sexta-feira, 29 de julho de 2022

Insegurança Alimentar. Insegurança Cidadã.


Insegurança Alimentar. Insegurança Cidadã.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O retorno triunfante do Brasil ao mapa da fome global não é problema apenas de quem sofre com a barriga vazia; pois, não há vida que sobreviva sem alimentos. De modo que não dá para lançar sob o tapete da história nacional esse fenômeno deplorável!

Ainda que a insegurança alimentar não seja privilégio exclusivo do país, já é tempo de ela ampliar as fronteiras da discussão e da reflexão dentro da sociedade brasileira, tendo em vista ela significar a inacessibilidade a uma alimentação em quantidade e qualidade suficientes para garantir a sobrevivência humana.

Mas, por quê? Bem, geralmente, as pessoas tendem a pensar primeiramente sobre o aspecto quantitativo, quase que movidas pela imagem do prato vazio. A insuficiência é, de certa forma, um componente imediatista da fome; sobretudo, quando se depara com famílias inteiras que precisam fracionar os alimentos a quantidades tão ínfimas, que são incapazes de garantir o mínimo de refeições diárias por indivíduo.

O que se materializa a partir de contingentes populacionais esquálidos, doentes, profundamente fracos, em razão da quantidade de alimentos insuficiente para suprir suas demandas fisiológicas básicas, tornando-se uma porta aberta para o oportunismo de inúmeras doenças. Seus corpos não conseguem se manter e, nem tampouco, se defender das intercorrências patológicas.  

E aí, diante desse cenário, emerge a situação de se tentar suprir a insuficiência quantitativa desconsiderando a qualitativa. Primeiro, porque os alimentos in natura são mais caros do que os industrializados 1; afinal de contas, sua produção requer investimentos elevados de produção, tais como tratores, equipamentos, fertilizantes, sementes, controle de pragas e novas tecnologias.

Sem contar, também, que esses produtos têm um prazo de validade menor, que os torna mais susceptíveis a perda. Toneladas acabam perdidas, diariamente, no trânsito entre a produção e a comercialização em face de fatores ambientais como calor, chuva, granizo, e de problemas na embalagem e conservação.

Assim, o resultado dessa realidade tem ajudado a tecer a narrativa da indústria alimentícia sobre as vantagens dos produtos processados e ultraprocessados. Eliminando boa parte dos inconvenientes da produção in natura, eles conseguem uma redução de custos expressiva que se reflete no preço final ao consumidor.

No entanto, as práxis que são empregadas trabalham na contramão da salubridade humana, porque se baseiam em técnicas que lançam mão de uma série de conservantes, corantes, acidulantes, aromatizantes, emulsificantes, estabilizantes, espessantes, adoçantes, que tem um imenso potencial em causar desde alergias até doenças cardiovasculares, gástricas e câncer.

Portanto, seja no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, a grande questão que se impõe sobre os alimentos é o enfrentamento do desafio entre a segurança alimentar e os custos de acessibilidade aos alimentos. Sim, porque de um jeito ou de outro, o que parece senso comum é o descaso em relação à saúde, o bem-estar e o desenvolvimento humano.

Infelizmente, a produção de alimentos no mundo ainda resiste a se constituir com base na Economia Verde, ou seja, ela se desenvolve exacerbando as desigualdades, incentivando o desperdício, desencadeado a escassez de recursos e gerando ameaças ao meio ambiente e à saúde humana, através do uso excessivo de agentes químicos.

Não é à toa que depois da avalanche de liberações de diferentes tipos de agrotóxicos no país 2, fomos surpreendidos recentemente com a dispensa da obrigatoriedade dos produtores de informar o prazo de validade em vegetais frescos embalados, publicada pelo Ministério da Agricultura 3. É importante entender que isso não é pouca coisa não! No caso de alimentos, por exemplo, a ingestão fora do prazo de validade pode sim, resultar em intoxicações e infecções causadas por bactérias e fungos, os quais podem inclusive levar à morte. 

Definitivamente, então, o que está em jogo não é a segurança alimentar do brasileiro! Todas as decisões que vêm sendo tomadas, especialmente nos últimos quatro anos, dizem respeito aos interesses econômicos, favorecendo a um exponencial adoecimento da população; sobretudo aquela pertencente as camadas sociais mais vulneráveis e desassistidas.

Isso porque as causas da insegurança alimentar no país são traçadas pelo arranjo da realidade composta pela escassez de alimentos, mudanças climáticas, problemas de abastecimento, produção insuficiente, incapacidade econômica de aquisição, pobreza e preços elevados. De modo que na escala de prioridades estabelecida pela atual gestão pública, a garantia de lucros para o setor produtivo e de comercialização está anos luz à frente da segurança alimentar dos cidadãos.

Assim, antes de se limitar a pensar apenas sobre um viés em relação à questão da fome, abra sua mente e amplie seus horizontes inspirando-se em “Comida” (1987)4, dos Titãs. Afinal, ela traça com total propriedade a dimensão da nossa miséria, cujo prato e a panela vazios são apenas a ponta do iceberg de uma condição social que se requenta há séculos no país. De modo que nosso quadro de insegurança alimentar é só um lado do prisma da nossa insegurança cidadã.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Preces diante de um eventual perigo?!


Preces diante de um eventual perigo?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É uma pena que no Brasil só se lembre da Democracia, quando ela parece em risco! Coisas do ranço colonial? Certamente. Mas, que já poderiam ter sido superadas na simples observância da realidade sociotemporal. Afinal de contas, o caminhar do relógio vai tornando tudo bem menos ajustável e cabível. A ideia de fazer dos limites algo demasiadamente flexível aos próprios interesses é que cria esse tipo de situação.

De modo que a Democracia vive por um triz! Seja nas manifestações de afronta à liberdade individual perante o Estado, à liberdade de opinião e de expressão da vontade política, à liberdade de imprensa e de acesso à informação, à pluralidade e diversidade ideológica, à igualdade dos direitos e oportunidades sociais, ou à alternância do poder conforme os interesses populares.

