sábado, 23 de julho de 2022

Monstros contemporâneos...


Monstros contemporâneos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O monstro que assombra a realidade contemporânea não está personificado por nenhum indivíduo. A inflação, que eleva os preços de bens e serviços ao mesmo tempo em que diminui o poder de compra da moeda de um país, é a ponta do iceberg das graves crises econômicas resultantes do modo como as relações sociais se operam. Ela é o monstro. Porque ela desestabiliza o fluxo natural do cotidiano e da organização social. 

Seja no Brasil 1, na Argentina 2, nos EUA 3ou na União Europeia 4, os seus impactos deveriam trazer à sociedade um novo viés de reflexão.

Enquanto se desperdiça tempo com discussões menos relevantes aos interesses das populações, as questões econômicas destroçam a capacidade de desenvolvimento e sustentabilidade de diversos países.

Afinal, tudo passa pelo crivo da disponibilidade ou não de recursos. O fazer e o não fazer estão condicionados a isso. Portanto, há tempos a Economia é sempre o ponto de partida da dinâmica social.

No entanto, a insistente relutância em contextualizá-la dentro das transformações inerentes à própria sociedade tem se mostrado o grande obstáculo para o enfrentamento das crises.

Não precisa ser nenhum expert para perceber que o mundo não é mais o mesmo dos primórdios da Revolução Industrial, a qual alavancou o sistema capitalista que vigora ainda hoje.

Descobertas e acontecimentos impuseram transformações sociais que se incorporaram rapidamente ao modo de vida das pessoas; mas, não à Economia.

Por essa perspectiva, é como se as classes dominantes tivessem se restringido a manter o foco na acumulação desmedida de bens e riquezas, paralelamente, a um imprevidente uso desses recursos, como se não houvesse o amanhã.

Algo que se vê muito claramente no cenário da administração pública, através da cronificação das mazelas em razão do mau uso e aplicação do capital para resolvê-las.

De modo que não está necessariamente nas eventuais quedas de arrecadação de impostos e tributos o grande desafio; mas, na ausência de planejamento e estratégia para repercutir sua eficiência e suficiência na operacionalização da máquina pública.

Nesse sentido é que as recorrentes manifestações inflacionárias surgem para desmistificar o caráter pontual das crises econômicas e assim, revelar a extensão de uma teia histórica de sucessivos desencontros e desarranjos. Pois é, nada do que acontece na gestão pública é obra do acaso!  

Quase sempre está na ideia de que “velhos hábitos nunca morrem” a raiz dos prejuízos que impedem o alinhamento da Economia ao movimento da própria sociedade. Na medida em que tentam, a todo custo, fazer caber aquilo que já não cabe mais em termos de políticas econômicas, tem-se como consequência uma avalanche de fracassos e sucessivos agravamentos.

Afinal de contas, o que está por trás das decisões são interesses políticos, também, imersos em um ranço histórico. São essas correntes retrógradas que operam na contramão dos ventos de vanguarda e mergulham as sociedades em camadas de crises sem fim, nutrindo as retóricas vazias, as promessas requentadas, as esperanças desbotadas.

Porque no frigir dos ovos, o que se tem é sempre mais do mesmo, com migalhas de benesses ofertadas com uma das mãos e retiradas com a outra. É assim, que se mantém o controle social, o poder sobre as massas!

E tudo isso é tão sério, tão grave, sobretudo, quando observamos a dinâmica dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, cujas heranças coloniais deixaram marcas profundas.

Eles, praticamente, são o retrato da fábula do “Elefante Acorrentado” 5, cuja força inconsciente do hábito de estar agrilhoado lhe impede de desfrutar da liberdade.

O modo como esses países se tornaram independentes de suas metrópoles acabou constituindo uma cicatriz que reflete as teias de dependência político-econômica presentes ainda hoje. Basta observar com atenção, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que eles apresentam.

Portanto, a questão da inflação e das crises econômicas que ela sinaliza não está presa aos seus próprios limites ou às interferências de variáveis exógenas, como pandemias, guerras, ou eventos naturais extremos.

Há um componente de singularidade, de especificidade, muito importante nessa análise, que decorre da história de cada país, abstraindo quaisquer possibilidades de homogeneização a respeito.

O que significa que os problemas podem até ser os mesmos; mas, os impactos, os desdobramentos, a intensidade, a velocidade, com que acontecem, não.

Daí a necessidade de que o exercício cidadão se estabeleça de maneira consciente e capaz de desconstruir quaisquer indicativos de naturalização, de banalização, de trivialização quanto aos rumos da gestão pública.

É fundamental parar de olhar apenas para dentro dos próprios limites territoriais e começar a traçar paralelos com o que acontece no mundo, para se ajustar a uma contextualização mais real e verdadeira, considerando que o trânsito de bens e capitais acontece de maneira coletiva. Precisamos saber de nós, pensar em nós; mas, também, do mundo!

Desse modo, contrariando as expectativas da direita política e seus matizes, as ideias em torno de uma economia de bases individualistas, que resguarde a desigualdade social, que advogue por baixos impostos e menor regulamentação das empresas, que defenda a redução de gastos públicos e extinção de programas assistencialistas, não tenderá a prosperar.

Nem aqui e nem em qualquer outro lugar do planeta! Os caminhos levam, cada vez mais, ao não extremismo; mas, a uma busca por um equilíbrio socioeconômico. O objetivo é minimizar problemas e dar vazão ao máximo de potencialidade e dignidade aos seres humanos.

Isso significa que a sobrevivência na contemporaneidade vem sim, sendo desenhada sob novos pilares, ou seja, visando cada vez mais a uma sustentabilidade socioambiental.

De modo que as perspectivas para as relações econômicas são de que elas sejam capazes de se desenvolver a partir de práticas de gestão responsável, preservando recursos ambientais e humanos, proporcionando benefícios sociais em diversas escalas.

Afinal, as práxis empregadas até aqui mostraram-se insuficientes e inúteis para conter os avanços do empobrecimento, do adoecimento e do esgotamento nos campos socioambientais.

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