sábado, 31 de dezembro de 2022
sexta-feira, 30 de dezembro de 2022
Único. Extraordinário. Inigualável. Raro. ... Simplesmente Pelé.
Único.
Extraordinário. Inigualável. Raro. ... Simplesmente Pelé.
Por
Alessandra Leles Rocha
Olhando para esse mundo tão
mesquinho, tão preconceituoso, tão intolerante, a notícia da morte de Edson
Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, é um choque de alta voltagem na consciência
humana. Dentro e fora dos espaços de comunicação nacionais e estrangeiros, a
história do menino negro e pobre, nascido em uma pequena cidade do interior das
Minas Gerais, traz nas entrelinhas a impossibilidade da reflexão.
Afinal de contas, na lógica que
se tenta impingir à vida, ele tinha tudo para não ser o que foi. Filho de um
país tão duramente impregnado pelo ranço da sua herança colonial, Pelé poderia
ter sido apenas mais um na multidão. No entanto, quis o destino cortar a
altivez eurocêntrica predominante nessa ex-colônia chamada Brasil, proclamando
um rei que subvertia por completo os padrões.
Pura predestinação! A vida foi
fluindo como tinha que ser e Pelé se deixando conduzir dentro das
circunstâncias. Só isso. Ele não se impôs para chegar nesse ou naquele lugar ou
para fazer com que o Brasil e o mundo rendessem reverências à sua pessoa, ao
seu talento. Era como se o roteiro da sua existência gloriosa, magnífica, já
estivesse traçado. Tinha que ser assim, e foi. Não houve mesquinharia,
preconceito ou intolerância, que puderam ser efetivamente capazes de se
materializar em obstáculos para Pelé.
De modo que à revelia e
contragosto de muitos brasileiros, Pelé se tornou a cara do Brasil para o
mundo. Aquele menino negro e pobre, nascido em uma pequena cidade do interior,
fez luzir o lado bom de um país tão impregnado de problemas e desafios. Pois é,
brincando despretensiosamente com a bola nos pés, ele fez o Brasil enxergar e
admitir o valor e a importância da sua diversidade humana, que até então,
jamais se ousara fazer.
Aliás, é fundamental essa
percepção, porque durante a realização da Copa do Mundo, no Catar, a Federação
internacional de Futebol Associado (FIFA) impôs restrições a eventuais
manifestações de caráter político durante as partidas, por parte dos atletas,
sob a alegação de que o esporte não deve ter viés político.
Acontece que a vida em si é
política! Não é necessário hastear essa ou aquela bandeira, ou emitir
declarações, ou organizar protestos. A política está nas linhas e nas
entrelinhas dos acontecimentos. Então, como dizer algo assim, quando Pelé foi a
expressão máxima disso. Longe das pirotecnias oportunistas, ele sempre foi um
cidadão engajado, consciente e responsável pelo seu poder de influência e formação
de opinião.
Pelé não era só o gênio, o maior
atleta do século XX, o Rei do Futebol. Ele provou que a sua linguagem, lapidada
pelo esporte, poderia ser mais eloquente do que quaisquer outras. Haja vista,
um episódio internacional ocorrido em 1969. Em excursão pela África, o Santos
Futebol Clube que tinha como a principal estrela da equipe, Pelé, acabou
desencadeando um cessar temporário dos conflitos entre o Congo Belga e a
Nigéria. Mas, não para por aí. Também, em 1969, em pleno Maracanã, ao completar
seu milésimo gol, Pelé se manifestou sobre a importância de proteger as
crianças necessitadas do país. Controvérsias à parte, ninguém pode dizer que o
Rei estava errado.
Acontece que são situações como
essas que expõem o mundo como ele realmente é. Seria muito mais fácil para a
sociedade que Pelé fosse só um desportista de talento. Mas, como invisibilizar
um ser humano da envergadura de Pelé? Por si só, ele era a personificação de
questões sobre as quais o mundo não quer pensar, não quer discutir, não quer
transformar, ou seja, o racismo e a desigualdade. E quis o destino que nada disso fosse
empecilho para ele ser quem foi transitando sem amarras por um mundo
arraigadamente eurocêntrico.
Vejam como é a vida! Há 500 anos
o Brasil tenta construir uma imagem social não condizente com a sua história,
com a sua diversidade identitária; mas, o que prevalece intacta é a associação
imediata entre Pelé e o país. Esteja um brasileiro onde estiver, nesse mundo,
ao ser indagado sobre a sua nacionalidade, a resposta sempre faz de Pelé o
sinônimo perfeito de Brasil. Não importa a opinião de uns e outros. Não
importa. A história contemporânea brasileira se conduziu para ser escrita não
pela perspectiva colonial; mas, pela perspectiva pós-colonial através de Pelé.
Está aí mais um gol de placa do Rei!
Assim, agora, Pelé poderia dizer “Através dos passos alternados de perda e ganho, silêncio e atividade, nascimento e morte, eu trilho o caminho da imortalidade” (Deepak Chopra). Mas, para quem o conheceu, as palavras serão sempre outras, ou seja, “Tudo que a memória amou já ficou eterno” (Adélia Prado). Afinal, seres como ele nos fazem entender que “A vida é toda ela memória, exceto por um momento presente indo embora tão rápido que você mal percebe ele ir” (Tennessee Williams).
quarta-feira, 28 de dezembro de 2022
A humanidade e seus telhados de vidro
A
humanidade e seus telhados de vidro
Por
Alessandra Leles Rocha
Faltam poucas horas para o romper
de um novo ano e há quem, ainda, insista em jogar pedras nos telhados de vidro
dos outros. Para aqueles que ainda não se deram conta, esse fenômeno esvazia
completamente a ideia de liberdade plena e absoluta defendida na contemporaneidade.