Porque no dia a dia, o inconsciente coletivo do povo brasileiro está tão subjugado e dominado pela apatia da trivialização e da banalização dos acontecimentos, que as pessoas não conseguem dimensionar com exatidão a corda-bamba em que a Democracia se equilibra. A realidade parece embebida por uma névoa que ofusca a acuidade visual da população, impedindo-a de exercitar o mínimo que seja da sua capacidade de análise crítico-reflexiva.

Nos tempos em que as manchetes se destacam como a leitura mais rotineira dos cidadãos, os prejuízos da desinformação ou da baixa qualidade informativa contribuem, ainda mais, para esse processo de deterioração e desvirtuamento democrático. Justificados, pelo roto discurso da pressa e da fugacidade contemporânea, então, os cidadãos se alistam nas fileiras da alienação coletiva.

Acontece que a realidade é sempre implacável. Ela não perdoa certos comportamentos! De modo que os desconfortos começam a sair pelos poros. A rabugice impaciente começa a tomar conta dos indivíduos. Porque algo não está bem. Tudo parece fora de lugar, desconectado, desajustado, incapaz de lograr êxito. Por mais que o cidadão queira se iludir colocando suas lentes cor-de-rosa, a vida é o que é.

Então, ele é tomado pela indignação e acorda do seu torpor (voluntário). Percebe que se não agir, não tomar pé da situação, o grande prejudicado será ele mesmo. Ora, a personificação da Democracia é o povo! Se ela está em risco, por consequência ele também está. Não dá para dissociar uma coisa da outra, por mais difícil que seja, tratando-se de um país de origem colonial.

No entanto, me parece que esse tempo de despertar está deveras enviesado! A fagulha que desencadeou o fervor dessa discussão atual está diretamente relacionada às conjunturas que tecem o pleito eleitoral previsto para outubro desse ano. Acontece, que ao meu ver, ela é só espuma perto do que realmente demanda a Democracia brasileira para, de fato, se fortalecer.

É preciso entender que a vida não se constitui apenas de componentes materiais e objetivos; mas, de camadas de subjetividade extremamente importantes. Isso significa que não bastam as discussões em torno de certos indivíduos, é preciso, ou melhor, é imperioso, promover a desconstrução de certas bases ideológicas que arrastam correntes e pessoas a esmo nesse país.

Afinal, os riscos democráticos se escondem nisso.  Em discursos e narrativas que tendem a gerar ruídos intensos e contínuos a fim de conquistar a atenção de um número cada vez maior de ouvintes. Aí, quando olhamos para o lado, percebemos que certas questões voltam a emergir seus conflitos que já deveriam ter sido resolvidos e superados. É o racismo. É a intolerância religiosa. É o trabalho análogo à escravidão. É a homofobia. É a aporofobia. É o sexismo. É a eugenia. ...

As desigualdades, as fragmentações, as segregações são, portanto, os grandes sinalizadores do risco democrático brasileiro. As quais vêm sendo organizadas e reorganizadas ao longo desses mais de 500 anos, apontando para um movimento de resistência às transformações que venham beneficiar e consolidar uma Democracia contemporânea e, periodicamente, renovada.

Então, não basta substituir e/ou destituir pessoas desse ou daquele lugar. Não basta exercitar o voto nesse ou naquele candidato. A Democracia está em risco pela ausência da efetividade do exercício cidadão. Quando a sociedade não se entende um coletivo plural e responsável pelo espaço geográfico que ocupa e, ao invés disso, trabalha na contramão dessa compreensão, atinge-se diretamente as bases democráticas. Pois há uma franca ruptura do consenso que é aquilo que equilibra as forças dentro da estrutura social.

A Democracia no Brasil vem morrendo, um pouco a cada dia, por isso. Porque não se estabeleceu ainda, apesar do curso histórico percorrido até aqui, um senso de unidade. Já dizia Nelson Mandela, por exemplo, que “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”.

Mas, por enquanto, o que parece mesmo elevar a preocupação a respeito dos rumos democráticos brasileiros tem sido o entendimento repentino de que “Numa ditadura, não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura” (Mário Sergio Cortella). Assim, aguardemos com alguma esperança o dia em que se realmente compreenda que “A democracia não pode se limitar à simples substituição de um governo por outro. Temos uma democracia formal, precisamos de uma democracia substancial” (José Saramago 1).



1 Em entrevista ao El País, em 2004.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Ao silenciarem-se, eles silenciam o direito do povo de conhecê-los


Ao silenciarem-se, eles silenciam o direito do povo de conhecê-los

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Aberta oficialmente a corrida eleitoral de 2022, no Brasil, precisamos, enquanto cidadãos, saber se apenas a euforia das Convenções Partidárias e do corpo a corpo com os eleitores é mesmo o suficiente para uma tomada de decisão consciente. Ora, não se dá um cheque em branco a ninguém!

Sim, porque a flagrante desigualdade estabelecida dentro da legislação eleitoral, no que diz respeito ao tempo de rádio e TV dos candidatos para a exposição das suas propostas e perspectivas, beneficia claramente uns e detrimento de outros.

E ainda que a realidade contemporânea nos oportunize os meios tecnológicos de informação e comunicação, não é preciso recapitular a verdade sobre as discrepâncias de acessibilidade tecnológica no país.

Seja por carência e insuficiência estrutural no setor, que não abrange equitativamente o país. Seja pelo custo que onera as despesas de milhões de famílias. Seja pela ausência de letramento digital para o manuseio correto das ferramentas tecnológicas. Enfim...

De modo que esse cenário, como está configurado, acaba por favorecer, e muito, a disseminação de Fake News, na medida em que tira da expressão dos próprios candidatos as suas pretensões para repassá-las a partir das perspectivas de terceiros, nem sempre muito bem-intencionados.

O que significa que das Fake News para as idealizações pessoais é um pulo! De distorções em distorções da realidade se estabelece uma ideia totalmente equivocada e absurda a respeito desse ou daquele candidato. Afinal, ambos os lados, candidatos e eleitores, estão imersos em suas bolhas e distanciados da possibilidade dialógica franca e objetiva.

