terça-feira, 19 de setembro de 2023

O Discurso e a voz do silêncio


O Discurso e a voz do silêncio

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Do ponto de vista da repercussão global, o discurso do Presidente brasileiro na tribuna das Nações Unidas foi preciso, objetivo e contundente. O Brasil não ficou em cima do muro em relação a nenhum assunto, mesmo aqueles potencialmente mais espinhosos. Foi uma reapropriação do protagonismo diplomático nacional em tempos tão delicados e desafiadores.

Portanto, foi uma satisfação assistir a um pronunciamento desapegado da ideia tosca da autopromoção nacional. O que significa que não houve quaisquer pretensões de gastar tempo falando para a bolha interna, inflando possíveis feitos e lustrando o ego do poder. Muito embora, as entrelinhas não tenham deixado escapar lições importantes quanto ao significado da governança contemporânea estar alinhada à realidade.

Bem, os bons observadores devem ter notado a presença dos Presidentes da Câmara e do Senado, na comitiva presidencial brasileira. E chamou sim, a atenção, o semblante do Presidente da Câmara durante o discurso do Presidente da República. Seu desconforto e contrariedade eram visíveis. Daí o pin, com a imagem da Mafalda, acima!

Afinal, além das inúmeras pausas registradas por aplausos consistentes recebidos pelo chefe de estado brasileiro, o teor do seu discurso soava como um brutal choque de realidade à sanha pretenciosa imposta pelo fisiologismo político nacional.

Considerando que, dizem por aí, o Presidente da Câmara não exerce o fisiologismo apenas pela força do hábito fisiologista; mas, por ter consigo pretensões de ascender ao cargo máximo do país, deve ter sido, de fato, difícil aceitar que o mundo não gira pela perspectiva da sua idealização.

Há urgências, emergências, mazelas históricas, demandando solução rápida e efetiva, que não podem mais caber na velha práxis da retórica discursiva inócua. Algo que não se resume a uma percepção do atual Presidente da República brasileiro; mas, de todos os demais chefes de estado ali presentes.   

O que significa claramente que a realidade paralela defendida pelo Presidente da Câmara está, literalmente, isolada da realidade global. Que as chances de sucesso para a sua grande empreitada se esvaem como fumaça, na velocidade da luz.

Porque não bastam as suas pretensões, os seus conchavos, as suas manobras políticas. Sobre o tabuleiro da vida contemporânea agem conjunturas muito maiores, muito mais incontroláveis e imponderáveis, que lançam as politicagens ao poço do fracasso da sua concretização, à revelia de suas vontades e quereres.  

Pois é, a realidade colonial não cabe na realidade contemporânea. O tempo passou. O mundo girou. E todas as tentativas de resistir às mudanças contribuíram negativamente para essa impossibilidade. Simplesmente porque o desenvolvimento e o progresso construíram novas bases sociais juntamente com as mudanças ambientais extremas, colocando as desigualdades históricas em um patamar de insustentabilidade, ou seja, os velhos modelos de governança vigentes estão na iminência de um xeque-mate.

Bem, há um provérbio antigo que diz “Cautela e canja de galinha não faz mal a ninguém”. Enquanto as alas fisiológicas da política nacional deliram na sua ânsia de ocupar os espaços de poder, no padrão “porteira fechada”, a realidade do planeta sinaliza a necessidade de parcimônia, de prudência, diante de uma gigantesca névoa de instabilidade que se condensa no ar. É preciso entender que o poder não é absoluto, ele se relativiza mediante às conjunturas, porque estas são por excelência indomáveis.

Poder não é palavra mágica, não é vara de condão, não resolve tudo. O poder na contemporaneidade exige, cada vez mais, de quem o exerce, a habilidade, a competência e o conhecimento para enfrentar todas as crises e tsunamis que emergirem no horizonte.

Ora, “Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver “(Rubem Alves).

Porque a humanidade está sob o signo do “de repente”. Não há certezas. Não há terra firme. Não há longo prazo. São tempos de desconstruir para reconstruir rápida e conscientemente, pois as circunstâncias estão nos comprimindo sem aviso prévio, sem piedade. Como diz a canção, “[...]E tudo muda, adeus velho mundo / A um segundo tudo estava em paz [...]” 1.

Olhe para o Rio Grande do Sul. Olhe para o Marrocos. Olhe para a Líbia. Olhe para cima. Olhe para baixo. Olhe para frente. Olhe para trás. Olhe para um lado. Olhe para o outro. Olhe ... Olhe para o planeta azul na imensidão do universo e você terá muitas respostas, inclusive, quanto à perspectiva do que realmente importa na vida.   



1 Cuide bem do seu amor (Os Paralamas do Sucesso) - https://www.letras.mus.br/os-paralamas-do-sucesso/63516/ 

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