A crença de que as arenas virtuais e reais são espaços abertos e legitimados
para ser e estar sem o cerceamento de regras, de protocolos, de limites,
desaparece quando, por um mínimo ato impensado, alguém reivindica respeito, ou
compostura, ou empatia, ou qualquer coisa que o valha.
A grande questão é que, em razão
do individualismo, as pessoas só se dão conta de que cruzaram as fronteiras
quando elas próprias se sentem atingidas, incomodadas, agredidas, pelos
excessos verborrágicos e comportamentais de seus pares. Até que isso aconteça não
há uma reflexão, uma análise crítica, da sociedade a esse respeito. Daí serem
pedras e mais pedras cruzando os céus contemporâneos de maneira totalmente
imprevidente. Causando estragos de menor e maior proporção.
Infelizmente, a humanidade
atingiu um patamar nas suas relações sociais que reduz a importância e a
gravidade das suas expressões e manifestações, como se tudo pudesse ser
considerado inofensivo, divertido, normal, ... quando não é. Afinal, cada
indivíduo só pode responder por si, no que diz respeito ao modo como percebe,
sente e responde às interações com o mundo. Ninguém acorda todos os dias com o
mesmo bom humor, a mesma disposição. Então, quando se tem um ou mais interlocutores
participando do processo é ponto de partida fundamental estabelecer certos
limites e etiquetas.
Faz-se necessário entender que os
excessos verborrágicos e comportamentais contemporâneos têm se enveredado por
um caminho de apropriação do direito alheio, subjugando uns aos outros às
decisões tomadas à sua revelia. De modo que esse movimento tende a exigir das
pessoas um nível de aceitação e concordância, o qual nem sempre elas estão
dispostas ou é pertinente à gravidade dos fatos. E isso é muito sério!
Há um trecho da crônica “Não pode
tocar” (2014), de Martha Medeiros, que diz: “Mantenha-se
atrás da faixa amarela, não chegue muito perto, não se acerque de meus traumas,
não invada meus mistérios, não atrite-se com o meu passado, não tente entender
nada: é proibido tocar no sagrado de cada um” 1.
Entende, agora? Apesar de todos os rodopios que o planeta Terra dá diariamente,
seres humanos ainda são humanos. Têm sentimentos. Têm emoções. Têm fragilidades
que nem mesmo sabem que têm. Nossas perspectivas, nossas expectativas, nossas
identidades, são literalmente traços pessoais e intransferíveis. Não dá para
tentar fazer o outro caber em você, e vice-versa.
Ah, como seria bom se o mundo
declarasse armistício para poupar os telhados de vidro! Para que pudéssemos
sair, por aí, cantando a plenos pulmões o refrão “[...]Bombas na guerra-magia / Ninguém matava, ninguém morria / Nas
trincheiras da alegria / O que explodia era o amor / Nas trincheiras da alegria
/ O que explodia era o amor [...]” 2. Sim,
porque é a estupidez que não deixa o ser humano se aproximar da paz, do amor,
da alegria, das maiores e melhores energias. É a estupidez que o faz refém do
seu individualismo, do seu narcisismo, do seu egoísmo, de modo que ele acaba
preso na sua própria espiral de loucura enceguecida.
2 Festa do Interior (Moraes Moreira / Abel Silva) - https://www.youtube.com/watch?v=kkCft6kANdY
O grito silencioso das nevascas
O
grito silencioso das nevascas
Por
Alessandra Leles Rocha
As imagens captadas pelos
veículos de comunicação e informação não deixam dúvidas quanto ao rigor das
nevascas no hemisfério norte. Camadas espessas de gelo branco, cortadas por
rajadas de vento e chuvas congeladas, parecem realmente ultrapassar as telas e
nos atingir em cheio. Pessoas já morreram e milhares de outras tendem a ter o
mesmo fim, dadas as desigualdades de acesso aos sistemas de aquecimento, às
moradias preparadas para as intempéries climáticas, aos vestuários apropriados,
à alimentação ajustada ao regime calórico necessário.
No entanto, é bom que se diga que
a suficiência de recursos não extingue quaisquer impactos negativos. Esse não é
o fiel da balança! Os eventos extremos do clima têm imposto situações de
isolamento, muitas vezes, prolongadas e que impedem o trânsito das pessoas
pelas cidades a fim de recompor os estoques de produtos fundamentais para a
sobrevivência. Além disso, os serviços de comunicação e fornecimento de energia
podem estar sob interrupção forçada por riscos de incêndio. De modo que ter ou
não o dinheiro é pouco relevante nessas conjunturas.
Diante desse cenário, então, deveríamos
parar e refletir sobre o sentido das grandes e pequenas guerras espalhadas pelo
mundo. Afinal, todos os argumentos e justificativas empregadas para sustentar
os conflitos perdem rapidamente a sua consistência. Pois é, o ser humano não
precisa criar situações beligerantes na medida em que, naturalmente, já é
incapaz de lidar com as adversidades e imprevistos que a própria vida lhe
impõe. Sobretudo, agora, na contemporaneidade, quando somos confrontados pelos
eventos extremos do clima.
Por mais esforços e estratégias
que venham sendo empregadas para mitigar os estragos, os prejuízos, as perdas,
a força da natureza tem sido tão avassaladora que tudo parece insuficiente e
ineficiente. Nossas certezas e convicções nunca estiveram tão desprotegidas e
fragilizadas! A velocidade das transformações ultrapassa a capacidade de
controle humano. Da manhã para tarde, da tarde para noite, da noite para a
madrugada, um traço do insólito pode riscar o espaço e desconstruir a lógica
existente.
