domingo, 17 de setembro de 2023

Entre ameaças visíveis e invisíveis


Entre ameaças visíveis e invisíveis

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se engane! As catástrofes ambientais têm muitos lados! As responsabilidades governamentais, os amontoados de escombros, as perdas humanas, os impactos materiais e imateriais, não contam toda a história. Há reverberações silenciosas nesse processo que exigem muita atenção e ações rápidas e eficazes. Me refiro às inúmeras doenças que encontram nesse cenário uma verdadeira porta aberta para sua disseminação.

Por mais esforços que sejam empenhados na limpeza e na sanitização dos espaços, a geografia alterada pelo impacto da devastação oportuniza sim, um estreitamento entre espécies hospedeiras e seres humanos, em razão da própria desorganização da estrutura territorial. De modo que o adoecimento populacional se torna um desafio de grandes proporções dentro do processo de reconstrução.

Diferentemente do recém-vivido processo pandêmico, em que um tipo específico de vírus e suas variantes assolou o planeta até o surgimento de imunobiológicos capazes de combatê-lo, o que se tem em uma situação de catástrofe ambiental é muito mais complexo. Trata-se da possibilidade de ocorrência simultânea de diferentes agentes patogênicos distribuídos pelos espaços geográficos contaminados por efluentes, ou seja, resíduos resultantes das atividades industriais, dos esgotos e das redes pluviais.

Muitos deles já conhecidos da ciência e com resposta terapêutica disponível; mas, quem pode garantir que um agente desconhecido surja no horizonte? Como dito anteriormente, não é só o ser humano que é repentinamente desalojado do seu território. Milhares de outras espécies também são. E muitas delas são hospedeiras e/ou potenciais vetores de doenças. De modo que uma eventual proximidade dessas espécies com os espaços urbanizados se torna um risco epidemiológico.

Sem contar um outro aspecto muito importante, que é o fato de estas doenças poderem afetar simultaneamente as pessoas e comprometer-lhes o quadro clínico, principalmente quando portadoras de doenças preexistentes. A relação entre múltiplas comorbidades e coinfecções gera um quadro extremamente complexo de sintomas e tratamentos, dentro de uma necessidade de equacionar as diferenças a fim de garantir a sobrevivência do indivíduo, considerando um mínimo de efeitos colaterais ou sequelas.

Ora, tudo isso é muito sério! O adoecimento populacional não pode ser colocado no fim da fila das prioridades, em tempos de catástrofes ambientais, sob o risco de que essas doenças acabem sendo elevadas à uma condição epidêmica muito mais grave. É comum ver uma preocupação coletiva em torno do reparo às perdas materiais; mas, a qualidade de vida dos sobreviventes não pode ser negligenciada.

Veja, por exemplo, como a mudança climática tem afetado à Somália, um país localizado no Chifre da África. Embora, a cólera seja uma doença endêmica na região, o país foi atingido “pela maior seca em três décadas, e a reação das pessoas foi migrar para conseguir comida, já que haviam perdido seus meios de subsistência, buscando acesso a serviços básicos para sobreviver e alimentar suas famílias” 1.

Assim, “pelo fato de os imigrantes precisarem compartilhar um espaço pequeno, sem água potável suficiente, sabão ou comida gera um círculo vicioso. Uma criança nesse contexto, por exemplo, pode ficar desnutrida, e uma vez desnutrida, seu sistema imunológico piora. Dessa forma, ela fica suscetível a qualquer doença infecciosa, inclusive a cólera. Por isso o ciclo vicioso, é extremamente preocupante, especialmente para crianças e outros grupos vulneráveis, como gestantes e lactantes, que levam mais tempo para se recuperar” 2.

Mas, quantas são as possibilidades de doenças impostas pelos eventos extremos do clima em todo o planeta, incluindo o Brasil? Ainda que já existam conhecimentos e equipamentos técnico-científicos capazes de mensurar a ocorrência de muitos desses fenômenos, muito pouco há o que se fazer sem a existência de um planejamento socioterritorial alinhado a essas novas demandas. É preciso reconhecer que a intensidade e a recorrência deles não tende a retroceder. O futuro não sinaliza nada melhor nesse sentido.

Enquanto isso, à distância acompanhamos a ocorrência, no sul da Índia, de um surto do vírus Nipah 3 que, apesar de pertencente à família dos paramixovírus, ou seja, a mesma do vírus da caxumba e do sarampo, ainda não dispõe de tratamento medicamentoso e nem vacina, alcançando uma taxa de mortalidade de aproximadamente 70%. Mas, não é só isso. Essa é uma doença transmitida por porcos e morcegos frugívoros aos seres humanos; bem como, por alimentos contaminados e por contato com uma pessoa infectada.  Sendo assim, pare, pense e reflita.