Começa, assim, o estopim para a fragilização da Democracia. Quando os candidatos se abstêm das oportunidades de falar e de responder aos questionamentos da sociedade, ainda que por intermédio de jornalistas e especialistas em Ciências Políticas e outras áreas do conhecimento.  

Ao silenciarem-se, eles silenciam o direito do povo de conhecê-los um pouco mais. De exporem suas propostas para o país a fim de recolocá-lo nos trilhos com práticas de gestão socioambientalmente responsáveis capazes de resultar em benefícios sociais, atendendo aos mais diversos espectros de demandas.

A recusa na participação democrática dialógica traz à tona um simplismo constrangedor, dada a costumeira justificativa de que os candidatos já são conhecidos. Ora, a discussão não é sobre eles, enquanto pessoa física! A discussão, necessária e fundamental, é sobre o que cada um, enquanto pretenso candidato a, objetiva fazer para o país diante daquele recorte temporal que estabelece o novo mandato.

Como reconstruir, a partir das perdas que se contabilizaram ao final desse ciclo? Como enfrentar os desafios? Como superar as eventuais adversidades? Como recobrar o protagonismo no cenário internacional? Como alavancar novas práxis de administração e gestão alinhadas aos pensamentos sustentáveis? Como...?

São perguntas assim, de cunho cidadão, que permitem aos eleitores construir um panorama do que pode ou não ser alcançado na próxima gestão. Que podem minimizar os rompantes de idealização em torno de transformações radicais e surpreendentemente rápidas, trazendo para o campo da realidade, do possível, do palatável, a consciência da população.

Sem contar, o essencial! A participação dos candidatos, especialmente no que diz respeito aos cargos do Executivo, nos eventos de discussão política, nos permite avaliar a segurança e o nível de conhecimento e preparo deles para a investidura do cargo, ao qual pretendem ocupar. Sabem se expressar ou não? Suas respostas são firmes e diretas? São elegantes ou sarcásticos? São conscientes do seu papel ou dados as aventuras políticas? ...

Mas, além de tudo isso, é preciso reconhecer que a recusa de qualquer dos candidatos à participação nesses eventos, não deixa de transmitir uma mensagem subliminar de arrogância, de prepotência e de uma pseudossuperioridade em relação aos demais. Algo que advém, muitas vezes, em razão dos percentuais estatísticos das pesquisas eleitorais de opinião.

Acontece que o fato de as pessoas simpatizarem mais com esse ou aquele, é muito relativo. As pesquisas são estruturadas a partir de perguntas genéricas e abrangentes, que não dissecam em nenhum momento as intenções de cada candidato. Ali, é só uma amostra superficial e não necessariamente estável da realidade, sujeita a constantes mudanças.

Daí a necessidade de todos se apresentarem. A participação nos eventos de discussão política traz a igualdade e a equidade aos candidatos. Naquele momento todos desfrutam do mesmo tempo de fala, sob o escrutínio dos mesmos interlocutores, sob o mesmo espaço físico, de modo que eles estão sob as mesmas condições, sem privilégios ou regalias. Nenhum é mais ou menos do que o outro.

Mais do que nunca é necessária essa reflexão. Precisamos nos questionar sobre a passividade de aceitação em relação a certos comportamentos dos nossos pretensos candidatos. Como escreveu Steven Levitsky, “Sempre há incerteza sobre como um político sem histórico vai se comportar no cargo, mas, como foi observado antes, líderes antidemocráticos são muitas vezes identificáveis antes de chegarem ao poder” 1



1 LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Traduzido por Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. 272p. 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

As muitas maneiras de ver e entender as ruas


As muitas maneiras de ver e entender as ruas

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vamos brigar? Brigar, xingar, ir para as ruas manifestar nosso ódio reprimido, ... Mas, e daí? O que isso significa de maneira concreta?  O que isso significa de bom, de produtivo, de eficaz? NADA. Absolutamente NADA. Porque nossos inimigos, na verdade, não são de carne e osso. Não retrucam. Não respondem. No entanto, permanecem altivos à espera de alguém que lute contra eles com as armas corretas. Que seja superiormente capaz do ponto de vista intelectual e cognitivo.

Pois é, exibições explícitas de valentia e de (pseudo) poder só funcionam como lustro para a vaidade narcísica de uns e outros, por aí, enquanto escondem um total desvirtuamento do seu exercício cidadão, da sua identidade cidadã. Sim. Afinal de contas, não há pauta que se sustente nessas manifestações a não ser a reafirmação de crenças, valores e princípios que estão longe de caber na realidade contemporânea do mundo. Que não passam de fiapos frágeis usados para segurar certas regalias e privilégios.

Isso quer dizer que o convite inflamado só faz escancarar a mais completa inversão de prioridades. Ninguém ali parece querer demonstrar sua fúria, sua indignação, seu descontentamento, sua frustração, pela realidade socioeconômica do país que pulsa escandalosamente uma inflação, uma carestia, um desemprego, um achatamento da renda, uns juros estratosféricos, uma desaceleração da produção, ... que fazem corar de vergonha e se desesperar diante dos veículos de comunicação e informação.

Muito embora, o não admitir essa verdade não signifique que todos eles não estejam sentindo os seus reflexos e desdobramentos na própria pele. Estão sim. Em maior ou em menor escala, as perdas acabam batendo na porta de todos. É inevitável! Porque o efeito cumulativo das crises econômicas acirra a expressão dos prejuízos. Acontece que o ranço colonial, ainda insistentemente presente no país, exige das classes mais abastadas a manutenção das aparências, dos fingimentos, para não se mostrar vulneráveis ou menos poderosas.

Então, esse “Vamos brigar?” é só uma estratégia para desviar o foco a seu respeito. Extravasar, enquanto expressão de reafirmação, a sua repulsa pela existência da diversidade, da pluralidade, seja de que natureza for. Inclusive dos problemas. Daí a necessidade de entreter as massas a partir do amedrontamento que vem do discurso beligerante da força, sustentado pelo espetáculo das armas a tiracolo. Criar a ilusão de que o país em que elas (as classes dominantes) se julgam a representação da dominância, não possui questões de ordem prática a se discutir e nem tampouco brigar, tudo está no “seu devido lugar”. Como se os problemas pudessem se resolver por si mesmos.

