Entre
ameaças visíveis e invisíveis
Por
Alessandra Leles Rocha
Não se engane! As catástrofes
ambientais têm muitos lados! As responsabilidades governamentais, os amontoados
de escombros, as perdas humanas, os impactos materiais e imateriais, não contam
toda a história. Há reverberações silenciosas nesse processo que exigem muita atenção
e ações rápidas e eficazes. Me refiro às inúmeras doenças que encontram nesse
cenário uma verdadeira porta aberta para sua disseminação.
Por mais esforços que sejam
empenhados na limpeza e na sanitização dos espaços, a geografia alterada pelo
impacto da devastação oportuniza sim, um estreitamento entre espécies
hospedeiras e seres humanos, em razão da própria desorganização da estrutura territorial.
De modo que o adoecimento populacional se torna um desafio de grandes
proporções dentro do processo de reconstrução.
Diferentemente do recém-vivido
processo pandêmico, em que um tipo específico de vírus e suas variantes assolou
o planeta até o surgimento de imunobiológicos capazes de combatê-lo, o que se
tem em uma situação de catástrofe ambiental é muito mais complexo. Trata-se da
possibilidade de ocorrência simultânea de diferentes agentes patogênicos
distribuídos pelos espaços geográficos contaminados por efluentes, ou seja,
resíduos resultantes das atividades industriais, dos esgotos e das redes
pluviais.
Muitos deles já conhecidos da
ciência e com resposta terapêutica disponível; mas, quem pode garantir que um
agente desconhecido surja no horizonte? Como dito anteriormente, não é só o ser
humano que é repentinamente desalojado do seu território. Milhares de outras
espécies também são. E muitas delas são hospedeiras e/ou potenciais vetores de
doenças. De modo que uma eventual proximidade dessas espécies com os espaços
urbanizados se torna um risco epidemiológico.
Sem contar um outro aspecto muito
importante, que é o fato de estas doenças poderem afetar simultaneamente as
pessoas e comprometer-lhes o quadro clínico, principalmente quando portadoras de
doenças preexistentes. A relação entre múltiplas comorbidades e coinfecções
gera um quadro extremamente complexo de sintomas e tratamentos, dentro de uma
necessidade de equacionar as diferenças a fim de garantir a sobrevivência do
indivíduo, considerando um mínimo de efeitos colaterais ou sequelas.
Ora, tudo isso é muito sério! O
adoecimento populacional não pode ser colocado no fim da fila das prioridades,
em tempos de catástrofes ambientais, sob o risco de que essas doenças acabem
sendo elevadas à uma condição epidêmica muito mais grave. É comum ver uma
preocupação coletiva em torno do reparo às perdas materiais; mas, a qualidade
de vida dos sobreviventes não pode ser negligenciada.
Veja, por exemplo, como a mudança
climática tem afetado à Somália, um país localizado no Chifre da África.
Embora, a cólera seja uma doença endêmica na região, o país foi atingido “pela
maior seca em três décadas, e a reação das pessoas foi migrar para conseguir
comida, já que haviam perdido seus meios de subsistência, buscando acesso a
serviços básicos para sobreviver e alimentar suas famílias” 1.
Assim, “pelo fato de os
imigrantes precisarem compartilhar um espaço pequeno, sem água potável
suficiente, sabão ou comida gera um círculo vicioso. Uma criança nesse
contexto, por exemplo, pode ficar desnutrida, e uma vez desnutrida, seu sistema
imunológico piora. Dessa forma, ela fica suscetível a qualquer doença
infecciosa, inclusive a cólera. Por isso o ciclo vicioso, é extremamente
preocupante, especialmente para crianças e outros grupos vulneráveis, como
gestantes e lactantes, que levam mais tempo para se recuperar” 2.
Mas, quantas são as
possibilidades de doenças impostas pelos eventos extremos do clima em todo o
planeta, incluindo o Brasil? Ainda que já existam conhecimentos e equipamentos
técnico-científicos capazes de mensurar a ocorrência de muitos desses
fenômenos, muito pouco há o que se fazer sem a existência de um planejamento socioterritorial
alinhado a essas novas demandas. É preciso reconhecer que a intensidade e a
recorrência deles não tende a retroceder. O futuro não sinaliza nada melhor
nesse sentido.
Enquanto isso, à distância acompanhamos a ocorrência, no sul da Índia, de um surto do vírus Nipah 3 que, apesar de pertencente à família dos paramixovírus, ou seja, a mesma do vírus da caxumba e do sarampo, ainda não dispõe de tratamento medicamentoso e nem vacina, alcançando uma taxa de mortalidade de aproximadamente 70%. Mas, não é só isso. Essa é uma doença transmitida por porcos e morcegos frugívoros aos seres humanos; bem como, por alimentos contaminados e por contato com uma pessoa infectada. Sendo assim, pare, pense e reflita.