Não, não
é a escolha de Sofia!
Por
Alessandra Leles Rocha
Uma das discussões que vem imperando
no debate nacional é a escolha do Presidente da República para a próxima vaga a
ser aberta, este ano, no Supremo Tribunal Federal (STF). O falatório diz
respeito a necessidade de se ampliar a representatividade social nessa
importante esfera de poder. Porque, ao que tudo indica, o Presidente da República,
no direito das suas atribuições, não pretende acolher a ideia da diversidade,
optando por outros critérios para sua decisão.
Bem, o primeiro ponto que eu
levanto para a reflexão, nesse caso, é o fato de que o Presidente da República
parece esquecido dos seus próprios caminhos. Como poucos, ele sabe bem o que
significa romper com os preconceitos estruturais presentes na sociedade
brasileira, ainda marcada pelo ranço histórico colonial. Foram várias as
tentativas de lograr êxito nas eleições antes que finalmente o objetivo fosse
alcançado.
Embora branco, ele não parecia
cumprir, aos olhos de uma grande maioria, os requisitos para ocupar o cargo
mais importante do país. Nordestino, sem curso superior, de origem humilde, ele
era o avesso das expectativas. Mas, por conta desses supostos senões, ele
encontrou o apoio popular de uma gigantesca maioria que viu na sua figura a possibilidade
de ser, então, representada em um espaço social que lhes parecia tão
intangível.
Portanto, ele deveria saber muito
bem a importância de ter quem leve adiante o sonho da representatividade plural,
em um país subjugado secularmente a um padrão social eurocêntrico. Se a ruptura
com essa bolha de regalias e privilégios coloniais é algo extraordinário, do ponto
de vista da materialidade da conquista em si, ela vai muito mais além, quando
ela oportuniza um efeito reparador e desconstrutivo quanto às crenças, aos
valores e aos princípios moduladores da identidade nacional. Ela faz justiça à
verdadeira face identitária do país, quando permite o trânsito livre de toda a
diversidade a qualquer espaço social brasileiro.
Pena que o Presidente da
República está deixando escapar da sua biografia esse momento tão emblemático!
Ele tem nas mãos o poder de fazer uma escolha que pode marcar definitivamente a
história do Brasil. Levar a diversidade ao ponto mais alto do Poder Judiciário
brasileiro, considerando toda a onda retrógrada e provinciana que tenta se
reafirmar no país, através do ideário da direita e de seus matizes mais ou
menos radicais e extremistas, é bem mais do que fortalecer a identidade
nacional. É fortalecer a cidadania e o Estado Democrático de Direito em si.
É fundamental entender, por
exemplo, que uma escolha dessa envergadura reforça o alicerce da Lei de Cotas
para o ensino superior, na medida que sinaliza no horizonte dos alunos
contemplados a ausência de limites para a sua jornada profissional futura. Em um
país em que as minorias precisam, quase, que pedir licença para existir, para
transitar, para sonhar, certas decisões e escolhas institucionais são
responsáveis sim, por uma mudança ideológico-comportamental profunda a
respeito. Trata-se da reafirmação da dignidade humana do cidadão brasileiro,
seja ele quem for.
Na verdade, nada mais nada menos
do que um salto para o pleno desenvolvimento e o progresso do país. Não apenas
pelo fato de que nenhuma nação avança nas suas habilidades, competências e
potencialidades sem a colaboração maciça do seu coletivo social; mas, porque é essencial
oferecer as mesmas oportunidades de acesso a todos, sem distinção. Aliás, esse
é um ponto importantíssimo, considerando que a diversidade permite uma análise
dos problemas e desafios sociais melhor balizada.
Isso significa romper com as
perspectivas padronizadas, pertencentes a um determinado grupo, as quais
costumeiramente são insuficientes e ineficientes para atender as demandas da
diversidade. É preciso a vivência, a experiência, a imersão social contextualizada
para, de fato, ter elementos suficientes para dissecar as sutilezas, as
entrelinhas, dos problemas. Ainda que no cenário social a empatia, a
solidariedade, a compreensão, o altruísmo, sejam características importantes e
bem-vindas, a verdade é que elas acabam superficializadas, em razão do
distanciamento natural que existe entre as realidades sociais no país.
E o presidente da República
reconhece isso de maneira tão consistente, que todas as vezes em que se lançou
candidato fez dessa consciência a ponte de aproximação com a população. Espero,
então, que ele se recorde disso! Cargos eletivos são sempre representativos;
mas, precisam garantir a existência real dessa representatividade. Não dá para
ser somente da boca para fora! É muito fácil perceber os abismos que essa
fragilidade representativa manifesta no país. Aliás, os últimos quatro anos
deram bem a dimensão do que significa uma representatividade enviesada e tendenciosa;
especialmente, no setor econômico.
Quando faço esse tipo de reflexão, sempre me recordo das seguintes palavras de Mahatma Gandhi: “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”. Assim, ainda em tempo, espero sinceramente que a escolha do Presidente da República para a próxima vaga do STF se dê com base nessa linha de raciocínio. Pelo exercício da alteridade, ele certamente conseguirá perceber que se não houvesse o sentimento popular de apreço à diversidade representativa, ele não estaria onde está. Mais do que nunca, diante da realidade atual do país, o seu papel como arauto da ruptura com tudo aquilo que faz mal, e que adoece profundamente a alma da sociedade, precisa ser exercido.