Sobre
ursos, seres humanos e porcos-espinhos...
Por
Alessandra Leles Rocha
Para entender todo o non sense que circula pelo Brasil e o
mundo basta abrir os olhos. A notícia de que “Ursos polares estão comendo mais lixo por causa das altas temperaturas”
1 é só um exemplo, entre tantos, que nos
chega pelos veículos de informação e comunicação; mas, que tem muito mais a
dizer.
E não é apenas sobre as questões
ambientais contemporâneas, não. É sobre a força de conjunturas que extrapolam a
capacidade humana de resolução e colocam em xeque todas as certezas e
planejamentos do próprio ser humano. A velocidade com a qual o cotidiano tem se
transformado é muito emblemática, para ser desprezada, até mesmo, pelas análises
mais superficiais.
O deslumbramento que envolveu a
raça humana nos últimos séculos, diante da sua extraordinária capacidade científica
e tecnológica; bem como, de acumulação de bens e riquezas oriundas dessa
inventividade e engenhosidade, fez abstrair das mentes a possibilidade da
impossibilidade, do insólito, do imprevisível. Tudo parecia milimetricamente
ajustado a um planejamento isento de falhas e sobressaltos.
Mas, entre o ideal e a realidade
há sempre uma linha divisória que precisa ser considerada. E a vida não é
perfeita! Aliás, está muito longe disso! Suas tramas, suas conexões, suas fiações
são complexas e sujeitas a uma diversidade considerável de variáveis. Interna e
externamente somos afetados pelo o que acontece e, também, o que não acontece,
e frustra as expectativas, as esperanças, os sonhos.
E por tudo isso, lamento informar
que, cada dia mais, a realidade atual nos impõe a dinâmica de sobreviver a existência
de um dia após o outro. Porque, “de repente,
não mais que de repente”, chamas incendiárias de calores extremos engolem
cidades inteiras. Volumes de chuvas atípicos inundam e destroem espaços
urbanizados e não urbanizados sem cerimônia. Vírus emergem em busca da sua sobrevivência
em detrimento da morte de milhões de seres humanos. Conflitos armados explodem
em fúria e dizimação sobre populações indefesas. Ou ... ou ... ou ...
E para isso acontecer, basta um
piscar de olhos. Da noite para o dia, do dia para a noite, à revelia das nossas
vontades e quereres, as certezas viram fumaça e desaparecem no horizonte. Somos pegos
de surpresa. De calças curtas. Talvez, podendo fazer nada, ou muito pouco, para
reverter a situação. Porque são momentos que nos confrontam diretamente ao
nosso tamanho e importância no mundo.
Surpresa! Para você que pensa que
é o último refrigerante do deserto ou a última bolacha do pacote, bem-vindo ao
mundo real, onde você é só mais um na multidão! Pois é, você não é o centro do
universo! Entenda que a continuar com seus arroubos narcisistas,
individualistas, consumistas, você corre um imenso risco de se conduzir a
caminhos temerários à sua própria sobrevivência.
Mire-se no exemplo dos ursos
polares. Sua existência parecia fadada a repetir uma autonomia em perfeito equilíbrio
com o seu habitat natural. Hibernavam. Caçavam. Se reproduziam. Viviam dentro
dos parâmetros biológicos estabelecidos para a sua espécie a fim de garantir a
sua conservação. Pareciam a salvo de tudo e de todos, fazendo valer o título de
topo da cadeia alimentar.
No entanto, faltou combinar com
os seres humanos a manutenção dessa “felicidade”!
O impacto das ações antrópicas sobre o planeta, ao longo de séculos, e mais
recentemente agravada pela força das Revoluções Industriais e seus
desdobramentos, alcançou limites extremos. No caso dos ursos, o “aquecimento do Ártico e o derretimento do
gelo marinho faz os animais passarem fome e encontrarem outras maneiras de se
alimentar em lixões” 2.
A questão é que nem sempre dá
para combinar! O que foi feito está feito. Bem que, Isaac Newton, nos alertou
ao firmar que “A toda ação há sempre uma
reação oposta e de igual intensidade” (3ª Lei ou Princípio da Ação e Reação).
Mas, como o ser humano se fiou demais na sua capacidade cognitiva e
intelectual, na sua arrogância de poder, dominação e controle, ele foi vivendo
os dias se perdendo entre ações e negando as possíveis reações. De modo que
nossas tragédias são sempre anunciadas.
O momento pode ser imprevisível,
surpreendente; mas, a ocorrência em si, não. Era inevitável que isso ou aquilo fosse
acontecer em algum tempo. Acontece que a imprevidência humana foi tamanha que
as reações estão acontecendo simultaneamente e retirando quaisquer
possibilidades de resolução rápida e eficiente.
A verdade é que o mundo está sob um
intenso remendar. Remenda daqui. Remenda dali. Mesmo sabendo que em muitos lugares,
o esgarçamento é tão intenso que impede resistir por muito tempo. Algo que não
é de hoje.
Inclusive, lendo a matéria sobre os
ursos, lembrei-me de Manuel Bandeira que, em 1947, escreveu o poema O
Bicho, traçando uma análise crua da desigualdade social brasileira, ao
ser capaz de transformar o próprio ser humano em bicho, “catando comida entre os detritos” 3.
Portanto, olhemos para a vida
como ela é. Paremos com as futilidades, com as mesquinharias, com as arrogâncias,
com as prepotências, com os pequenos pseudopoderes. Temos problemas demais e
profundos para gastar energia com questões de último escalão.
Preste atenção, o outro não é da
sua conta! Cuide da sua vida, faça mais, faça melhor, por você e pelo mundo. Entenda
que a questão da nossa sobrevivência não é simplesmente sobreviver as
adversidades; mas, aprender a sobreviver a nós mesmos, como escreveu Arthur
Schopenhauer, através do seu Dilema do Porco-Espinho 4.