desse espaço e as relações entre os indivíduos, esse meio e o atual panorama dos eventos ambientais extremos.

Particularmente, me causa um certo estranhamento perceber que, apesar de todos os acontecimentos terríveis e de todas as inovações científicas e tecnológicas, as quais trouxeram grandes e importantes contribuições para as análises preventivas em relação ao clima, as lideranças governamentais brasileiras, por exemplo, ainda não conseguiram estabelecer uma dialogia com essas informações que lhes permitisse construir um modelo de prevenção efetivamente robusto.

Não é à toa que o Brasil esteja repleto de escombros que se amontoam ao relento sem solução. Na iminência de um outro episódio que lhe coloque uma camada a mais. Isso sem contar as inúmeras famílias desalojadas, desamparadas, destituídas da sua dignidade humana e à mercê do adoecimento decorrente das conjunturas. Não apenas no que diz respeito à rede de saneamento básico afetada pela destruição; mas, pelo volume de resíduos sólidos e água contaminada presente nas ruas.

Ora, é importante que se diga, se os eventos ambientais extremos têm apresentado um padrão democrático para a sua área de abrangência, ainda sim, as parcelas menos favorecidas e privilegiadas da sociedade permanecem sendo as mais afetadas. Afinal de contas, elas quase sempre estão em áreas de risco, com menos acesso à infraestrutura básica.

No entanto, contrariando às expectativas, as lideranças governamentais brasileiras permanecem alheias ao que realmente exige suas responsabilidades constitucionais e humanitárias. Muito falatório. Muito midiatismo. Muito placebo. Porém, nenhuma ação que vá ao cerne do problema, como seria de se esperar. De modo que teima em perturbar a velha questão: E agora, José? 5.

Talvez, porque no mais profundo da alma pulse a certeza de uma inércia para esse tipo de problema. Como se houvesse sido dada carta branca para a natureza fazer o que intendesse por bem. Em contrapartida, no campo das beligerâncias, tudo permanece ativo, inflamado. O que faz crer que a vida não importa mais. Que não figuramos mais no rol das nossas próprias prioridades. Que o instinto de sobrevivência da espécie humana desapareceu. Simplesmente, porque nos esquecemos de que “A sobrevivência de um organismo depende da sobrevivência de um outro” (Charles Darwin).