Nunca fomos tão mortais! Nossa
força se apequena em um simples piscar de olhos. Será mesmo que somos
plenamente livres? Ou autossuficientes? Ou poderosos? Nossos esforços podem se
reduzir a nada, quando menos se espera. Nunca foi tão clara a ideia de que não
somos; mas, apenas estamos de passagem por esse mundo. Numa viagem em que se
chega e vai sem bagagens. E não adianta brigar, nem tentar amealhar, ou
usurpar, ou pilhar o que quer que seja. As regras desse jogo são imutáveis.
Penso que a raça humana anda
mandando muito mal nas suas atitudes e comportamentos, não é mesmo? Porque nada
parece fazer sentido, principalmente, quando se analisa a vida por uma
perspectiva um pouco mais aprofundada, existencialista. A ânsia pela liberdade tem corrompido as
escolhas e o senso de responsabilidade inerente a elas. Assim, a realidade
contemporânea acontece de maneira atabalhoada, irreflexiva, inconsequente,
porque ninguém se dá conta de que “Eu
sempre posso escolher, mas devo saber que, se não escolher, ainda estou
escolhendo” (Jean-Paul Sartre). Talvez, por isso, os desdobramentos e
consequências desse processo vêm se avolumando como escombros cotidianos que
não se pode desfazer ou descartar.
Assim, a raça humana deve se atentar para o fato de que “Justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas” (Umberto Eco). Ao contemplar o grito silencioso das nevascas, não é a fúria da imensidão branca e fria o que causa desconforto e medo; mas, a tradução materializada de uma deturpada simbiose que vem se estabelecendo entre os eventos extremos do clima e o movimento existencial humano. Por isso, tenhamos cuidado! Com nossos atos. Com nossos pensamentos.
terça-feira, 27 de dezembro de 2022
Há lógica no absurdo...
Há
lógica no absurdo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Se engana quem pensa que o
absurdo é ilógico! A prova mais recente dessa constatação está nos atos
antidemocráticos que se deflagraram mais intensamente no pós-eleição deste ano.
Não, nada do que vem acontecendo é resultado do de repente. Muito pelo contrário!
A existência de método, de planejamento, de organização, demonstra de todas as
maneiras como esse processo veio sendo gestado ao longo do curso desse governo.
Torna-se, agora, elucidado o fato
de que a ultradireita nacional nunca teve muita certeza em relação a sua
manutenção à frente do país. Nem mesmo a insatisfação popular fomentada a
partir de 2013 e nem o inesperado episódio da facada contra o seu candidato à
Presidência da República, em 2018, era suficiente para tranquilizá-la. Tanto
que eles usaram de diversos estratagemas para afastar qualquer possibilidade do
seu principal adversário concorrer ao pleito. Bem, conseguiram seu intento.
Chegaram ao poder!
Acontece que a alegria foi logo
surpreendida pelo descortinamento de verdades indigestas relacionadas ao
processo de conquista do poder. Pois é, dizem que não há crime perfeito e,
muito antes do que se poderia supor, os artifícios e as armadilhas utilizados
tornaram-se de conhecimento público. A ultradireita teve a sua identidade
secreta desmascarada! De modo que os discursos e as narrativas foram derretendo
à velocidade dos acontecimentos, colocando em xeque a sobrevivência do ideário
de manutenção de poder.
Foi assim que as rotas
metodológicas, de planejamento e de organização foram sendo reavaliadas e
intensificadas. Talvez, com uma certa dificuldade ocasionada pelo imponderável
chamado COVID-19, que lhes impôs uma conjuntura bastante adversa aos seus
interesses; mas, nada que pudesse comprometer definitivamente a empreitada.
Afinal, uma das ferramentas importantes para a sustentação do seu movimento
eram as Fake News, disseminadas ininterruptamente através das redes sociais na
web e na deep web.
E quando, finalmente, o tempo
eleitoral chegou, uma avalanche de recursos públicos e de promessas vãs, que
poderiam sinalizar a cartada final para a consagração da vitória, foram
confrontadas com a consequência do esfacelamento e deterioração dos velhos
estratagemas, materializado na volta triunfante do seu principal adversário na
corrida ao pleito eleitoral. Todas as certezas estavam sob ameaça novamente!
Sem maiores possibilidades de
reverter o cenário, a ultradireita não viu outra possibilidade a não ser a
beligerância explícita. Entre inimigos reais e imaginários, ela partiu para o
ataque. Contra a Suprema Corte. Contra os adversários. Contra os eleitores em
oposição. Contra a Democracia. Contra o Estado de Direito. Contra o sistema
eleitoral vigente. Elevando o nível de tensão dentro do país a níveis tóxicos e
insustentáveis. Mesmo assim, essa primeira leva de beligerância não cumpriu seu
papel satisfatoriamente e os ultradireitistas perderam as eleições.
Frustrados, inconformados, e
consumidos pelo ódio, partiram, então, para a expressão de atos
antidemocráticos, ganhando as manchetes dos veículos de informação e
comunicação nacionais e estrangeiros; bem como, a desaprovação e a sinalização
de possíveis sanções por parte de diversas autoridades diplomáticas mundo
afora. O que só foi possível porque já estavam cientes de que esse poderia ser
o último ato de resistência a ser impetrado por eles. Assim, não resta mais
dúvidas sobre as razões que os levaram, nos últimos cinco anos, a defender
explicitamente a ideia de uma sociedade fortemente armada e com pleno acesso a
aquisição de artefatos beligerantes.