Vejam só! Essa é a valentia que essas pessoas propõem! A valentia pela valentia, sustentada por propósito algum. Me faz pensar em grandes marcas que depositaram sua inteira crença de que o nome era suficiente para se manterem firmes e inabaláveis no mercado e, na primeira grande crise, foram varridas do mapa. O nome foi inútil, não significou nada. Brigar, xingar, ir para as ruas manifestar o seu ódio reprimido, vestido como uma personagem teatral, segue mais ou menos essa mesma linha. Aparências, talvez, enganem pessoas; mas, não enganam a realidade, a conjuntura, os fatos.

E sabe por quê? Porque o mundo caminha adiante, se transforma, evolui, progride. E os cenários sociais vão sendo obrigados a se ajustarem a esses movimentos se não quiserem perder seu espaço, sua importância. Chega a ser bizarro ver pessoas com celulares de última geração nas mãos enviando Fake News sobre assuntos já superados ou retrógrados. Tentado se equilibrar com um pé no passado e outro no futuro, como se isso fosse realmente possível. Não sei se é para rir ou chorar!

Vamos e convenhamos, nessas alturas do campeonato, impor posição pelo grito só vai trazer rouquidão e cansaço. Não há nada de novo que possam dizer por meio do fervor acalorado de seus xingamentos, dos seus ódios reprimidos. Não só o Brasil; mas, o mundo, já sabe o que pensam, o que querem, a partir do que fizeram e/ou não fizeram até aqui. Não é novidade para ninguém! Também se sabe que não estão dispostos a ouvir nada diferente, na contramão de seus discursos e narrativas, na perspectiva da realidade cotidiana. Mas, tudo bem. Briguem, xinguem, manifestem, façam a sua exibição. After all, the show must go on!

No fim, bons entendedores, entenderão. O acirramento do nada acentua o muito, quando se analisa os dois lados de uma mesma moeda. O confronto entre o ideal ilusório e a realidade bruta e cruel é muito impactante e divide com muita propriedade o senso de cidadania presente no país. Separa quem quer e quem não quer um país melhor, mais justo, mais pacífico, mais desenvolvido, mais produtivo, mais protagonista, mais tudo de bom. Separa quem só olha para trás de quem olha para frente. Então, faça a sua escolha. Se posicione. Como já escrevi recentemente, “todo hoje é um amanhã! Não dá para postergar. Não dá para outorgar a quem possa interessar”. 

sábado, 23 de julho de 2022

Antes de pensar na Educação...


Antes de pensar na Educação...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lembrar da Educação, discutir a Educação, é sempre importante. Mas, como todos já sabem, não se constrói uma casa sem alicerce! Então, lembrar e discutir a Educação olhando para uma realidade díspar e perversa, como é a brasileira, me parece inútil. Particularmente, no cenário atual.

Pois é, Educação é, antes de tudo, sinônimo de gente. Não há educação sem seres humanos como seus verdadeiros protagonistas. E para que o processo de ensino-aprendizagem floresça e prospere em qualquer lugar é fundamental que eles estejam bem alimentados, bem dormidos, bem equipados, ... enfim, seguros de todos os direitos sociais básicos.

A Educação, caro (a) leitor (a) não se limita ao espaço institucional da escola. Alunos, professores e demais funcionários permanecem ali, naquele ambiente, aproximadamente 4 horas por dia, 5 vezes por semana, computando um saldo final de 200 dias letivos previstos em lei. Portanto, nas 20 horas restantes do seu dia, a Educação acontece em outros ambientes, na medida da possibilidade de ela existir.

Como aprender nas ruas? Como aprender sob o som tracejante dos tiros cruzando os telhados das comunidades? Como aprender em uma casa invadida pelas enchentes? Como aprender em uma casa reduzida a um único cômodo para toda a família?  Como aprender se o único espaço para fazer as lições de casa é o chão, pois não há mesa, ou cadeira, ou sofá, para se acomodar? Como aprender sem rede elétrica, sem celular ou qualquer outra tecnologia? Como aprender em um lugar desprovido de saneamento básico e higiene? Como aprender de barriga vazia e cabeça doendo de fome? Como aprender sem acesso à saúde básica? ... Como aprender?

E essa é a realidade de milhões de crianças e jovens brasileiros, em pleno século XXI. Que sobrevivem dentro de um cenário de infinitas desigualdades socioeconômicas e culturais. Na qual, muitas delas, não têm sequer documentos para provar a sua própria existência e estabelecer uma ponte rudimentar para acessar os direitos sociais previstos constitucionalmente. Encontram-se, literalmente, à margem da sociedade, esquecidas, invisibilizadas, oportunamente negligenciadas pelo governo.

Para essas crianças e jovens, quaisquer lembranças ou discussões sobre inovações educacionais não significa nada, porque certamente elas não vislumbram quaisquer possibilidades de acesso a uma escola que, no mínimo, possa lhes oferecer a alfabetização.

O grau de vulnerabilidade a que foi submetida a sua identidade cidadã é tão elevado, que elas não saberiam nem por onde começar a reivindicar a sua Educação, porque elas estão desprovidas e privadas do essencial a sua própria sobrevivência.

É assim, lançando luz sobre as tragédias humanas que se erguem diariamente entre nós e passamos por elas, tantas vezes, sem se dar conta, que tudo aquilo que se fala e pensa sobre Educação adquire uma compreensão amarga e, no mínimo, enviesada da realidade.

De repente, nesse falar, falar, falar sobre Educação, a gente descobre que todos os discursos e narrativas acabam orbitando o universo das camadas sociais que se encontram em níveis mais privilegiados do que aquele de uma imensa maioria, espalhada pelo país.   

O que inclui crianças e jovens que têm, no mínimo, uma casa habitável, com rede de saneamento básico e água potável, três refeições diárias, roupas e calçados, materiais escolares, acesso a transporte e algum recurso tecnológico, como celular, rádio e televisão.

Mas, a verdade mesmo, é que as discussões que acontecem mais amiúde na sociedade, na maioria das vezes, vão muito além dessa realidade, para contemplar o ideário daquilo que já é parte da elite brasileira.

