Histórias...
Por
Alessandra Leles Rocha
A vida não se passa a limpo,
segundo a própria vontade. Penso que todos já deveriam saber disso. Erros e
acertos fazem parte da história, do aprendizado, da transformação humana. Ora,
a perfeição não existe! Precisamos de pluralidade justamente para exercermos o
contraditório, a construção de perspectivas e análises próprias sobre os
acontecimentos do cotidiano.
E dentro desse viés, nada foi
mais terrível para o planeta nos tempos contemporâneos, do que a 2ª Guerra
Mundial. Ela representou uma ruptura extrema com a civilidade e mostrou o quão
longe o ser humano pode chegar na sua sombria compreensão de poder. A cada
aposta de um lado da guerra havia outra com mais intensidade ainda. Tanto que
se chegou ao uso de armas nucleares pela primeira vez na história.
Foi um jogo de xadrez com peças
humanas. Milhares delas submetidas ao horror de campos de concentração e
trabalhos forçados. Despojadas da sua identidade, da sua dignidade, da sua
humanidade, poucas tiveram a oportunidade de sobreviver e contar, porque, por
alguma razão, foram poupadas e não entraram nas estatísticas do morticínio das câmaras
de gás, das valas comuns, das experiências cientificas.
Tudo isso ocorrido há 76 anos. Mas,
sabendo que o tempo passa, que as lembranças podem se apagar e até perecer,
houve um esforço conjunto dos sobreviventes e das próprias nações envolvidas no
sentido de preservar a história, exatamente como aconteceu, a fim de que as
gerações futuras tivessem a devida dimensão do que aconteceu no mundo entre
1939 e 1945.
Assim, só os relatos, talvez, não
fossem suficientes para a devida assimilação e compreensão por parte de quem
não esteve in loco naquela situação. Por
isso, museus e espaços ligados diretamente ao holocausto são mantidos para esse
fim. O Museu Estadunidense Memorial do Holocausto (USHMM), em Washington, D.C. A
Casa de Anne Frank, em Amsterdã, na Holanda. O Museu Estatal de
Auschwitz-Birkenau, na Polônia. O Memorial Yad Vashem, em Israel. O Museu do Holocausto
de Curitiba, no Paraná.
Trata-se de uma atitude importantíssima,
não só porque a percepção e a intensidade dos fatos são algo muito particular;
mas, sobretudo, por se tratar de uma manifestação de respeito aos seres humanos.
A sociedade não pode ser privada de sua própria história coletiva. A identidade
cultural de uma nação se constitui a partir das raízes históricas. O ser humano
está sempre em busca de ampliar sua compreensão sobre quem é, quem são seus
ancestrais, de onde veio sua árvore genealógica, o que fizeram até aqui, para
onde foram ou irão. Aliás, essa é uma das razões que fundamentam a existência dos
museus, dos arquivos, das bibliotecas ao redor do mundo.
Contudo, o exemplo em relação à
2ª Guerra Mundial não se estendeu a outros recortes históricos tão brutalmente
impactantes. Faltam pedaços da história e sua ausência impossibilita a
construção de uma consciência mais humana, mais fraterna, mais empática, tanto
pelas atuais como pelas futuras gerações. Não dá para montar um quebra-cabeças
sem que todas as peças estejam disponíveis. O que, por si só, já suscita uma
especulação a respeito. E especulações, conjecturas, vão enviesando a história
e deformando o conhecimento que se estabelece a partir dela.
De certo modo, isso contribui
para deixá-la mais feia. Afinal, vamos concordar que a história do mundo tem apreço
por horrores e bizarrices. Não há nação que não tenha páginas terríveis a
declarar. Todas têm. Entre mocinhos e bandidos o troca-troca de lados sempre
existiu e encenou episódios bastante deploráveis.
Por certo, muita coisa ruim aconteceu
e que dá mesmo vontade de lançar para debaixo do tapete e esquecer... Mas, foi
a história. Foi assim, infelizmente. Temos que aceitar os fatos, aprender com
eles e buscar, de todas as formas, não os repetir.
E nesse ponto se volta ao começo.
Para aprender é preciso saber, conhecer, refletir. Tem que ser dada a oportunidade
de acesso a história. Ah, essa história de “quem
conta um conto aumenta um ponto”; não dá! Ela acaba contribuindo para que a
história seja absorvida pela perspectiva tendenciosa de alguém e não é esse o propósito.
O conhecimento histórico tem que
ser recortado pela diversidade de opiniões e pontos de vista, porém, fundamentados
a partir de registros materiais e imateriais. Portanto, não podemos estar
limitados a uma única fonte.
Não é à toa que a história seja
motivo de tanto amor e ódio na humanidade. Ela mexe com os interesses, com a
dominação, com o poder, com as vaidades, ... de algum modo ela é o único
caminho disponível para colocar a vida dentro de um molde e fazê-la caber
dentro daquele contexto.
Por isso, mais do que nunca
precisamos expandir o olhar e as reflexões sobre os caminhos que trilhamos
sobre esse assunto; afinal, “Quando
falamos de história, temos o costume de nos refugiar no passado. É nele que se
pensa encontrar o seu começo e o seu fim. Na realidade, é o inverso: a história
começa hoje e continua amanhã” (D.N. Marinotis). Então...