O Discurso e a voz do silêncio
Por Alessandra Leles Rocha
Do ponto de vista da repercussão global, o
discurso do Presidente brasileiro na tribuna das Nações Unidas foi preciso,
objetivo e contundente. O Brasil não ficou em cima do muro em relação a nenhum
assunto, mesmo aqueles potencialmente mais espinhosos. Foi uma reapropriação do
protagonismo diplomático nacional em tempos tão delicados e desafiadores.
Portanto, foi uma satisfação assistir a um
pronunciamento desapegado da ideia tosca da autopromoção nacional. O que
significa que não houve quaisquer pretensões de gastar tempo falando para a
bolha interna, inflando possíveis feitos e lustrando o ego do poder. Muito embora,
as entrelinhas não tenham deixado escapar lições importantes quanto ao significado
da governança contemporânea estar alinhada à realidade.
Bem, os bons observadores devem ter notado a
presença dos Presidentes da Câmara e do Senado, na comitiva presidencial
brasileira. E chamou sim, a atenção, o semblante do Presidente da Câmara
durante o discurso do Presidente da República. Seu desconforto e contrariedade
eram visíveis. Daí o pin, com a imagem da Mafalda, acima!
Afinal, além das inúmeras pausas registradas por
aplausos consistentes recebidos pelo chefe de estado brasileiro, o teor do seu discurso
soava como um brutal choque de realidade à sanha pretenciosa imposta pelo
fisiologismo político nacional.
Considerando que, dizem por aí, o Presidente da
Câmara não exerce o fisiologismo apenas pela força do hábito fisiologista; mas,
por ter consigo pretensões de ascender ao cargo máximo do país, deve ter sido,
de fato, difícil aceitar que o mundo não gira pela perspectiva da sua
idealização.
Há urgências, emergências, mazelas históricas,
demandando solução rápida e efetiva, que não podem mais caber na velha práxis da
retórica discursiva inócua. Algo que não se resume a uma percepção do atual
Presidente da República brasileiro; mas, de todos os demais chefes de estado
ali presentes.
O que significa claramente que a realidade paralela
defendida pelo Presidente da Câmara está, literalmente, isolada da realidade
global. Que as chances de sucesso para a sua grande empreitada se esvaem como fumaça,
na velocidade da luz.
Porque não bastam as suas pretensões, os seus conchavos,
as suas manobras políticas. Sobre o tabuleiro da vida contemporânea agem
conjunturas muito maiores, muito mais incontroláveis e imponderáveis, que
lançam as politicagens ao poço do fracasso da sua concretização, à revelia de
suas vontades e quereres.
Pois é, a realidade colonial não cabe na realidade
contemporânea. O tempo passou. O mundo girou. E todas as tentativas de resistir
às mudanças contribuíram negativamente para essa impossibilidade. Simplesmente
porque o desenvolvimento e o progresso construíram novas bases sociais juntamente
com as mudanças ambientais extremas, colocando as desigualdades históricas em
um patamar de insustentabilidade, ou seja, os velhos modelos de governança
vigentes estão na iminência de um xeque-mate.
Bem, há um provérbio antigo que diz “Cautela e
canja de galinha não faz mal a ninguém”. Enquanto as alas fisiológicas da
política nacional deliram na sua ânsia de ocupar os espaços de poder, no padrão
“porteira fechada”, a realidade do planeta sinaliza a necessidade de parcimônia,
de prudência, diante de uma gigantesca névoa de instabilidade que se condensa
no ar. É preciso entender que o poder não é absoluto, ele se relativiza
mediante às conjunturas, porque estas são por excelência indomáveis.
Poder não é palavra mágica, não é vara de condão,
não resolve tudo. O poder na contemporaneidade exige, cada vez mais, de quem o
exerce, a habilidade, a competência e o conhecimento para enfrentar todas as
crises e tsunamis que emergirem no horizonte.
Ora, “Pessoas que sabem as soluções já dadas
são mendigos permanentes. Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são
aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão
não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas
de sobreviver “(Rubem Alves).
Porque a humanidade está sob o signo do “de
repente”. Não há certezas. Não há terra firme. Não há longo prazo. São
tempos de desconstruir para reconstruir rápida e conscientemente, pois as
circunstâncias estão nos comprimindo sem aviso prévio, sem piedade. Como diz a
canção, “[...]E tudo muda, adeus velho mundo / A um segundo tudo estava em
paz [...]” 1.
Olhe para o Rio Grande do Sul. Olhe para o
Marrocos. Olhe para a Líbia. Olhe para cima. Olhe para baixo. Olhe para frente.
Olhe para trás. Olhe para um lado. Olhe para o outro. Olhe ... Olhe para o
planeta azul na imensidão do universo e você terá muitas respostas, inclusive,
quanto à perspectiva do que realmente importa na vida.
1 Cuide bem do seu amor (Os Paralamas do Sucesso) - https://www.letras.mus.br/os-paralamas-do-sucesso/63516/