Essa é a constatação cabal de que
o Brasil nunca foi um país pacífico. As insatisfações, os interesses, os ódios,
os revanchismos, ... apenas se mantêm cultivados nas entrelinhas, naquilo que
passa, tantas vezes, à margem da atenção social. Já dizia Paulo Leminski, “Repare bem no que não digo”. Criando
uma crença de omissão, de displicência, de desleixo do indivíduo, em relação ao
exercício da sua cidadania, quando, na verdade, não passa de má-intenção medida
e pesada, de acordo com os oportunismos de ocasião. Sim, porque há sempre
alguém que espera tirar alguma vantagem dos infortúnios nacionais.
Entenda, nada, absolutamente
nada, do que estamos presenciando é obra do acaso, no Brasil. No fim das
contas, o que temos diante da retina não passa de uma mudança de chave entre a
necropolítica e a política do medo. Ao perder as eleições e não podendo mais
deixar morrer ou fazer morrer, o mecanismo encontrado pela ultradireita
brasileira é reforçar a ideia do medo. Para isso vale quaisquer tentativas para
fazer minguar a materialização das manifestações de esperança, ou seja, esvaziar
o público da posse do novo Presidente da República em 1º de janeiro, demonstrar
afronta gratuita ao patrimônio público e privado, ostentar poder bélico, e por
aí vai. Pois, como escreveu Umberto Eco, em O nome da Rosa, “Nada inspira mais coragem ao medroso do que
o medo alheio”.
Daí a razão de semear o medo, porque é ele que retroalimenta o ódio. Ora, nessa e em tantas outras situações, “É preciso cultivar o ódio como paixão civil. O inimigo é amigo dos povos. É sempre necessário ter alguém para odiar, para sentir-se justificado na própria miséria” (Umberto Eco, O Cemitério de Praga).
segunda-feira, 26 de dezembro de 2022
Menos turismo. Mais fogo cruzado. Zero desenvolvimento.
Menos
turismo. Mais fogo cruzado. Zero desenvolvimento.
Por
Alessandra Leles Rocha
Um dos maiores atributos
brasileiros é o turismo. Seja no veio das extraordinárias belezas naturais. Seja
no conjunto da diversidade multicultural. Seja nos museus e espaços de exibição
artística. Seja na amplidão da expressão gastronômica. ... Fato é que o país
desfruta dessa possibilidade de intercâmbio e geração de emprego e renda, como
poucos ao redor do planeta. Entretanto, parece fazer pouco dessa graça, quando
não cria uma atmosfera agradável e apropriada para a manutenção do seu
desenvolvimento.
Pois é, foi exatamente no turismo
nacional que eu pensei, quando me deparei com a notícia de que “Usando dispositivo remoto, homem planejou
explosão sob caminhão com querosene” 1,
em Brasília, DF. Porque a beligerância, seja qual for a sua forma de expressão,
é sempre um prejuízo sócio, político e econômico, porque afasta o turista
diante da ameaça da violência. Sem contar que, considerando os recentes
impactos da pandemia sobre o mundo, não é nada inteligente eliminar quaisquer
possibilidades de reconstrução das bases econômicas.
Mas o Brasil quer jogar contra o patrimônio!
Quer esticar a corda e ver o circo pegar fogo! Isso explica porque, não raras às
vezes, nossa fiscalização e aplicação da legislação é demasiadamente flexível e
benevolente. Há sempre uma brecha aqui e outra acolá, para no caso de alguém
que queira agir na contramão da legalidade, da justiça, da coletividade, poder
fazê-lo sem empecilhos. Há uma reticência visível na sociedade brasileira
quanto aos maus feitos, aos comportamentos anticidadãos, fazendo parecer que muitos
têm receio de perder essa carta na manga.
Acontece que a cada precedente aberto,
em nome da ilegalidade, do desrespeito, da anticidadania, da antidemocracia, agrava-se
a situação 2. É fundamental dar o
trato certo aos acontecimentos desde a primeira tentativa de encená-los, ou
seja, cortar o mal pela raiz. Como dizia José Saramago, “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça,
aparar-lhe as unhas não serve de nada”. Mas, infelizmente é isso o que
acontece no Brasil, há mais de 500 anos. O medo de quem pune hoje é o de poder
ser punido amanhã.
Bem, na verdade, façamos um parêntese
nessa alegação, porque ela não é 100% objetiva. Recapitulando nossa história colonial,
nem tudo o que vale para alguns, vale para todos. Haja vista a pirâmide social
que compõe o sistema carcerário brasileiro. O vale quanto pesa, que incide
sobre as decisões da justiça, que favorece o uso dos recursos jurídicos, cria
distorções visíveis na aplicação da lei. A tal ponto que, em muitos momentos,
se tem a percepção clara de que ela infringe a isonomia descrita na
Constituição Federal.
Então, quando a sociedade e as
instituições se calam diante da beligerância, como vem acontecendo no país, uma
tensão diplomática começa a se formar no âmbito do turismo, do comércio
exterior, da diplomacia. Ao se mostrar incapaz de garantir a segurança, a
tranquilidade e o bem-estar de seus próprios cidadãos, imagina em relação aos estrangeiros!
Muitos acreditam que esse é um cenário
de caos, quando, na verdade, estamos diante de um gigantesco e histórico buraco
negro, o qual vem sugando toda a energia, toda a criatividade, toda a singularidade,
comprimindo tudo a tal ponto que se forme uma massa homogênea, disforme, sem
identidade. O que explica o porquê dessa busca obstinada em desacreditar, em deslegitimar,
não só pessoas ou governos, mas o país em si.