Trata-se de desfiar um longo rosário de maravilhas, de projetos científicos e tecnológicos, de estratégias mirabolantes, reafirmando algo que todos já sabem a respeito. Algo que não é novidade para ninguém, no Brasil, essa Educação de ponta, repleta de recursos e de inovações, que prepara efetiva e simultaneamente o aluno e o cidadão.

Acontece que ela nunca saiu do papel ou do imaginário de educadores e especialistas, simplesmente, porque esbarra diretamente nas carências, nas insuficiências, nas negligências presentes nas políticas públicas. Tanto aquelas voltadas diretamente para a Educação, quanto aquelas que sustentam a sobrevivência e a dignidade do cidadão.

Por isso, o país vive a “enxugar gelo”, quando o assunto é Educação. Mergulhamos extasiados no mar de falas que apontam belos oásis no deserto, enquanto a realidade, nua e crua, nos conclama a estender a mão a legião de desvalidos que cresce a olhos vistos pelas ruas, esquinas e praças de todo o país.

Famílias inteiras ou aos pedaços, que tiveram sua dignidade humana ceifada pela indiferença governamental, colocando em risco a Educação de milhões de crianças e jovens. Colocando em risco o amanhã nacional.

Portanto, cuidado com essa Educação que hasteia bandeiras de progresso e tecnologia, enquanto esconde o seu viés contrário à inclusão social, em todas as suas formas e conteúdos.

Porque preocupados em aplaudi-la, em repercutir suas maravilhas por aí, esquecemos de que não basta escola, não basta creche, não basta universidade. Antes de serem alunos, eles são cidadãos brasileiros.

Assim, alunos sem seus direitos sociais garantidos não vão para a escola, não ficam na escola; mas, reafirmam o ciclo dos futuros cidadãos desqualificados e vulneráveis à precarização do trabalho e a insuficiência de remunerações mendicantes. E sob essa realidade, o país não cresce, não progride, não produz, não desenvolve e não gera autonomia e protagonismo na sua população.   

Monstros contemporâneos...


Monstros contemporâneos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O monstro que assombra a realidade contemporânea não está personificado por nenhum indivíduo. A inflação, que eleva os preços de bens e serviços ao mesmo tempo em que diminui o poder de compra da moeda de um país, é a ponta do iceberg das graves crises econômicas resultantes do modo como as relações sociais se operam. Ela é o monstro. Porque ela desestabiliza o fluxo natural do cotidiano e da organização social. 

Seja no Brasil 1, na Argentina 2, nos EUA 3ou na União Europeia 4, os seus impactos deveriam trazer à sociedade um novo viés de reflexão.

Enquanto se desperdiça tempo com discussões menos relevantes aos interesses das populações, as questões econômicas destroçam a capacidade de desenvolvimento e sustentabilidade de diversos países.

Afinal, tudo passa pelo crivo da disponibilidade ou não de recursos. O fazer e o não fazer estão condicionados a isso. Portanto, há tempos a Economia é sempre o ponto de partida da dinâmica social.

No entanto, a insistente relutância em contextualizá-la dentro das transformações inerentes à própria sociedade tem se mostrado o grande obstáculo para o enfrentamento das crises.

Não precisa ser nenhum expert para perceber que o mundo não é mais o mesmo dos primórdios da Revolução Industrial, a qual alavancou o sistema capitalista que vigora ainda hoje.

Descobertas e acontecimentos impuseram transformações sociais que se incorporaram rapidamente ao modo de vida das pessoas; mas, não à Economia.

Por essa perspectiva, é como se as classes dominantes tivessem se restringido a manter o foco na acumulação desmedida de bens e riquezas, paralelamente, a um imprevidente uso desses recursos, como se não houvesse o amanhã.

Algo que se vê muito claramente no cenário da administração pública, através da cronificação das mazelas em razão do mau uso e aplicação do capital para resolvê-las.

De modo que não está necessariamente nas eventuais quedas de arrecadação de impostos e tributos o grande desafio; mas, na ausência de planejamento e estratégia para repercutir sua eficiência e suficiência na operacionalização da máquina pública.

Nesse sentido é que as recorrentes manifestações inflacionárias surgem para desmistificar o caráter pontual das crises econômicas e assim, revelar a extensão de uma teia histórica de sucessivos desencontros e desarranjos. Pois é, nada do que acontece na gestão pública é obra do acaso!  

Quase sempre está na ideia de que “velhos hábitos nunca morrem” a raiz dos prejuízos que impedem o alinhamento da Economia ao movimento da própria sociedade. Na medida em que tentam, a todo custo, fazer caber aquilo que já não cabe mais em termos de políticas econômicas, tem-se como consequência uma avalanche de fracassos e sucessivos agravamentos.

Afinal de contas, o que está por trás das decisões são interesses políticos, também, imersos em um ranço histórico. São essas correntes retrógradas que operam na contramão dos ventos de vanguarda e mergulham as sociedades em camadas de crises sem fim, nutrindo as retóricas vazias, as promessas requentadas, as esperanças desbotadas.

Porque no frigir dos ovos, o que se tem é sempre mais do mesmo, com migalhas de benesses ofertadas com uma das mãos e retiradas com a outra. É assim, que se mantém o controle social, o poder sobre as massas!

E tudo isso é tão sério, tão grave, sobretudo, quando observamos a dinâmica dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, cujas heranças coloniais deixaram marcas profundas.

Eles, praticamente, são o retrato da fábula do “Elefante Acorrentado” 5, cuja força inconsciente do hábito de estar agrilhoado lhe impede de desfrutar da liberdade.

O modo como esses países se tornaram independentes de suas metrópoles acabou constituindo uma cicatriz que reflete as teias de dependência político-econômica presentes ainda hoje. Basta observar com atenção, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que eles apresentam.

Portanto, a questão da inflação e das crises econômicas que ela sinaliza não está presa aos seus próprios limites ou às interferências de variáveis exógenas, como pandemias, guerras, ou eventos naturais extremos.

