terça-feira, 12 de setembro de 2023

Não, não é a escolha de Sofia!


Não, não é a escolha de Sofia!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Uma das discussões que vem imperando no debate nacional é a escolha do Presidente da República para a próxima vaga a ser aberta, este ano, no Supremo Tribunal Federal (STF). O falatório diz respeito a necessidade de se ampliar a representatividade social nessa importante esfera de poder. Porque, ao que tudo indica, o Presidente da República, no direito das suas atribuições, não pretende acolher a ideia da diversidade, optando por outros critérios para sua decisão.

Bem, o primeiro ponto que eu levanto para a reflexão, nesse caso, é o fato de que o Presidente da República parece esquecido dos seus próprios caminhos. Como poucos, ele sabe bem o que significa romper com os preconceitos estruturais presentes na sociedade brasileira, ainda marcada pelo ranço histórico colonial. Foram várias as tentativas de lograr êxito nas eleições antes que finalmente o objetivo fosse alcançado.

Embora branco, ele não parecia cumprir, aos olhos de uma grande maioria, os requisitos para ocupar o cargo mais importante do país. Nordestino, sem curso superior, de origem humilde, ele era o avesso das expectativas. Mas, por conta desses supostos senões, ele encontrou o apoio popular de uma gigantesca maioria que viu na sua figura a possibilidade de ser, então, representada em um espaço social que lhes parecia tão intangível.

Portanto, ele deveria saber muito bem a importância de ter quem leve adiante o sonho da representatividade plural, em um país subjugado secularmente a um padrão social eurocêntrico. Se a ruptura com essa bolha de regalias e privilégios coloniais é algo extraordinário, do ponto de vista da materialidade da conquista em si, ela vai muito mais além, quando ela oportuniza um efeito reparador e desconstrutivo quanto às crenças, aos valores e aos princípios moduladores da identidade nacional. Ela faz justiça à verdadeira face identitária do país, quando permite o trânsito livre de toda a diversidade a qualquer espaço social brasileiro.

Pena que o Presidente da República está deixando escapar da sua biografia esse momento tão emblemático! Ele tem nas mãos o poder de fazer uma escolha que pode marcar definitivamente a história do Brasil. Levar a diversidade ao ponto mais alto do Poder Judiciário brasileiro, considerando toda a onda retrógrada e provinciana que tenta se reafirmar no país, através do ideário da direita e de seus matizes mais ou menos radicais e extremistas, é bem mais do que fortalecer a identidade nacional. É fortalecer a cidadania e o Estado Democrático de Direito em si.

É fundamental entender, por exemplo, que uma escolha dessa envergadura reforça o alicerce da Lei de Cotas para o ensino superior, na medida que sinaliza no horizonte dos alunos contemplados a ausência de limites para a sua jornada profissional futura. Em um país em que as minorias precisam, quase, que pedir licença para existir, para transitar, para sonhar, certas decisões e escolhas institucionais são responsáveis sim, por uma mudança ideológico-comportamental profunda a respeito. Trata-se da reafirmação da dignidade humana do cidadão brasileiro, seja ele quem for.

Na verdade, nada mais nada menos do que um salto para o pleno desenvolvimento e o progresso do país. Não apenas pelo fato de que nenhuma nação avança nas suas habilidades, competências e potencialidades sem a colaboração maciça do seu coletivo social; mas, porque é essencial oferecer as mesmas oportunidades de acesso a todos, sem distinção. Aliás, esse é um ponto importantíssimo, considerando que a diversidade permite uma análise dos problemas e desafios sociais melhor balizada.

Isso significa romper com as perspectivas padronizadas, pertencentes a um determinado grupo, as quais costumeiramente são insuficientes e ineficientes para atender as demandas da diversidade. É preciso a vivência, a experiência, a imersão social contextualizada para, de fato, ter elementos suficientes para dissecar as sutilezas, as entrelinhas, dos problemas. Ainda que no cenário social a empatia, a solidariedade, a compreensão, o altruísmo, sejam características importantes e bem-vindas, a verdade é que elas acabam superficializadas, em razão do distanciamento natural que existe entre as realidades sociais no país.

E o presidente da República reconhece isso de maneira tão consistente, que todas as vezes em que se lançou candidato fez dessa consciência a ponte de aproximação com a população. Espero, então, que ele se recorde disso! Cargos eletivos são sempre representativos; mas, precisam garantir a existência real dessa representatividade. Não dá para ser somente da boca para fora! É muito fácil perceber os abismos que essa fragilidade representativa manifesta no país. Aliás, os últimos quatro anos deram bem a dimensão do que significa uma representatividade enviesada e tendenciosa; especialmente, no setor econômico.

Quando faço esse tipo de reflexão, sempre me recordo das seguintes palavras de Mahatma Gandhi: “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.  Assim, ainda em tempo, espero sinceramente que a escolha do Presidente da República para a próxima vaga do STF se dê com base nessa linha de raciocínio. Pelo exercício da alteridade, ele certamente conseguirá perceber que se não houvesse o sentimento popular de apreço à diversidade representativa, ele não estaria onde está. Mais do que nunca, diante da realidade atual do país, o seu papel como arauto da ruptura com tudo aquilo que faz mal, e que adoece profundamente a alma da sociedade, precisa ser exercido.