Vai
um veneninho aí?
Por
Alessandra Leles Rocha
Vai um veneninho aí? Em breve,
seremos questionados assim, no momento das refeições. Sem saber exatamente o
que colocamos no prato, se é comida in
natura ou amontoados de agrotóxicos, fato é, que estaremos expostos a uma imensidão
de riscos à saúde inimaginável. Digo isso, porque o Projeto de Lei n.º 1459 1, de 2022, o qual propõe modificar o
sistema de registro de agrotóxicos , seus componentes e afins, deve ser votado
hoje, no Senado da República.
Na contramão do mundo consciente
sobre o desenvolvimento sustentável, o Brasil se rende inescrupulosamente aos
apelos consumistas da indústria química, sem se dar ao trabalho de refletir,
por um segundo sequer, a respeito do que significa “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o
meio ambiente” (art. 225, inciso V, CF de 1988).
Aliás, contrariando também a
decisão da COP15 da Biodiversidade, quando “Países
chegam a acordo histórico para proteger 30% do planeta” e incluiu “garantias para os povos indígenas,
guardiões de 80% da biodiversidade que existe na Terra, propondo restaurar 30%
das terras degradadas e reduzir pela metade os riscos ligados aos pesticidas”
2.
A estupidez humana é mesmo algo
assombroso! Foi-se o tempo em que os agrotóxicos podiam livrar as lavouras do
ataque das pragas! No mundo contemporâneo atual a ameaça para a produção agrícola
está nos eventos extremos do clima. Sem controle sobre a escassez ou excesso de
chuvas, ventos, insolação, antigas e novas pragas podem emergir à revelia da
vontade do produtor, sem que os usos de quaisquer agrotóxicos possam proteger a
produção.
O combate químico feito aqui pode
ir parar em qualquer outro lugar através das chuvas e dos ventos, contaminado
produtos que não deveriam conter presença de agrotóxicos, contaminando cursos d’água
e nascentes afetando as microfloras e microfaunas; portanto, perdendo o sentido
inicial da sua utilização e consumindo recursos vultosos desnecessariamente. Sim,
porque perto da fúria com a qual os eventos extremos do clima têm assolado os
espaços geográficos, a perda natural pelas pragas parece irrisória,
insignificante, e pouco justificável para o uso indiscriminado dos pesticidas.
No fim das contas, toneladas
desses produtos são dispersos diariamente no ambiente, constituindo verdadeiros
amontoados de repercussão bioacumulativa deletéria que afeta não só o equilíbrio
e a salubridade do meio ambiente; mas, do próprio ser humano. A negligência no
trato desses produtos vem promovendo sim, um adoecimento generalizado da vida
sobre o planeta.
Acontece que ninguém se atenta
para esse fato dada a baixa estimativa em relação aos acontecimentos. Há uma carência
real de mensuração científica a esse respeito; mas, a força do impacto econômico
gerado pela venda e consumo de agrotóxicos no mundo, obstaculiza a construção
desse conhecimento. Na maioria das vezes, aponta-se a incidência dessa ou
daquela patologia; mas, não se investiga as causas reais que levaram ao seu
aparecimento e manifestação em uma certa população.
Ao trazer essa reflexão não posso
deixar de me recordar das seguintes palavras de Charles Chaplin, em O Grande
Ditador, de 1940, “[...]O caminho da vida
pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou
a alma dos homens ... levantou no mundo as muralhas do ódio ... e tem-nos feito
marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. [...]” 3. Isso, talvez, nos traga a clareza
de que não somos necessariamente envenenados pelos agrotóxicos. Eles são apenas
a materialidade de algo que a própria ganância humana produz, sem que nos demos
conta.
Enquanto não querem perder um grãozinho
sequer para uma doença, uma praga, o país não se incomoda em perder toneladas
dispersas dos caminhões pelas estradas em péssimo estado de conservação. Não se
incomoda em ver a praga da fome e da miséria assolar uma parcela gigante da sua
população, expondo-a a mais completa insegurança alimentar. Não se incomoda em ver
crescer as estatísticas do câncer e outros males fomentados pela contaminação
dos pesticidas. ...
Sim, porque quanto a isso os agrotóxicos
foram, são e serão sempre inúteis no sentido de fazer com que a humanidade perceba
que “[...] Nossos conhecimentos
fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em
demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais
do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida
será de violência e tudo será perdido” (Charles Chaplin – O Grande
Ditador).
Portanto, não se esqueça da sua
participação nessa tragédia. Como escreveu Henry David Thoreau, “Dá teu voto inteiro, não uma simples tira
de papel, mas toda tua influência”. Pois é, quando se pensa que o ato de
votar resume tudo, que não é mais necessário acompanhar, fiscalizar, cobrar o representante
político-partidário, votações para a chamada Lei do Veneno, por exemplo,
acontecem. Há uma carência inata de fazê-los se lembrar dos compromissos
assumidos; afinal de contas, por menor que seja o poder em suas mãos ele é
sempre capaz de lustrar o seu individualismo, a tal ponto de não conseguir fazê-los
constrangidos ou arrependidos de agir em desfavor dos eleitores e do seu próprio
país.