Há um componente de singularidade, de especificidade, muito importante nessa análise, que decorre da história de cada país, abstraindo quaisquer possibilidades de homogeneização a respeito.

O que significa que os problemas podem até ser os mesmos; mas, os impactos, os desdobramentos, a intensidade, a velocidade, com que acontecem, não.

Daí a necessidade de que o exercício cidadão se estabeleça de maneira consciente e capaz de desconstruir quaisquer indicativos de naturalização, de banalização, de trivialização quanto aos rumos da gestão pública.

É fundamental parar de olhar apenas para dentro dos próprios limites territoriais e começar a traçar paralelos com o que acontece no mundo, para se ajustar a uma contextualização mais real e verdadeira, considerando que o trânsito de bens e capitais acontece de maneira coletiva. Precisamos saber de nós, pensar em nós; mas, também, do mundo!

Desse modo, contrariando as expectativas da direita política e seus matizes, as ideias em torno de uma economia de bases individualistas, que resguarde a desigualdade social, que advogue por baixos impostos e menor regulamentação das empresas, que defenda a redução de gastos públicos e extinção de programas assistencialistas, não tenderá a prosperar.

Nem aqui e nem em qualquer outro lugar do planeta! Os caminhos levam, cada vez mais, ao não extremismo; mas, a uma busca por um equilíbrio socioeconômico. O objetivo é minimizar problemas e dar vazão ao máximo de potencialidade e dignidade aos seres humanos.

Isso significa que a sobrevivência na contemporaneidade vem sim, sendo desenhada sob novos pilares, ou seja, visando cada vez mais a uma sustentabilidade socioambiental.

De modo que as perspectivas para as relações econômicas são de que elas sejam capazes de se desenvolver a partir de práticas de gestão responsável, preservando recursos ambientais e humanos, proporcionando benefícios sociais em diversas escalas.

Afinal, as práxis empregadas até aqui mostraram-se insuficientes e inúteis para conter os avanços do empobrecimento, do adoecimento e do esgotamento nos campos socioambientais.

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Sobre ursos, seres humanos e porcos-espinhos...


Sobre ursos, seres humanos e porcos-espinhos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Para entender todo o non sense que circula pelo Brasil e o mundo basta abrir os olhos. A notícia de que “Ursos polares estão comendo mais lixo por causa das altas temperaturas” 1 é só um exemplo, entre tantos, que nos chega pelos veículos de informação e comunicação; mas, que tem muito mais a dizer.

E não é apenas sobre as questões ambientais contemporâneas, não. É sobre a força de conjunturas que extrapolam a capacidade humana de resolução e colocam em xeque todas as certezas e planejamentos do próprio ser humano. A velocidade com a qual o cotidiano tem se transformado é muito emblemática, para ser desprezada, até mesmo, pelas análises mais superficiais.

O deslumbramento que envolveu a raça humana nos últimos séculos, diante da sua extraordinária capacidade científica e tecnológica; bem como, de acumulação de bens e riquezas oriundas dessa inventividade e engenhosidade, fez abstrair das mentes a possibilidade da impossibilidade, do insólito, do imprevisível. Tudo parecia milimetricamente ajustado a um planejamento isento de falhas e sobressaltos.

Mas, entre o ideal e a realidade há sempre uma linha divisória que precisa ser considerada. E a vida não é perfeita! Aliás, está muito longe disso! Suas tramas, suas conexões, suas fiações são complexas e sujeitas a uma diversidade considerável de variáveis. Interna e externamente somos afetados pelo o que acontece e, também, o que não acontece, e frustra as expectativas, as esperanças, os sonhos.

E por tudo isso, lamento informar que, cada dia mais, a realidade atual nos impõe a dinâmica de sobreviver a existência de um dia após o outro. Porque, “de repente, não mais que de repente”, chamas incendiárias de calores extremos engolem cidades inteiras. Volumes de chuvas atípicos inundam e destroem espaços urbanizados e não urbanizados sem cerimônia. Vírus emergem em busca da sua sobrevivência em detrimento da morte de milhões de seres humanos. Conflitos armados explodem em fúria e dizimação sobre populações indefesas. Ou ... ou ... ou ...

E para isso acontecer, basta um piscar de olhos. Da noite para o dia, do dia para a noite, à revelia das nossas vontades e quereres, as certezas viram fumaça e desaparecem no horizonte. Somos pegos de surpresa. De calças curtas. Talvez, podendo fazer nada, ou muito pouco, para reverter a situação. Porque são momentos que nos confrontam diretamente ao nosso tamanho e importância no mundo.

Surpresa! Para você que pensa que é o último refrigerante do deserto ou a última bolacha do pacote, bem-vindo ao mundo real, onde você é só mais um na multidão! Pois é, você não é o centro do universo! Entenda que a continuar com seus arroubos narcisistas, individualistas, consumistas, você corre um imenso risco de se conduzir a caminhos temerários à sua própria sobrevivência.  

Mire-se no exemplo dos ursos polares. Sua existência parecia fadada a repetir uma autonomia em perfeito equilíbrio com o seu habitat natural. Hibernavam. Caçavam. Se reproduziam. Viviam dentro dos parâmetros biológicos estabelecidos para a sua espécie a fim de garantir a sua conservação. Pareciam a salvo de tudo e de todos, fazendo valer o título de topo da cadeia alimentar.

No entanto, faltou combinar com os seres humanos a manutenção dessa “felicidade”! O impacto das ações antrópicas sobre o planeta, ao longo de séculos, e mais recentemente agravada pela força das Revoluções Industriais e seus desdobramentos, alcançou limites extremos. No caso dos ursos, o “aquecimento do Ártico e o derretimento do gelo marinho faz os animais passarem fome e encontrarem outras maneiras de se alimentar em lixões” 2.

A questão é que nem sempre dá para combinar! O que foi feito está feito. Bem que, Isaac Newton, nos alertou ao firmar que “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade” (3ª Lei ou Princípio da Ação e Reação). Mas, como o ser humano se fiou demais na sua capacidade cognitiva e intelectual, na sua arrogância de poder, dominação e controle, ele foi vivendo os dias se perdendo entre ações e negando as possíveis reações. De modo que nossas tragédias são sempre anunciadas.

