Monstros
contemporâneos...
Por
Alessandra Leles Rocha
O monstro que assombra a
realidade contemporânea não está personificado por nenhum indivíduo. A inflação,
que eleva os preços de bens e serviços ao mesmo tempo em que diminui o poder de
compra da moeda de um país, é a ponta do iceberg das graves crises econômicas resultantes
do modo como as relações sociais se operam. Ela é o monstro. Porque ela desestabiliza
o fluxo natural do cotidiano e da organização social.
Seja no Brasil 1, na Argentina 2,
nos EUA 3ou na União Europeia 4, os seus impactos deveriam trazer à
sociedade um novo viés de reflexão.
Enquanto se desperdiça tempo com
discussões menos relevantes aos interesses das populações, as questões econômicas
destroçam a capacidade de desenvolvimento e sustentabilidade de diversos países.
Afinal, tudo passa pelo crivo da
disponibilidade ou não de recursos. O fazer e o não fazer estão condicionados a
isso. Portanto, há tempos a Economia é sempre o ponto de partida da dinâmica social.
No entanto, a insistente relutância
em contextualizá-la dentro das transformações inerentes à própria sociedade tem
se mostrado o grande obstáculo para o enfrentamento das crises.
Não precisa ser nenhum expert para perceber que o mundo não é
mais o mesmo dos primórdios da Revolução Industrial, a qual alavancou o sistema
capitalista que vigora ainda hoje.
Descobertas e acontecimentos impuseram
transformações sociais que se incorporaram rapidamente ao modo de vida das
pessoas; mas, não à Economia.
Por essa perspectiva, é como se
as classes dominantes tivessem se restringido a manter o foco na acumulação
desmedida de bens e riquezas, paralelamente, a um imprevidente uso desses
recursos, como se não houvesse o amanhã.
Algo que se vê muito claramente
no cenário da administração pública, através da cronificação das mazelas em
razão do mau uso e aplicação do capital para resolvê-las.
De modo que não está
necessariamente nas eventuais quedas de arrecadação de impostos e tributos o
grande desafio; mas, na ausência de planejamento e estratégia para repercutir
sua eficiência e suficiência na operacionalização da máquina pública.
Nesse sentido é que as recorrentes
manifestações inflacionárias surgem para desmistificar o caráter pontual das
crises econômicas e assim, revelar a extensão de uma teia histórica de
sucessivos desencontros e desarranjos. Pois é, nada do que acontece na gestão
pública é obra do acaso!
Quase sempre está na ideia de que
“velhos hábitos nunca morrem” a raiz
dos prejuízos que impedem o alinhamento da Economia ao movimento da própria sociedade.
Na medida em que tentam, a todo custo, fazer caber aquilo que já não cabe mais
em termos de políticas econômicas, tem-se como consequência uma avalanche de fracassos
e sucessivos agravamentos.
Afinal de contas, o que está por trás
das decisões são interesses políticos, também, imersos em um ranço histórico. São
essas correntes retrógradas que operam na contramão dos ventos de vanguarda e
mergulham as sociedades em camadas de crises sem fim, nutrindo as retóricas
vazias, as promessas requentadas, as esperanças desbotadas.
Porque no frigir dos ovos, o que
se tem é sempre mais do mesmo, com migalhas de benesses ofertadas com uma das
mãos e retiradas com a outra. É assim, que se mantém o controle social, o poder
sobre as massas!
E tudo isso é tão sério, tão
grave, sobretudo, quando observamos a dinâmica dos países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos, cujas heranças coloniais deixaram marcas profundas.
Eles, praticamente, são o retrato
da fábula do “Elefante Acorrentado” 5, cuja força inconsciente do hábito de
estar agrilhoado lhe impede de desfrutar da liberdade.
O modo como esses países se
tornaram independentes de suas metrópoles acabou constituindo uma cicatriz que
reflete as teias de dependência político-econômica presentes ainda hoje. Basta observar
com atenção, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que eles apresentam.
Portanto, a questão da inflação e
das crises econômicas que ela sinaliza não está presa aos seus próprios limites
ou às interferências de variáveis exógenas, como pandemias, guerras, ou eventos
naturais extremos.
Há um componente de
singularidade, de especificidade, muito importante nessa análise, que decorre
da história de cada país, abstraindo quaisquer possibilidades de homogeneização
a respeito.
O que significa que os problemas
podem até ser os mesmos; mas, os impactos, os desdobramentos, a intensidade, a
velocidade, com que acontecem, não.
Daí a necessidade de que o
exercício cidadão se estabeleça de maneira consciente e capaz de desconstruir
quaisquer indicativos de naturalização, de banalização, de trivialização quanto
aos rumos da gestão pública.
É fundamental parar de olhar apenas
para dentro dos próprios limites territoriais e começar a traçar paralelos com
o que acontece no mundo, para se ajustar a uma contextualização mais real e verdadeira,
considerando que o trânsito de bens e capitais acontece de maneira coletiva. Precisamos
saber de nós, pensar em nós; mas, também, do mundo!
Desse modo, contrariando as
expectativas da direita política e seus matizes, as ideias em torno de uma
economia de bases individualistas, que resguarde a desigualdade social, que
advogue por baixos impostos e menor regulamentação das empresas, que defenda a
redução de gastos públicos e extinção de programas assistencialistas, não
tenderá a prosperar.
Nem aqui e nem em qualquer outro
lugar do planeta! Os caminhos levam, cada vez mais, ao não extremismo; mas, a uma
busca por um equilíbrio socioeconômico. O objetivo é minimizar problemas e dar
vazão ao máximo de potencialidade e dignidade aos seres humanos.
Isso significa que a sobrevivência
na contemporaneidade vem sim, sendo desenhada sob novos pilares, ou seja, visando
cada vez mais a uma sustentabilidade socioambiental.
De modo que as perspectivas para
as relações econômicas são de que elas sejam capazes de se desenvolver a partir
de práticas de gestão responsável, preservando recursos ambientais e humanos,
proporcionando benefícios sociais em diversas escalas.
Afinal, as práxis empregadas até
aqui mostraram-se insuficientes e inúteis para conter os avanços do
empobrecimento, do adoecimento e do esgotamento nos campos socioambientais.
1 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/07/fortalecimento-do-dolar-traz-mais-inflacao-e-reduz-pib-potencial-do-brasil.shtml
2 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/06/28/com-a-maior-inflacao-dos-ultimos-30-anos-argentinos-dependem-cada-vez-mais-do-dolar.ghtml