quinta-feira, 28 de julho de 2022

Preces diante de um eventual perigo?!


Preces diante de um eventual perigo?!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É uma pena que no Brasil só se lembre da Democracia, quando ela parece em risco! Coisas do ranço colonial? Certamente. Mas, que já poderiam ter sido superadas na simples observância da realidade sociotemporal. Afinal de contas, o caminhar do relógio vai tornando tudo bem menos ajustável e cabível. A ideia de fazer dos limites algo demasiadamente flexível aos próprios interesses é que cria esse tipo de situação.

De modo que a Democracia vive por um triz! Seja nas manifestações de afronta à liberdade individual perante o Estado, à liberdade de opinião e de expressão da vontade política, à liberdade de imprensa e de acesso à informação, à pluralidade e diversidade ideológica, à igualdade dos direitos e oportunidades sociais, ou à alternância do poder conforme os interesses populares.

Porque no dia a dia, o inconsciente coletivo do povo brasileiro está tão subjugado e dominado pela apatia da trivialização e da banalização dos acontecimentos, que as pessoas não conseguem dimensionar com exatidão a corda-bamba em que a Democracia se equilibra. A realidade parece embebida por uma névoa que ofusca a acuidade visual da população, impedindo-a de exercitar o mínimo que seja da sua capacidade de análise crítico-reflexiva.

Nos tempos em que as manchetes se destacam como a leitura mais rotineira dos cidadãos, os prejuízos da desinformação ou da baixa qualidade informativa contribuem, ainda mais, para esse processo de deterioração e desvirtuamento democrático. Justificados, pelo roto discurso da pressa e da fugacidade contemporânea, então, os cidadãos se alistam nas fileiras da alienação coletiva.

Acontece que a realidade é sempre implacável. Ela não perdoa certos comportamentos! De modo que os desconfortos começam a sair pelos poros. A rabugice impaciente começa a tomar conta dos indivíduos. Porque algo não está bem. Tudo parece fora de lugar, desconectado, desajustado, incapaz de lograr êxito. Por mais que o cidadão queira se iludir colocando suas lentes cor-de-rosa, a vida é o que é.

Então, ele é tomado pela indignação e acorda do seu torpor (voluntário). Percebe que se não agir, não tomar pé da situação, o grande prejudicado será ele mesmo. Ora, a personificação da Democracia é o povo! Se ela está em risco, por consequência ele também está. Não dá para dissociar uma coisa da outra, por mais difícil que seja, tratando-se de um país de origem colonial.

No entanto, me parece que esse tempo de despertar está deveras enviesado! A fagulha que desencadeou o fervor dessa discussão atual está diretamente relacionada às conjunturas que tecem o pleito eleitoral previsto para outubro desse ano. Acontece, que ao meu ver, ela é só espuma perto do que realmente demanda a Democracia brasileira para, de fato, se fortalecer.

É preciso entender que a vida não se constitui apenas de componentes materiais e objetivos; mas, de camadas de subjetividade extremamente importantes. Isso significa que não bastam as discussões em torno de certos indivíduos, é preciso, ou melhor, é imperioso, promover a desconstrução de certas bases ideológicas que arrastam correntes e pessoas a esmo nesse país.

Afinal, os riscos democráticos se escondem nisso.  Em discursos e narrativas que tendem a gerar ruídos intensos e contínuos a fim de conquistar a atenção de um número cada vez maior de ouvintes. Aí, quando olhamos para o lado, percebemos que certas questões voltam a emergir seus conflitos que já deveriam ter sido resolvidos e superados. É o racismo. É a intolerância religiosa. É o trabalho análogo à escravidão. É a homofobia. É a aporofobia. É o sexismo. É a eugenia. ...

As desigualdades, as fragmentações, as segregações são, portanto, os grandes sinalizadores do risco democrático brasileiro. As quais vêm sendo organizadas e reorganizadas ao longo desses mais de 500 anos, apontando para um movimento de resistência às transformações que venham beneficiar e consolidar uma Democracia contemporânea e, periodicamente, renovada.

Então, não basta substituir e/ou destituir pessoas desse ou daquele lugar. Não basta exercitar o voto nesse ou naquele candidato. A Democracia está em risco pela ausência da efetividade do exercício cidadão. Quando a sociedade não se entende um coletivo plural e responsável pelo espaço geográfico que ocupa e, ao invés disso, trabalha na contramão dessa compreensão, atinge-se diretamente as bases democráticas. Pois há uma franca ruptura do consenso que é aquilo que equilibra as forças dentro da estrutura social.

A Democracia no Brasil vem morrendo, um pouco a cada dia, por isso. Porque não se estabeleceu ainda, apesar do curso histórico percorrido até aqui, um senso de unidade. Já dizia Nelson Mandela, por exemplo, que “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia”.

Mas, por enquanto, o que parece mesmo elevar a preocupação a respeito dos rumos democráticos brasileiros tem sido o entendimento repentino de que “Numa ditadura, não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura” (Mário Sergio Cortella). Assim, aguardemos com alguma esperança o dia em que se realmente compreenda que “A democracia não pode se limitar à simples substituição de um governo por outro. Temos uma democracia formal, precisamos de uma democracia substancial” (José Saramago 1).



1 Em entrevista ao El País, em 2004.

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