O momento pode ser imprevisível, surpreendente; mas, a ocorrência em si, não. Era inevitável que isso ou aquilo fosse acontecer em algum tempo. Acontece que a imprevidência humana foi tamanha que as reações estão acontecendo simultaneamente e retirando quaisquer possibilidades de resolução rápida e eficiente.

A verdade é que o mundo está sob um intenso remendar. Remenda daqui. Remenda dali. Mesmo sabendo que em muitos lugares, o esgarçamento é tão intenso que impede resistir por muito tempo. Algo que não é de hoje.

Inclusive, lendo a matéria sobre os ursos, lembrei-me de Manuel Bandeira que, em 1947, escreveu o poema O Bicho, traçando uma análise crua da desigualdade social brasileira, ao ser capaz de transformar o próprio ser humano em bicho, “catando comida entre os detritos” 3.

Portanto, olhemos para a vida como ela é. Paremos com as futilidades, com as mesquinharias, com as arrogâncias, com as prepotências, com os pequenos pseudopoderes. Temos problemas demais e profundos para gastar energia com questões de último escalão.

Preste atenção, o outro não é da sua conta! Cuide da sua vida, faça mais, faça melhor, por você e pelo mundo. Entenda que a questão da nossa sobrevivência não é simplesmente sobreviver as adversidades; mas, aprender a sobreviver a nós mesmos, como escreveu Arthur Schopenhauer, através do seu Dilema do Porco-Espinho 4.

Juventude. Cidadania. O que esperar dessa combinação?


Juventude. Cidadania. O que esperar dessa combinação?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cuidado com as aparências, porque elas podem enganar! A fragilidade da cidadania brasileira é real e, por isso mesmo, precisa ser levada mais a sério nas análises sociopolíticas. E um dos aspectos que me chamou atenção nesse sentido é o comportamento dos jovens.

Uma euforia imensa se formou por conta do aumento do número de jovens aptos a votar; mas, cujo voto ainda é facultativo. Movidos pelos clamores de anônimos e famosos que se uniram para estimulá-los a retirar o título de eleitor e participar do próximo pleito, eles seguiram a onda.

Porém, isso não é tudo. Observando semana após semana os arredores do meu apartamento, localizado próximo a um Campus Universitário, de quarta-feira à domingo, a juventude vive como se não houvesse amanhã, em suas baladas barulhentas e inconsequentes. Sinto como se da minha janela para fora existisse um outro Brasil, explodindo felicidade e normalidade pelos poros.

As ruas nessa região amanhecem repletas de garrafas quebradas, muito lixo derivado da festança. Nem parece que o país padece com uma inflação de mais de dois dígitos, a precarização do trabalho e o desemprego correndo solto, o achatamento da renda consumindo a dignidade do cidadão, pessoas comendo ossos de boi e pés de galinha por total falta de opção, ... e as próprias universidades (especialmente, as públicas), padecendo aos cortes severos e contínuos no seu orçamento.

Pois é. A galera do circuito universitário com o título na mão, por exemplo, não me parece preocupada com nada disso. Aliás, não me parece preocupada nem com o hoje e nem com o amanhã do seu próprio país. Pelo menos, por enquanto, a mesada está em dia. Pais e mães, certamente, fazendo das tripas coração, estão apertando os cintos para não deixar faltar nada aos seus rebentos em fase de vida universitária.

Mas, até quando? Essa é a pergunta que deveriam fazer. Não sou contra a juventude, nem a alegria, nem a diversão, nem o lazer. Mas, os tempos estão bicudos, sisudos demais para considerar normal tanto excesso. Qualquer saída de casa para desanuviar o pensamento, na atual conjuntura nacional, corresponde a um pequeno rombo no orçamento de qualquer cidadão trabalhador. Imagina, então, sair toda semana, de quarta-feira à domingo?

É preciso considerar, inclusive, que nem todos os universitários são naturais da cidade em que estudam e residem com a própria família. Há um contingente, bastante expressivo, daqueles que chegam de outras cidades para estudar, o que representa uma despesa fixa com aluguel, às vezes condomínio, celular, internet, alimentação, transporte, xerox, livros, participação em congressos e eventos científicos, enfim...

E nem podem contar com as bolsas de pesquisa e/ou os auxílios ofertados pelas universidades, no caso das públicas, porque estes são tempos de vacas muito magras e esses benefícios têm sido extremamente limitados e incertos. Quando faltam recursos para despesas operacionais básicas das instituições, há uma redução drástica dos departamentos em relação a esse tipo de investimento.

Assim, procurar um trabalho, seria o ideal para colaborar nas despesas; mas, onde? Se as vagas andam também escassas! Se muitos cursos são de tempo integral. Se as exigências acadêmicas, muitas vezes, impõem uma inflexibilidade horária. Aqueles que chegam ao limite acabam não tendo outra opção a não ser trancar a faculdade e aguardar um momento mais oportuno. E essa evasão soa como um inesperado tapa na cara, que rompe com o sonho para trazer a realidade bruta e cruel.

Embora meu relato se refira a um pequeno recorte populacional, tenho certeza de que ele não é caso único. Quantas instituições de ensino superior existem no Brasil? Infelizmente, esse perfil da juventude brasileira se mostra, em uma significativa proporção, dissociada da sua própria cidadania, como se esta estivesse resumida ao ato de votar. Como um compromisso de um único dia estabelecido no calendário, com alguns minutos predeterminados, e pronto. A sua responsabilidade termina ali.

Desse modo, tudo isso é muito preocupante não só pelo agora, mas pelos próximos anos, considerando o cenário de terra arrasada que se figura no país. O desvirtuamento econômico ao qual o Brasil foi submetido impactou todos os setores, todas as engrenagens que fazem o desenvolvimento e o progresso de uma nação caminharem. E não bastasse isso, a conjuntura internacional já se mostra muito pouco auspiciosa para os próximos anos, repercutindo seus efeitos negativos aqui dentro também.

