sábado, 23 de julho de 2022

Antes de pensar na Educação...


Antes de pensar na Educação...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Lembrar da Educação, discutir a Educação, é sempre importante. Mas, como todos já sabem, não se constrói uma casa sem alicerce! Então, lembrar e discutir a Educação olhando para uma realidade díspar e perversa, como é a brasileira, me parece inútil. Particularmente, no cenário atual.

Pois é, Educação é, antes de tudo, sinônimo de gente. Não há educação sem seres humanos como seus verdadeiros protagonistas. E para que o processo de ensino-aprendizagem floresça e prospere em qualquer lugar é fundamental que eles estejam bem alimentados, bem dormidos, bem equipados, ... enfim, seguros de todos os direitos sociais básicos.

A Educação, caro (a) leitor (a) não se limita ao espaço institucional da escola. Alunos, professores e demais funcionários permanecem ali, naquele ambiente, aproximadamente 4 horas por dia, 5 vezes por semana, computando um saldo final de 200 dias letivos previstos em lei. Portanto, nas 20 horas restantes do seu dia, a Educação acontece em outros ambientes, na medida da possibilidade de ela existir.

Como aprender nas ruas? Como aprender sob o som tracejante dos tiros cruzando os telhados das comunidades? Como aprender em uma casa invadida pelas enchentes? Como aprender em uma casa reduzida a um único cômodo para toda a família?  Como aprender se o único espaço para fazer as lições de casa é o chão, pois não há mesa, ou cadeira, ou sofá, para se acomodar? Como aprender sem rede elétrica, sem celular ou qualquer outra tecnologia? Como aprender em um lugar desprovido de saneamento básico e higiene? Como aprender de barriga vazia e cabeça doendo de fome? Como aprender sem acesso à saúde básica? ... Como aprender?

E essa é a realidade de milhões de crianças e jovens brasileiros, em pleno século XXI. Que sobrevivem dentro de um cenário de infinitas desigualdades socioeconômicas e culturais. Na qual, muitas delas, não têm sequer documentos para provar a sua própria existência e estabelecer uma ponte rudimentar para acessar os direitos sociais previstos constitucionalmente. Encontram-se, literalmente, à margem da sociedade, esquecidas, invisibilizadas, oportunamente negligenciadas pelo governo.

Para essas crianças e jovens, quaisquer lembranças ou discussões sobre inovações educacionais não significa nada, porque certamente elas não vislumbram quaisquer possibilidades de acesso a uma escola que, no mínimo, possa lhes oferecer a alfabetização.

O grau de vulnerabilidade a que foi submetida a sua identidade cidadã é tão elevado, que elas não saberiam nem por onde começar a reivindicar a sua Educação, porque elas estão desprovidas e privadas do essencial a sua própria sobrevivência.

É assim, lançando luz sobre as tragédias humanas que se erguem diariamente entre nós e passamos por elas, tantas vezes, sem se dar conta, que tudo aquilo que se fala e pensa sobre Educação adquire uma compreensão amarga e, no mínimo, enviesada da realidade.

De repente, nesse falar, falar, falar sobre Educação, a gente descobre que todos os discursos e narrativas acabam orbitando o universo das camadas sociais que se encontram em níveis mais privilegiados do que aquele de uma imensa maioria, espalhada pelo país.   

O que inclui crianças e jovens que têm, no mínimo, uma casa habitável, com rede de saneamento básico e água potável, três refeições diárias, roupas e calçados, materiais escolares, acesso a transporte e algum recurso tecnológico, como celular, rádio e televisão.

Mas, a verdade mesmo, é que as discussões que acontecem mais amiúde na sociedade, na maioria das vezes, vão muito além dessa realidade, para contemplar o ideário daquilo que já é parte da elite brasileira.

Trata-se de desfiar um longo rosário de maravilhas, de projetos científicos e tecnológicos, de estratégias mirabolantes, reafirmando algo que todos já sabem a respeito. Algo que não é novidade para ninguém, no Brasil, essa Educação de ponta, repleta de recursos e de inovações, que prepara efetiva e simultaneamente o aluno e o cidadão.

Acontece que ela nunca saiu do papel ou do imaginário de educadores e especialistas, simplesmente, porque esbarra diretamente nas carências, nas insuficiências, nas negligências presentes nas políticas públicas. Tanto aquelas voltadas diretamente para a Educação, quanto aquelas que sustentam a sobrevivência e a dignidade do cidadão.

Por isso, o país vive a “enxugar gelo”, quando o assunto é Educação. Mergulhamos extasiados no mar de falas que apontam belos oásis no deserto, enquanto a realidade, nua e crua, nos conclama a estender a mão a legião de desvalidos que cresce a olhos vistos pelas ruas, esquinas e praças de todo o país.

Famílias inteiras ou aos pedaços, que tiveram sua dignidade humana ceifada pela indiferença governamental, colocando em risco a Educação de milhões de crianças e jovens. Colocando em risco o amanhã nacional.

Portanto, cuidado com essa Educação que hasteia bandeiras de progresso e tecnologia, enquanto esconde o seu viés contrário à inclusão social, em todas as suas formas e conteúdos.

Porque preocupados em aplaudi-la, em repercutir suas maravilhas por aí, esquecemos de que não basta escola, não basta creche, não basta universidade. Antes de serem alunos, eles são cidadãos brasileiros.

Assim, alunos sem seus direitos sociais garantidos não vão para a escola, não ficam na escola; mas, reafirmam o ciclo dos futuros cidadãos desqualificados e vulneráveis à precarização do trabalho e a insuficiência de remunerações mendicantes. E sob essa realidade, o país não cresce, não progride, não produz, não desenvolve e não gera autonomia e protagonismo na sua população.