sexta-feira, 22 de julho de 2022

Sobre ursos, seres humanos e porcos-espinhos...


Sobre ursos, seres humanos e porcos-espinhos...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Para entender todo o non sense que circula pelo Brasil e o mundo basta abrir os olhos. A notícia de que “Ursos polares estão comendo mais lixo por causa das altas temperaturas” 1 é só um exemplo, entre tantos, que nos chega pelos veículos de informação e comunicação; mas, que tem muito mais a dizer.

E não é apenas sobre as questões ambientais contemporâneas, não. É sobre a força de conjunturas que extrapolam a capacidade humana de resolução e colocam em xeque todas as certezas e planejamentos do próprio ser humano. A velocidade com a qual o cotidiano tem se transformado é muito emblemática, para ser desprezada, até mesmo, pelas análises mais superficiais.

O deslumbramento que envolveu a raça humana nos últimos séculos, diante da sua extraordinária capacidade científica e tecnológica; bem como, de acumulação de bens e riquezas oriundas dessa inventividade e engenhosidade, fez abstrair das mentes a possibilidade da impossibilidade, do insólito, do imprevisível. Tudo parecia milimetricamente ajustado a um planejamento isento de falhas e sobressaltos.

Mas, entre o ideal e a realidade há sempre uma linha divisória que precisa ser considerada. E a vida não é perfeita! Aliás, está muito longe disso! Suas tramas, suas conexões, suas fiações são complexas e sujeitas a uma diversidade considerável de variáveis. Interna e externamente somos afetados pelo o que acontece e, também, o que não acontece, e frustra as expectativas, as esperanças, os sonhos.

E por tudo isso, lamento informar que, cada dia mais, a realidade atual nos impõe a dinâmica de sobreviver a existência de um dia após o outro. Porque, “de repente, não mais que de repente”, chamas incendiárias de calores extremos engolem cidades inteiras. Volumes de chuvas atípicos inundam e destroem espaços urbanizados e não urbanizados sem cerimônia. Vírus emergem em busca da sua sobrevivência em detrimento da morte de milhões de seres humanos. Conflitos armados explodem em fúria e dizimação sobre populações indefesas. Ou ... ou ... ou ...

E para isso acontecer, basta um piscar de olhos. Da noite para o dia, do dia para a noite, à revelia das nossas vontades e quereres, as certezas viram fumaça e desaparecem no horizonte. Somos pegos de surpresa. De calças curtas. Talvez, podendo fazer nada, ou muito pouco, para reverter a situação. Porque são momentos que nos confrontam diretamente ao nosso tamanho e importância no mundo.

Surpresa! Para você que pensa que é o último refrigerante do deserto ou a última bolacha do pacote, bem-vindo ao mundo real, onde você é só mais um na multidão! Pois é, você não é o centro do universo! Entenda que a continuar com seus arroubos narcisistas, individualistas, consumistas, você corre um imenso risco de se conduzir a caminhos temerários à sua própria sobrevivência.  

Mire-se no exemplo dos ursos polares. Sua existência parecia fadada a repetir uma autonomia em perfeito equilíbrio com o seu habitat natural. Hibernavam. Caçavam. Se reproduziam. Viviam dentro dos parâmetros biológicos estabelecidos para a sua espécie a fim de garantir a sua conservação. Pareciam a salvo de tudo e de todos, fazendo valer o título de topo da cadeia alimentar.

No entanto, faltou combinar com os seres humanos a manutenção dessa “felicidade”! O impacto das ações antrópicas sobre o planeta, ao longo de séculos, e mais recentemente agravada pela força das Revoluções Industriais e seus desdobramentos, alcançou limites extremos. No caso dos ursos, o “aquecimento do Ártico e o derretimento do gelo marinho faz os animais passarem fome e encontrarem outras maneiras de se alimentar em lixões” 2.

A questão é que nem sempre dá para combinar! O que foi feito está feito. Bem que, Isaac Newton, nos alertou ao firmar que “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade” (3ª Lei ou Princípio da Ação e Reação). Mas, como o ser humano se fiou demais na sua capacidade cognitiva e intelectual, na sua arrogância de poder, dominação e controle, ele foi vivendo os dias se perdendo entre ações e negando as possíveis reações. De modo que nossas tragédias são sempre anunciadas.

O momento pode ser imprevisível, surpreendente; mas, a ocorrência em si, não. Era inevitável que isso ou aquilo fosse acontecer em algum tempo. Acontece que a imprevidência humana foi tamanha que as reações estão acontecendo simultaneamente e retirando quaisquer possibilidades de resolução rápida e eficiente.

A verdade é que o mundo está sob um intenso remendar. Remenda daqui. Remenda dali. Mesmo sabendo que em muitos lugares, o esgarçamento é tão intenso que impede resistir por muito tempo. Algo que não é de hoje.

Inclusive, lendo a matéria sobre os ursos, lembrei-me de Manuel Bandeira que, em 1947, escreveu o poema O Bicho, traçando uma análise crua da desigualdade social brasileira, ao ser capaz de transformar o próprio ser humano em bicho, “catando comida entre os detritos” 3.

Portanto, olhemos para a vida como ela é. Paremos com as futilidades, com as mesquinharias, com as arrogâncias, com as prepotências, com os pequenos pseudopoderes. Temos problemas demais e profundos para gastar energia com questões de último escalão.

Preste atenção, o outro não é da sua conta! Cuide da sua vida, faça mais, faça melhor, por você e pelo mundo. Entenda que a questão da nossa sobrevivência não é simplesmente sobreviver as adversidades; mas, aprender a sobreviver a nós mesmos, como escreveu Arthur Schopenhauer, através do seu Dilema do Porco-Espinho 4.