A geração contemporânea, portanto, precisa acordar antes que seja tarde. Precisa entender que a contemporaneidade é o campo das incertezas, do imponderável, do imprevisível. E que cada dia ele se acirra mais nesse sentido. Nenhuma perspectiva de futuro lhes chegará em uma bandeja de prata. Muito pelo contrário! A tendência é ter que lutar por um dia de cada vez! Nada de grandes sonhos, grandes ambições.  E isso não vale só para os mais vulneráveis economicamente, vale para os ricos também!

Não se esqueça, todo hoje é um amanhã! Então, não dá para postergar. Não dá para outorgar a quem possa interessar. A vida do país interfere diretamente na sua vida. Isso significa que o mundo real não é uma festa e a cidadania é uma questão de sobrevivência. Daí a necessidade de a juventude brasileira rever seus conceitos, desconstruir seus paradigmas e despertar sua consciência desse torpor alienante aspergido, há tempos, pela sociedade de consumo. 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos...


Aguardemos as cenas dos próximos capítulos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Colocar um fim aos arroubos alucinados da autoridade maior do país, não é uma questão de escolha; mas, de necessidade. Afinal, de constrangimentos em constrangimentos o Brasil vai ficando isolado na sua bolha de delírios que impedem o mínimo de desenvolvimento e progresso.

E aos que ainda insistem e resistem a encarar tudo isso de frente, tomando as medidas cabíveis, é importante lembrar que não somos mais Colônia, que não estamos mais sob a batuta de um Imperador, que se não fizermos por nós não haverá quem faça. Esperar por uma solução miraculosa é tão insano quanto as próprias insanidades cometidas, amiúde, pelo Presidente da República.

É fundamental entender que o não fazer, o não tomar uma atitude, é uma escolha perigosa. Ele não coloca um ponto final, ele não estabelece um limite de tolerância, de aceitabilidade. De modo que ele reafirma os acontecimentos, não permitindo que sejam esquecidos e solucionados. Sem contar que faz recair sobre os ombros de muito mais gente a responsabilidade sobre eles.

Sim, porque aponta para uma conivência, uma condescendência, quase servil. E se você concorda com um erro, se você se abstém de posicionar-se contrariamente a ele, é sinal de que o seu senso ético e moral está, no mínimo, desajustado, comprometendo demasiadamente o seu juízo de valor sobre a vida. Portanto, você se torna sim, cúmplice da situação.

Por isso nunca acreditei nessa história de “ficar em cima do muro”. Quem fica em cima do muro ou cai de um lado ou cai de outro, simples assim. Não há neutralidade. Não há 100% de isenção. Na medida dos prós e dos contras, um deles sempre apresenta numérica vantagem. Porque na vida há o que se pode defender com clareza e profunda objetividade; mas, há também o indefensável.

Vamos e convenhamos, então, o que se tem nesse comportamento é o mais explícito caso de anticidadania, de antidemocracia. De certo modo, algo que reflete bem uma significativa parcela da população brasileira que se apropria de maneira desvirtuada e equivocada do exercício cidadão e da própria Democracia, limitando-o ao benefício de alguns em detrimento de muitos. Assim, fica evidente de que lado eles estão.

Suas escolhas dão conta de bem mais do que uma posição; mas, da sua identidade no que diz respeito às suas crenças, valores e princípios. Elas dizem exatamente quem são eles, sem precisar de uma palavra sequer. Porque a comunicação das ideias, dos pensamentos, não se dá apenas por uma via de linguagem verbalizada.

O não verbal é, muitas vezes, mais retumbante e preciso. Já diz o dito popular, “Um exemplo vale mais do que mil palavras”. Isso significa que qualquer que seja o grau de descompromisso, de negligência, de omissão, de irresponsabilidade, lá está impressa a digital da inação. Não há como negar. Todos conseguem ver. E vendo retiram suas próprias conclusões. Vejam só! De repente se descobre que não é só o “rei” quem está nu; mas, a sua corte, seus asseclas.

O vexame, então, cresce como se tivesse sido fermentado a contento! Deteriorando a imagem do país, que parece uma nau sem rumo. Como se não houvesse ninguém, suficientemente, capaz de manejar o seu leme e conduzi-lo a terras firmes e prósperas. Como se para todos os lados que se olhasse só existissem mentecaptos à solta, trazendo uma sensação de infortúnio e desgraça sem fim. Afinal, as piadas de mau gosto saltaram do discurso para materializar uma realidade infame.

E enquanto o mundo ri, o Brasil se esfacela entre camadas de mazelas e desafios. Sim, porque não há obstáculo maior para um país do que a mistura explosiva que resulta da insanidade com a inação. A realidade é fatalmente subtraída por uma sucessão de delírios, que traz a falsa impressão de um mundo em perfeita ordem, a caminhar tranquilo por si mesmo.

Pois é, e enquanto o mundo ri ... nós rimos de nervoso, talvez, quem sabe, choramos. Debulhamos lágrimas amargas, salgadas, sangrentas. Na perspectiva do tempo presente, do agora, é o que cabe para lavar a frustração, a impossibilidade, a irritabilidade, ... Para transformar a angústia em força de transformação.  

Porque no fundo sabemos que ela há de vir. De um jeito ou de outro. Por mais que tentem as forças omissas atuarem, seu trabalho não muda o curso das conjunturas. O mover das peças no tabuleiro da vida é bem mais complexo do que se pode imaginar. Há sempre um plot twist prestes a acontecer! O jogo só acaba quando termina, não é assim? Então.

O que vemos até aqui, só representa isso, um fragmento. Não vemos o todo. De modo que é muita coragem ter tanta certeza a respeito de alguma coisa nessa vida. Eles querem ter, porque isso faz parte do seu pseudopoder; mas, é só. Eles precisam acreditar que têm as rédeas do país nas mãos; mas, será?

Se fosse verdade, já teriam estourado a bolha, posto fim ao isolamento brasileiro, recolocado o país nos trilhos. Assim, no fim das contas, como aprendemos com os grandes clássicos da dramaturgia, a história vai dizer como esse capítulo acaba e vai apontar, sem cerimônias, quem foram os heróis e os vilões da vez. Aguardemos, portanto, as cenas dos próximos capítulos.