sexta-feira, 29 de julho de 2022

Insegurança Alimentar. Insegurança Cidadã.


Insegurança Alimentar. Insegurança Cidadã.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O retorno triunfante do Brasil ao mapa da fome global não é problema apenas de quem sofre com a barriga vazia; pois, não há vida que sobreviva sem alimentos. De modo que não dá para lançar sob o tapete da história nacional esse fenômeno deplorável!

Ainda que a insegurança alimentar não seja privilégio exclusivo do país, já é tempo de ela ampliar as fronteiras da discussão e da reflexão dentro da sociedade brasileira, tendo em vista ela significar a inacessibilidade a uma alimentação em quantidade e qualidade suficientes para garantir a sobrevivência humana.

Mas, por quê? Bem, geralmente, as pessoas tendem a pensar primeiramente sobre o aspecto quantitativo, quase que movidas pela imagem do prato vazio. A insuficiência é, de certa forma, um componente imediatista da fome; sobretudo, quando se depara com famílias inteiras que precisam fracionar os alimentos a quantidades tão ínfimas, que são incapazes de garantir o mínimo de refeições diárias por indivíduo.

O que se materializa a partir de contingentes populacionais esquálidos, doentes, profundamente fracos, em razão da quantidade de alimentos insuficiente para suprir suas demandas fisiológicas básicas, tornando-se uma porta aberta para o oportunismo de inúmeras doenças. Seus corpos não conseguem se manter e, nem tampouco, se defender das intercorrências patológicas.  

E aí, diante desse cenário, emerge a situação de se tentar suprir a insuficiência quantitativa desconsiderando a qualitativa. Primeiro, porque os alimentos in natura são mais caros do que os industrializados 1; afinal de contas, sua produção requer investimentos elevados de produção, tais como tratores, equipamentos, fertilizantes, sementes, controle de pragas e novas tecnologias.

Sem contar, também, que esses produtos têm um prazo de validade menor, que os torna mais susceptíveis a perda. Toneladas acabam perdidas, diariamente, no trânsito entre a produção e a comercialização em face de fatores ambientais como calor, chuva, granizo, e de problemas na embalagem e conservação.

Assim, o resultado dessa realidade tem ajudado a tecer a narrativa da indústria alimentícia sobre as vantagens dos produtos processados e ultraprocessados. Eliminando boa parte dos inconvenientes da produção in natura, eles conseguem uma redução de custos expressiva que se reflete no preço final ao consumidor.

No entanto, as práxis que são empregadas trabalham na contramão da salubridade humana, porque se baseiam em técnicas que lançam mão de uma série de conservantes, corantes, acidulantes, aromatizantes, emulsificantes, estabilizantes, espessantes, adoçantes, que tem um imenso potencial em causar desde alergias até doenças cardiovasculares, gástricas e câncer.

Portanto, seja no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo, a grande questão que se impõe sobre os alimentos é o enfrentamento do desafio entre a segurança alimentar e os custos de acessibilidade aos alimentos. Sim, porque de um jeito ou de outro, o que parece senso comum é o descaso em relação à saúde, o bem-estar e o desenvolvimento humano.

Infelizmente, a produção de alimentos no mundo ainda resiste a se constituir com base na Economia Verde, ou seja, ela se desenvolve exacerbando as desigualdades, incentivando o desperdício, desencadeado a escassez de recursos e gerando ameaças ao meio ambiente e à saúde humana, através do uso excessivo de agentes químicos.

Não é à toa que depois da avalanche de liberações de diferentes tipos de agrotóxicos no país 2, fomos surpreendidos recentemente com a dispensa da obrigatoriedade dos produtores de informar o prazo de validade em vegetais frescos embalados, publicada pelo Ministério da Agricultura 3. É importante entender que isso não é pouca coisa não! No caso de alimentos, por exemplo, a ingestão fora do prazo de validade pode sim, resultar em intoxicações e infecções causadas por bactérias e fungos, os quais podem inclusive levar à morte. 

Definitivamente, então, o que está em jogo não é a segurança alimentar do brasileiro! Todas as decisões que vêm sendo tomadas, especialmente nos últimos quatro anos, dizem respeito aos interesses econômicos, favorecendo a um exponencial adoecimento da população; sobretudo aquela pertencente as camadas sociais mais vulneráveis e desassistidas.

Isso porque as causas da insegurança alimentar no país são traçadas pelo arranjo da realidade composta pela escassez de alimentos, mudanças climáticas, problemas de abastecimento, produção insuficiente, incapacidade econômica de aquisição, pobreza e preços elevados. De modo que na escala de prioridades estabelecida pela atual gestão pública, a garantia de lucros para o setor produtivo e de comercialização está anos luz à frente da segurança alimentar dos cidadãos.

Assim, antes de se limitar a pensar apenas sobre um viés em relação à questão da fome, abra sua mente e amplie seus horizontes inspirando-se em “Comida” (1987)4, dos Titãs. Afinal, ela traça com total propriedade a dimensão da nossa miséria, cujo prato e a panela vazios são apenas a ponta do iceberg de uma condição social que se requenta há séculos no país. De modo que nosso quadro de insegurança alimentar é só um lado do prisma da nossa insegurança cidadã.

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