Exercite
o desapego...
Por
Alessandra Leles Rocha
É dezembro. É natal. Independentemente
da crença que se professe, algo deveria nos convergir para um ponto comum, a
reflexão em torno do desapego. Seja qual for a perspectiva sobre o sagrado de
cada um, de formas bastante singulares elas apontam para a evolução humana, a partir
das mais íntimas e profundas transformações de crenças, valores e princípios. Para
os cristãos, por exemplo, o simbólico chega através de um menino nascido numa
manjedoura despida de qualquer luxo ou ostentação. De uma família recém constituída
que sai pelo deserto, largando bens e pessoas, para trás, em nome da sobrevivência.
Ontem, me deparei com a seguinte manchete:
“ ‘Vou passar noite de natal dormindo’: famílias
pobres ficam sem a ceia” 1. Sinais
do empobrecimento e da fome nacional? Sim. Aliás, por si só, isso já é uma
questão muito grave para se refletir. No entanto, são as entrelinhas que
deveriam agitar a inconsciência humana de brasileiros e brasileiras, trazendo outros
vieses para a discussão. Essa mania de enxergar os problemas como pontos
dissociados é o maior de todos os erros. Afinal, a complexidade da vida
acontece porque ela flui na agregação de aspectos e circunstâncias que dialogam
de maneira direta e indireta entre si.
Caro (a) leitor (a), nem tudo é
política, ou filosofia, ou sociologia, ou religião, ou legislação, nessa vida! Atravessando
em todas as direções e sentidos da existência cotidiana está o ser humano. Não
é à toa que Martin Luther King Jr. dizia, “A
verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos
de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e
desafio”. Em síntese, essas palavras dizem sobre o modo como o apego
interfere e influência no equilíbrio material e imaterial do ser humano.
Sim, porque é o apego que
legitima o modo de ser, de pensar, de agir, de cada indivíduo. É o que molda, o
que lapida a identidade, no que diz respeito às crenças, os valores, os princípios,
os interesses, as prioridades, enfim... Quanto mais materialista, menos
espiritual, e vice-versa. De modo que
está no distanciamento e no desvirtuamento do ponto de equilíbrio entre esses
extremos o que gera a desigualdade nas suas mais distintas manifestações.
Isso significa que o apego exercido
pelos seres humanos desencadeia um conjunto de processos, muito semelhantes ao
chamado Efeito Borboleta, nas relações sociais, ou seja, ao estabelecer suas
escolhas e decisões, com base em um automatismo quase genuíno, eles se esquecem
de avaliar os eventuais riscos e consequências que podem afetar a vida de outros
que não lhes são conhecidos ou de sua convivência.
É o que se viu acontecer, por
exemplo, com o negacionismo em relação às vacinas. Ao se recusarem a receber os
protocolos de imunização, milhares de indivíduos permitem que os vírus permaneçam
em circulação contaminando quem estiver vulnerável. Assim, essa situação pode formar
legiões de órfãos, comprometer e destruir famílias inteiras, afetar a população
economicamente ativa de certas regiões, sem que os negacionistas sequer tenham
visto essas pessoas em algum momento de suas vidas.
Vale ressaltar que o apego fortalece
certas ideias, tais como a imortalidade, a invencibilidade e a supremacia. Então,
milhares de pessoas não querem ser confrontadas nesse sentido, ou seja, na sua
parcela de responsabilidade diante de tantas e terríveis mazelas distribuídas pelo
mundo. Porque exercitar o desapego é recobrar a consciência sobre si mesmo,
sobre a sua fragilidade humana, sobre suas responsabilidades e deveres consigo
e com os demais. Sem contar, que o
desapego impõe uma análise crítica sobre muitas das significâncias que se
atribui ao longo da vida, criando uma distorção em torno do que é ou não
importante, prioritário, essencial.
Portanto, não se recuse a pensar,
nem a enxergar, nem a discutir a respeito. Se tudo isso lhe soar difícil,
desconfortável, constrangedor, que tal canções? Dezembros, natais, são sempre momentos
de música flutuando pelo ar. Que tal se permitir, alguns minutos que sejam, e apreciar
John Lennon (Imagine 2/ Happy
Xmas [War Is Over]3), Ozzy Osbourne (Dreamer)4, Louis Armstrong (What a wonderful
world)5, Phil Collins (Another Day In Paradise)
6, Jota Quest (Dias Melhores 7/
Daqui só se leva o amor 8), Lenine
(Paciência)9, Skank (Pacato Cidadão) 10, Pato Fu (Perdendo Dentes 11/ Simplicidade 12), ... ? Creio que elas podem sim, trazer
“Longa vida aos que conseguem se
desapegar do ego e ver a graça da coisa” (Martha Medeiros). Assim, quem
sabe você não encontra o motivo perfeito para estabelecer o que é ou não
importante na sua vida, hein? Vale tentar!