Esse buraco negro quer constituir
um espaço idealizado, surreal, e totalmente sem luz. Por isso ele conduz o
estado ao status de pária, ou seja, quando não consegue cumprir regras ou
cooperações internacionais, expondo-o a severas sanções que retroalimentam a
sua invisibilização. De acordo com as teorias de Stephen Hawking, “As grandes conquistas da humanidade foram
obtidas conversando, e as grandes falhas pela falta de diálogo”. Assim...
O pior é que os atos
antidemocráticos, anticidadãos, frutos de uma manipulação ideológica polarizada,
que se acirraram mais precisamente nos últimos cinco anos, no Brasil, são um fenômeno
global impresso pela ultradireita para tomar o poder. Portanto, não há
quaisquer preocupações na sustentabilidade de suas ações, o que eles querem é o
poder, o resto é resto. Daí não se ver traços de coesão entre eles, ou de coerência
nos seus discursos e narrativas, ou de uma visão desenvolvimentista e
progressista. Muito pelo contrário! É só grito, insanidade, radicalismo e
violência.
Não é à toa que essas pessoas
pensam que “É mais fácil mobilizar os
homens para a guerra que para a paz. Ao longo da história, a Humanidade sempre
foi levada a considerar a guerra como o meio mais eficaz de resolução de
conflitos, e sempre os que governaram se serviram dos breves intervalos de paz
para a preparação das guerras futuras. Mas foi sempre em nome da paz que todas
as guerras foram declaradas” (José Saramago). O que explica porque “Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém
ganhará a próxima” (Eleanor Roosevelt).
Para um país que é rico, mas se
apresenta cada dia mais pobre e miserável, o Brasil deveria parar de tentar
criar “chifres em cabeça de cavalo”! Segundo
Isaac Asimov, “A violência é o último
refúgio do incompetente”. No entanto, parece que já avançamos algumas casas
nesse jogo e “O que está em causa não é a
violência, é a crueldade. Violenta é toda a natureza. Para que eu coma o meu
filé, tenho que matar um boi. Nós seres humanos, os tais seres racionais,
inventamos a crueldade” (José Saramago). Algo que na ânsia de justificar o
injustificável revela a obviedade de que os “Terroristas
não saqueiam para possuir, nem matam para saquear. Matam para punir e purificar
através do sangue” (Umberto Eco). Pense nisso!
sexta-feira, 23 de dezembro de 2022
quinta-feira, 22 de dezembro de 2022
Democraticamente vulneráveis...
Democraticamente
vulneráveis...
Por
Alessandra Leles Rocha
Até certo ponto, é possível compreender
porque muitas pessoas associam o termo vulnerabilidade às parcelas sociais
menos favorecidas. A inacessibilidade aos direitos sociais presente nesse
contexto favorece essa visão. No entanto, quero chamar atenção para o fato de
que a vulnerabilidade, no âmbito do mundo contemporâneo, vai muito mais além,
de modo que tende a afetar a pirâmide social de uma maneira muito mais ampla.
Temos visto presencialmente, ou pelos
veículos de informação e comunicação, a quantidade de ocorrências ligadas aos
eventos extremos do clima; sobretudo, incêndios, enchentes e deslizamentos. Não
é preciso ser especialista na área ambiental para perceber como o clima, no
Brasil e no mundo, vem sofrendo mudanças radicais e trazido morte e destruição
em áreas urbanas e rurais, como jamais esperado.
Certamente que, nesses casos, as
populações economicamente desfavorecidas serão as mais afetadas, em razão de
viverem em áreas desassistidas de políticas públicas, ou seja, encostas de
morros, espaços aterrados com entulho, beira de cursos d’água, onde a ausência de
planejamento e de infraestrutura ampliam demasiadamente os riscos
habitacionais.
Mas, como muitos devem se lembrar,
em fevereiro deste ano, a cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, foi exposta a
seis horas de chuva, traduzidas em 260mm, muito acima da média climatológica
padrão para o mês, que é de 232mm. Em suma, a cidade ficou praticamente
submersa e computou 241 vítimas fatais, sem contar o número de desabrigados e
atingidos direta e indiretamente pela situação. Isso significa que a
vulnerabilidade afetou camadas distintas da população, não apenas os mais
pobres.
Mais recentemente, ruas e
rodovias foram engolidas pelas chuvas de fim de ano, colocando sob interdição diversos
trechos país afora. O recente relatório “Crianças,
adolescentes e mudanças climáticas no Brasil”, divulgado pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), alerta que a “taxa de afetados por desastres ambientais é de 184,3 a cada 100 mil
habitantes na PB” 1, o que nos leva a pensar
qual seria a estatística de tantas outras cidades atingidas também.
O pior é que esses desastres não
são um privilégio só nosso! Os incêndios florestais na Europa e nos EUA, nas
temporadas de calor, por exemplo, têm arrasado cidades inteiras e destruído,
inclusive, casas de milionários em condôminos de luxo. A temporada de tornados
norte-americana, a qual sempre ocorre no verão do hemisfério norte, dessa vez driblou
o monitoramento da Agência Oceânica e Atmosférica Americana (NOAA) e o Serviço
Meteorológico Nacional, em pleno outono, quando o sul dos EUA foi atingido por
tempestades e ventos acima de 300km/h 2.
Agora, as grandes nevascas no hemisfério norte podem levar à morte milhares de
seres humanos que não têm como garantir medidas de proteção e aquecimento em
suas casas 3, seja pela inflação
corroendo a renda das famílias, seja pela Guerra na Ucrânia obstaculizando o
fornecimento de gás e combustível para diversos países, ou por tantos outros
entraves presentes na realidade contemporânea.
