Há
lógica no absurdo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Se engana quem pensa que o
absurdo é ilógico! A prova mais recente dessa constatação está nos atos
antidemocráticos que se deflagraram mais intensamente no pós-eleição deste ano.
Não, nada do que vem acontecendo é resultado do de repente. Muito pelo contrário!
A existência de método, de planejamento, de organização, demonstra de todas as
maneiras como esse processo veio sendo gestado ao longo do curso desse governo.
Torna-se, agora, elucidado o fato
de que a ultradireita nacional nunca teve muita certeza em relação a sua
manutenção à frente do país. Nem mesmo a insatisfação popular fomentada a
partir de 2013 e nem o inesperado episódio da facada contra o seu candidato à
Presidência da República, em 2018, era suficiente para tranquilizá-la. Tanto
que eles usaram de diversos estratagemas para afastar qualquer possibilidade do
seu principal adversário concorrer ao pleito. Bem, conseguiram seu intento.
Chegaram ao poder!
Acontece que a alegria foi logo
surpreendida pelo descortinamento de verdades indigestas relacionadas ao
processo de conquista do poder. Pois é, dizem que não há crime perfeito e,
muito antes do que se poderia supor, os artifícios e as armadilhas utilizados
tornaram-se de conhecimento público. A ultradireita teve a sua identidade
secreta desmascarada! De modo que os discursos e as narrativas foram derretendo
à velocidade dos acontecimentos, colocando em xeque a sobrevivência do ideário
de manutenção de poder.
Foi assim que as rotas
metodológicas, de planejamento e de organização foram sendo reavaliadas e
intensificadas. Talvez, com uma certa dificuldade ocasionada pelo imponderável
chamado COVID-19, que lhes impôs uma conjuntura bastante adversa aos seus
interesses; mas, nada que pudesse comprometer definitivamente a empreitada.
Afinal, uma das ferramentas importantes para a sustentação do seu movimento
eram as Fake News, disseminadas ininterruptamente através das redes sociais na
web e na deep web.
E quando, finalmente, o tempo
eleitoral chegou, uma avalanche de recursos públicos e de promessas vãs, que
poderiam sinalizar a cartada final para a consagração da vitória, foram
confrontadas com a consequência do esfacelamento e deterioração dos velhos
estratagemas, materializado na volta triunfante do seu principal adversário na
corrida ao pleito eleitoral. Todas as certezas estavam sob ameaça novamente!
Sem maiores possibilidades de
reverter o cenário, a ultradireita não viu outra possibilidade a não ser a
beligerância explícita. Entre inimigos reais e imaginários, ela partiu para o
ataque. Contra a Suprema Corte. Contra os adversários. Contra os eleitores em
oposição. Contra a Democracia. Contra o Estado de Direito. Contra o sistema
eleitoral vigente. Elevando o nível de tensão dentro do país a níveis tóxicos e
insustentáveis. Mesmo assim, essa primeira leva de beligerância não cumpriu seu
papel satisfatoriamente e os ultradireitistas perderam as eleições.
Frustrados, inconformados, e
consumidos pelo ódio, partiram, então, para a expressão de atos
antidemocráticos, ganhando as manchetes dos veículos de informação e
comunicação nacionais e estrangeiros; bem como, a desaprovação e a sinalização
de possíveis sanções por parte de diversas autoridades diplomáticas mundo
afora. O que só foi possível porque já estavam cientes de que esse poderia ser
o último ato de resistência a ser impetrado por eles. Assim, não resta mais
dúvidas sobre as razões que os levaram, nos últimos cinco anos, a defender
explicitamente a ideia de uma sociedade fortemente armada e com pleno acesso a
aquisição de artefatos beligerantes.
Essa é a constatação cabal de que
o Brasil nunca foi um país pacífico. As insatisfações, os interesses, os ódios,
os revanchismos, ... apenas se mantêm cultivados nas entrelinhas, naquilo que
passa, tantas vezes, à margem da atenção social. Já dizia Paulo Leminski, “Repare bem no que não digo”. Criando
uma crença de omissão, de displicência, de desleixo do indivíduo, em relação ao
exercício da sua cidadania, quando, na verdade, não passa de má-intenção medida
e pesada, de acordo com os oportunismos de ocasião. Sim, porque há sempre
alguém que espera tirar alguma vantagem dos infortúnios nacionais.
Entenda, nada, absolutamente
nada, do que estamos presenciando é obra do acaso, no Brasil. No fim das
contas, o que temos diante da retina não passa de uma mudança de chave entre a
necropolítica e a política do medo. Ao perder as eleições e não podendo mais
deixar morrer ou fazer morrer, o mecanismo encontrado pela ultradireita
brasileira é reforçar a ideia do medo. Para isso vale quaisquer tentativas para
fazer minguar a materialização das manifestações de esperança, ou seja, esvaziar
o público da posse do novo Presidente da República em 1º de janeiro, demonstrar
afronta gratuita ao patrimônio público e privado, ostentar poder bélico, e por
aí vai. Pois, como escreveu Umberto Eco, em O nome da Rosa, “Nada inspira mais coragem ao medroso do que
o medo alheio”.
Daí a razão de semear o medo, porque é ele que retroalimenta o ódio. Ora, nessa e em tantas outras situações, “É preciso cultivar o ódio como paixão civil. O inimigo é amigo dos povos. É sempre necessário ter alguém para odiar, para sentir-se justificado na própria miséria” (Umberto Eco, O Cemitério de Praga).