Boas
novas para a 7ª Arte
Por
Alessandra Leles Rocha
A notícia que São Paulo pode ter
um dos maiores circuitos de salas públicas de cinema do mundo, é
extraordinária. Ora, em tempos em que a Cultura anda tão abandonada,
negligenciada, aviltada, esse projeto acende uma luz importantíssima no fim do túnel.
Sobretudo, porque a ausência de
salas de cinema fora de shoppings e galerias tornou-se uma realidade impeditiva
ao acesso da grande maioria dos cidadãos. Usufruir de um programa cultural como
esse é caro, impacta muito severamente no orçamento das pessoas; de modo que,
lentamente, elas vão sendo privadas da expressão artística que flui do cinema. Daí
a relevância da proposta das Secretarias Municipais de Educação e de Cultura de
São Paulo conjuntamente com a Spcine, de criar “10 novas salas de cinema do circuito Spcine na periferia da cidade” 1.
Dessa forma, “aos 77 lugares do pequeno Bijou, irão se somar os cerca de 3000 das
dez novas salas que, em conjunto com as 20 em funcionamento desde 2016, alcançarão
cerca de 10 mil cadeiras em cinemas públicos e gratuitos, em regiões onde
inexistiam salas” 2.
Portanto, abrem-se as cortinas da
7ª Arte tanto para um público majoritariamente em idade escolar; mas, também,
para as produções cinematográficas nacionais, as quais nem sempre encontram
espaço nas salas convencionais dos grandes conglomerados.
Esse projeto é, sem sombra de
dúvidas, a pavimentação para um caminho não só cultural; mas, particularmente,
cidadão. Na medida em que ele cria pontes de linguagem, de comunicação e de
construção de conhecimento com o público espectador, cujo alicerce lúdico e
afetivo contribui para que essas aquisições não se percam com o tempo.
Bem, eu sempre fui uma apaixonada
pelo cinema. Meu primeiro filme foi aos 4 anos de idade, aproximadamente. Fui assistir
“Marcelino Pão e Vinho”, uma obra
lançada em 1955; mas, reexibida no final da década de 1970. Gostei tanto
daquela experiência que nunca mais me distanciei dela.
Confesso que, algumas vezes saí
um pouco desapontada da sessão; mas, isso foi bem raro. A probabilidade de se
extrair boas informações e reflexões, a partir dos roteiros desenvolvidos, é
muito grande. O cinema, apesar desse recorte temporal tão limitado, em torno de
2 horas de exibição, tem essa capacidade sintética lapidada o suficiente para
não perder a qualidade e, nem tampouco, a essência das histórias.
É como um mergulho de olhos
abertos. Você se lança de corpo e alma ao magnetismo produzido por aquela imensa
tela e viaja sem saber qual será o destino final. O certo é que você nunca sai
o mesmo de uma sessão de cinema.
E foi graças as essas minhas experiências
culturais, que reconheci nele uma das ferramentas mais interessantes e
criativas para o exercício docente, independentemente da faixa etária dos meus
alunos.
Com um bom planejamento e
objetivos bem definidos, os filmes podem abrir vieses e oportunidades
discursivas inimagináveis, tornando-se aliados importantes ao processo de
ensino-aprendizagem, na medida em que podem se desdobrar, também, em outras
manifestações artísticas – literatura, teatro, desenho, pintura, dança etc.
Haja vista a inúmera quantidade
de roteiros cinematográficos baseados em best
sellers, como por exemplo, a saga de Harry Potter (J. K. Rowling), Cidade
de Deus (Paulo Lins), A Elite da Tropa (Luiz Eduardo Soares e Rodrigo Pimentel),
A culpa é das estrelas (John Green), Como eu era antes de você (Jojo Moyes), Dona
Flor e seus dois maridos (Jorge Amado), Os miseráveis (Victor Hugo), O menino
do pijama listrado (John Boyne). A lista é longa!
Essa junção entre livros e
roteiros pode propiciar atividades fantásticas e altamente produtivas, surpreendendo
os alunos de maneira única, inclusive, pela construção de perspectivas
argumentativas diferenciadas. O cinema como ferramenta de ensino traz novas
possibilidades à leitura de mundo e adere perfeitamente as proposições da nova
Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Considerando que os filmes têm naturalmente
um infinito potencial inter e transdisciplinar, o professor consegue trabalhar conteúdos
diferentes em um mesmo momento, de modo a criar uma melhor suficiência e eficiência
do tempo de aula.
O aspecto lúdico e afetivo
envolvido nesse processo catalisa a atenção e o foco dos alunos, facilitando a
conquista dos resultados dessa aprendizagem. Ainda que seja preciso considerar
que, eventualmente, possa não existir consenso do grupo sobre a escolha do
filme, quando bem apresentado e discutido o plano de aula com os alunos, eles
acabam se rendendo à decisão e respondendo bem às propostas.
Aliás, esse é um outro aspecto
positivo do cinema, a formulação dialógica. Uma aula nesses moldes se torna não
impositiva, não forçosamente diretiva. O debate, a discussão, a argumentação, o
compartilhamento de pontos de vista, é a base do processo construtivo
intelectual.
Sem contar que, dependendo do
perfil do grupo, nem sempre a aquisição da obra literária é acessível a todos, então,
a sessão de cinema sai do individual da leitura para o coletivo, ou seja, um número
maior de pessoas passa a ter acesso à aquela história, aquela obra. Trata-se de um caminho para popularizar, de
certa forma, a aquisição de um determinado elemento cultural.
Por isso, é tão fundamental
iniciativas como essa. Afinal de contas, “nossa
deformação cultural nos faz pensar que cabe a um segmento da sociedade levar
cultura a outro”, quando, na verdade, “nós
temos é que buscar a cultura no povo, dando condições para que ela brote”
(Fernanda Montenegro – atriz brasileira e membro da Academia Brasileira de
Letras).
E o cinema pode sim, exercer essa
função de despertar, de acordar, de expandir a identidade cultural brasileira. Sendo
assim, espero que São Paulo possa aspergir as boas energias desse projeto, de
modo que outras sementes possam germinar iniciativas semelhantes em todo o
país.
Que surjam parceiros, patrocinadores, investidores, para serem fiéis depositários dessa esperança cultural tão necessária ao povo brasileiro. Segundo o dramaturgo brasileiro, José Celso Martinez Corrêa, “Só a cultura propicia a possibilidade de sonhar, de imaginar, de criticar, de saber de si mesmo, de saber do seu corpo, de saber da natureza. A cultura, e não a macroeconomia, é a infraestrutura da vida, a energia propulsora. A macroeconomia está fazendo mal à humanidade. Quando o indivíduo, por meio da cultura, desperta para a autopercepção de que é livre, na hora ele sai da miséria”3, ou pelo menos, começa a se questionar para sair.
1 https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/noticias/circuito-spcine-ganha-10-novas-salas-de-cinema-na-periferia/
2 https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2022/01/sao-paulo-podera-ter-um-dos-maiores-circuitos-de-salas-publicas-de-cinema-do-mundo.shtml
3 Entrevista à Revista Trip, com o repórter Otávio Dias, em 24 de outubro de 2011. Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/ze-celso