São situações assim, que fazem imperar
uma necessidade urgente de discussão e de criação de políticas públicas
voltadas para a mitigação de riscos relacionados aos eventos extremos do clima.
Infelizmente, chegou-se a um ponto em que os protocolos de análise dos eventos
climáticos, em cada região, estão sendo sumariamente alterados à revelia de
qualquer aviso prévio. A infraestrutura disponível é insuficiente e ineficiente,
como tem provado amiúde, para o enfrentamento adequado das atuais conjunturas
climáticas.
Lamento para quem se considera a
última bolacha do pacote, um ser superior, eterno e inatingível, a partir de
agora, está batido o martelo, somos todos vulneráveis! Qualquer cidadão está,
portanto, prestes a perder seus bens materiais e a própria vida se esse assunto
não se tornar rapidamente uma prioridade de todas as esferas governamentais. Não,
não é força de expressão, nem alarmismo! Quando os céus escurecem sobre as
cidades, os ventos se enchem de fúria, o insólito adentra triunfante e
glorioso, podendo se esperar qualquer consequência mais radical e extrema das
suas ações.
Ah, e não pense que resistir a um
episódio desses é garantia de alguma coisa, porque não é! Geralmente, os fenômenos
extremos do clima afetam as estações de abastecimento e tratamento de água e
esgoto. De modo que áreas inteiras padecem por dias a insalubridade e o risco
do aparecimento de doenças e, possivelmente, epidemias. Essa água e esgoto tendem
a favorecer o risco de diarreias, por conta da presença de bactérias, vírus,
parasitas; mas, também, da febre tifóide (Salmonella
typhi), da lepstospirose (Leptospira
interrogans), do Tétano (Clostridium
tetani), das hepatites A e E, e da cólera (Vibrio cholerae). E se negligenciadas ou malcuidadas podem sim,
gerar desdobramentos graves e até fatais.
Portanto, o olhar de desprezo e
indiferença que muitos se permitem lançar, de maneira cruel e perversa, sobre
milhares de pessoas em condição de vulnerabilidade, gerada pela
inacessibilidade aos direitos sociais básicos, é só uma tentativa bizarra de
não olhar para o próprio espelho. Afinal, narciso pode ser belo; mas,
vulnerável, ele é por excelência! O tempo perdido em arvorar-se de
pseudopoderes, pseudossuperioridades, pseudonarcisismos, está comprometendo diretamente
a sobrevivência humana. Lembre-se de que um ser vulnerável, e todos nós somos,
só tem uma escolha de vida: é agora ou nunca!
1 https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2022/11/09/taxa-de-afetados-por-desastres-ambientais-e-de-1843-a-cada-100-mil-habitantes-na-pb-diz-unicef.ghtml
2 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/11/30/tornados-afetam-o-sul-dos-estados-unidos.htm
quarta-feira, 21 de dezembro de 2022
Money, Money, Money, ...
Money,
Money, Money, ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Ah, a desfaçatez política
nacional! Enquanto se arrasta no “toma lá,
dá cá” as votações para a PEC (Proposta de Emenda Constitucional)1 da Transição, os nobres congressistas
de Brasília não titubearam em aprovar o “aumento
de salário para presidente, ministros e parlamentares”, cujo “projeto aprovado na Câmara e no Senado, em
quatro anos, estabelece um reajuste que será de 37,32% a 50%, dependendo do
cargo” 2.
Pois é, mesmo “ ‘Esperança’ tendo sido eleita a palavra do
ano de 2022 pelos brasileiros” 3, algo
continua podre no Reino do Brasil. Aprovar algo dessa natureza, diante de um
cenário de empobrecimento explícito de uma gigantesca parcela da população, às
vésperas do Natal, é de uma indiferença e insensibilidade total. Na verdade, a
paga inversamente proporcional ao apoio recebido através dos votos de seus
eleitores.
Caro (a) leitor (a), que não
reste mais dúvidas, o Brasil não é empático, não é fraterno, não é humano! Daí
o fato de que a alternância democrática de poder não significa que o ranço histórico
colonial, a nutrir a ultradireita no país, irá desaparecer. A representação
político-partidária, há tempos, não vê mais sentido em dissimular o que de fato
defende e ostenta, porque de um jeito ou de outro ela acaba se elegendo ou
encontrando meios para permanecer nos bastidores do poder nacional.
E assim, de migalhas em migalhas
vão cevando aqueles que lhes garantem tamanhas regalias, privilégios e
posições, ou seja, o cidadão eleitor. Cevando esperanças vãs! Aliás, é
importante destacar aqui o tamanho do desvirtuamento semântico que a classe
política operacionaliza em relação à esperança. Transformaram elementos
constitutivos dos direitos sociais do brasileiro – saúde, educação,
alimentação, segurança, emprego, previdência social, transporte, cultura lazer
- em objetos depositários de esperança, por parte de um expressivo contingente
da população, dada a inacessibilidade imposta pelas conjunturas político-econômicas.
Pois é, a esperança brasileira
foi alçada ao plano de expectativa de sobrevivência! Esperança no pão nosso de
cada dia. Esperança de um teto para morar. Esperança de poder estudar. Esperança
de um trabalho. Esperança de retornar vivo para casa. Esperança... Mas,
sobretudo, esperança de que um dia, toda aquela quantidade de impostos pagos, diariamente,
se converta em uma vida de menos aflição e mais dignidade, para quem vive as
aventuras e as desventuras do cotidiano nacional.
E se ter esperança parece bom,
parece saudável, lamento, mas não é bem assim. Não há instrumento mais poderoso
para a vigilância e o controle social do que o excesso de esperança. Pessoas esperançosas
costumam ser cordatas. Como se a esperança fosse um emaranhado de fios que cada
um que se esgarça, que se rompe, ainda resta uma possibilidade de se prender a
outro e tocar a vida adiante. Desse modo, ela cria uma aura de coragem, de
bravura, de heroísmo que ajuda a nutrir as almas mais desesperadas, mais
aflitas, trazendo um certo tipo de domesticação e submissão social. Como escreveu
Clarice Lispector, “Prescindir da
esperança significa que eu tenho que passar a viver, e não apenas a me prometer
a vida” (A Paixão Segundo G.H.)
Entende, agora, por que é tão
acintosa a construção política nacional? Mesmo as migalhas são dadas com uma
mão e tiradas com a outra, por aqueles que dizem representar o povo. Sobre a
esperança, melhor nem comentar! Aquele “sonho
do homem acordado”, de Aristóteles, os representes político-partidários
brasileiros conseguiram extinguir, corrompendo-a de todas maneiras. A tal ponto
de que, hoje, ela não passa de um estado de transe, no qual se tenta desesperadamente
anestesiar a alma diante de tantas decepções e sofrimentos. Não é mais uma
esperança verde, viçosa, bonita. É só uma esperança sem cor, autômata, blasé.
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
Vai um veneninho aí?
Vai
um veneninho aí?
Por
Alessandra Leles Rocha
Vai um veneninho aí? Em breve,
seremos questionados assim, no momento das refeições. Sem saber exatamente o
que colocamos no prato, se é comida in
natura ou amontoados de agrotóxicos, fato é, que estaremos expostos a uma imensidão
de riscos à saúde inimaginável. Digo isso, porque o Projeto de Lei n.º 1459 1, de 2022, o qual propõe modificar o
sistema de registro de agrotóxicos , seus componentes e afins, deve ser votado
hoje, no Senado da República.
Na contramão do mundo consciente
sobre o desenvolvimento sustentável, o Brasil se rende inescrupulosamente aos
apelos consumistas da indústria química, sem se dar ao trabalho de refletir,
por um segundo sequer, a respeito do que significa “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente” (art. 225, inciso V, CF de 1988).
Aliás, contrariando também a
decisão da COP15 da Biodiversidade, quando “Países
chegam a acordo histórico para proteger 30% do planeta” e incluiu “garantias para os povos indígenas,
guardiões de 80% da biodiversidade que existe na Terra, propondo restaurar 30%
das terras degradadas e reduzir pela metade os riscos ligados aos pesticidas”
2.
A estupidez humana é mesmo algo
assombroso! Foi-se o tempo em que os agrotóxicos podiam livrar as lavouras do
ataque das pragas! No mundo contemporâneo atual a ameaça para a produção agrícola
está nos eventos extremos do clima. Sem controle sobre a escassez ou excesso de
chuvas, ventos, insolação, antigas e novas pragas podem emergir à revelia da
vontade do produtor, sem que os usos de quaisquer agrotóxicos possam proteger a
produção.
O combate químico feito aqui pode
ir parar em qualquer outro lugar através das chuvas e dos ventos, contaminado
produtos que não deveriam conter presença de agrotóxicos, contaminando cursos d’água
e nascentes afetando as microfloras e microfaunas; portanto, perdendo o sentido
inicial da sua utilização e consumindo recursos vultosos desnecessariamente. Sim,
porque perto da fúria com a qual os eventos extremos do clima têm assolado os
espaços geográficos, a perda natural pelas pragas parece irrisória,
insignificante, e pouco justificável para o uso indiscriminado dos pesticidas.
No fim das contas, toneladas
desses produtos são dispersos diariamente no ambiente, constituindo verdadeiros
amontoados de repercussão bioacumulativa deletéria que afeta não só o equilíbrio
e a salubridade do meio ambiente; mas, do próprio ser humano. A negligência no
trato desses produtos vem promovendo sim, um adoecimento generalizado da vida
sobre o planeta.
Acontece que ninguém se atenta
para esse fato dada a baixa estimativa em relação aos acontecimentos. Há uma carência
real de mensuração científica a esse respeito; mas, a força do impacto econômico
gerado pela venda e consumo de agrotóxicos no mundo, obstaculiza a construção
desse conhecimento. Na maioria das vezes, aponta-se a incidência dessa ou
daquela patologia; mas, não se investiga as causas reais que levaram ao seu
aparecimento e manifestação em uma certa população.
Ao trazer essa reflexão não posso
deixar de me recordar das seguintes palavras de Charles Chaplin, em O Grande
Ditador, de 1940, “[...]O caminho da vida
pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou
a alma dos homens ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito
marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. [...]” 3. Isso, talvez, nos traga a clareza
de que não somos necessariamente envenenados pelos agrotóxicos. Eles são apenas
a materialidade de algo que a própria ganância humana produz, sem que nos demos
conta.
Enquanto não querem perder um grãozinho
sequer para uma doença, uma praga, o país não se incomoda em perder toneladas
dispersas dos caminhões pelas estradas em péssimo estado de conservação. Não se
incomoda em ver a praga da fome e da miséria assolar uma parcela gigante da sua
população, expondo-a a mais completa insegurança alimentar. Não se incomoda em ver
crescer as estatísticas do câncer e outros males fomentados pela contaminação
dos pesticidas. ...
Sim, porque quanto a isso os agrotóxicos
foram, são e serão sempre inúteis no sentido de fazer com que a humanidade perceba
que “[...] Nossos conhecimentos
fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em
demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais
do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida
será de violência e tudo será perdido” (Charles Chaplin – O Grande
Ditador).
Portanto, não se esqueça da sua
participação nessa tragédia. Como escreveu Henry David Thoreau, “Dá teu voto inteiro, não uma simples tira
de papel, mas toda tua influência”. Pois é, quando se pensa que o ato de
votar resume tudo, que não é mais necessário acompanhar, fiscalizar, cobrar o representante
político-partidário, votações para a chamada Lei do Veneno, por exemplo,
acontecem. Há uma carência inata de fazê-los se lembrar dos compromissos
assumidos; afinal de contas, por menor que seja o poder em suas mãos ele é
sempre capaz de lustrar o seu individualismo, a tal ponto de não conseguir fazê-los
constrangidos ou arrependidos de agir em desfavor dos eleitores e do seu próprio
país.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2022
Exercite o desapego...
Exercite
o desapego...
Por
Alessandra Leles Rocha
É dezembro. É natal. Independentemente
da crença que se professe, algo deveria nos convergir para um ponto comum, a
reflexão em torno do desapego. Seja qual for a perspectiva sobre o sagrado de
cada um, de formas bastante singulares elas apontam para a evolução humana, a partir
das mais íntimas e profundas transformações de crenças, valores e princípios. Para
os cristãos, por exemplo, o simbólico chega através de um menino nascido numa
manjedoura despida de qualquer luxo ou ostentação. De uma família recém constituída
que sai pelo deserto, largando bens e pessoas, para trás, em nome da sobrevivência.
Ontem, me deparei com a seguinte manchete:
“ ‘Vou passar noite de natal dormindo’: famílias
pobres ficam sem a ceia” 1. Sinais
do empobrecimento e da fome nacional? Sim. Aliás, por si só, isso já é uma
questão muito grave para se refletir. No entanto, são as entrelinhas que
deveriam agitar a inconsciência humana de brasileiros e brasileiras, trazendo outros
vieses para a discussão. Essa mania de enxergar os problemas como pontos
dissociados é o maior de todos os erros. Afinal, a complexidade da vida
acontece porque ela flui na agregação de aspectos e circunstâncias que dialogam
de maneira direta e indireta entre si.
Caro (a) leitor (a), nem tudo é
política, ou filosofia, ou sociologia, ou religião, ou legislação, nessa vida! Atravessando
em todas as direções e sentidos da existência cotidiana está o ser humano. Não
é à toa que Martin Luther King Jr. dizia, “A
verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos
de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e
desafio”. Em síntese, essas palavras dizem sobre o modo como o apego
interfere e influência no equilíbrio material e imaterial do ser humano.
Sim, porque é o apego que
legitima o modo de ser, de pensar, de agir, de cada indivíduo. É o que molda, o
que lapida a identidade, no que diz respeito às crenças, os valores, os princípios,
os interesses, as prioridades, enfim... Quanto mais materialista, menos
espiritual, e vice-versa. De modo que
está no distanciamento e no desvirtuamento do ponto de equilíbrio entre esses
extremos o que gera a desigualdade nas suas mais distintas manifestações.
Isso significa que o apego exercido
pelos seres humanos desencadeia um conjunto de processos, muito semelhantes ao
chamado Efeito Borboleta, nas relações sociais, ou seja, ao estabelecer suas
escolhas e decisões, com base em um automatismo quase genuíno, eles se esquecem
de avaliar os eventuais riscos e consequências que podem afetar a vida de outros
que não lhes são conhecidos ou de sua convivência.
É o que se viu acontecer, por
exemplo, com o negacionismo em relação às vacinas. Ao se recusarem a receber os
protocolos de imunização, milhares de indivíduos permitem que os vírus permaneçam
em circulação contaminando quem estiver vulnerável. Assim, essa situação pode formar
legiões de órfãos, comprometer e destruir famílias inteiras, afetar a população
economicamente ativa de certas regiões, sem que os negacionistas sequer tenham
visto essas pessoas em algum momento de suas vidas.
Vale ressaltar que o apego fortalece
certas ideias, tais como a imortalidade, a invencibilidade e a supremacia. Então,
milhares de pessoas não querem ser confrontadas nesse sentido, ou seja, na sua
parcela de responsabilidade diante de tantas e terríveis mazelas distribuídas pelo
mundo. Porque exercitar o desapego é recobrar a consciência sobre si mesmo,
sobre a sua fragilidade humana, sobre suas responsabilidades e deveres consigo
e com os demais. Sem contar, que o
desapego impõe uma análise crítica sobre muitas das significâncias que se
atribui ao longo da vida, criando uma distorção em torno do que é ou não
importante, prioritário, essencial.
Portanto, não se recuse a pensar,
nem a enxergar, nem a discutir a respeito. Se tudo isso lhe soar difícil,
desconfortável, constrangedor, que tal canções? Dezembros, natais, são sempre momentos
de música flutuando pelo ar. Que tal se permitir, alguns minutos que sejam, e apreciar
John Lennon (Imagine 2/ Happy
Xmas [War Is Over]3), Ozzy Osbourne (Dreamer)4, Louis Armstrong (What a wonderful
world)5, Phil Collins (Another Day In Paradise)
6, Jota Quest (Dias Melhores 7/
Daqui só se leva o amor 8), Lenine
(Paciência)9, Skank (Pacato Cidadão) 10, Pato Fu (Perdendo Dentes 11/ Simplicidade 12), ... ? Creio que elas podem sim, trazer
“Longa vida aos que conseguem se
desapegar do ego e ver a graça da coisa” (Martha Medeiros). Assim, quem
sabe você não encontra o motivo perfeito para estabelecer o que é ou não
importante na sua vida, hein? Vale tentar!