quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O convite da OCDE


O convite da OCDE

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Já dizia o filósofo chinês, Lao-Tsé, “Mantenha os amigos sempre perto de você e os inimigos mais perto ainda”. E pensando a respeito, se começa a decodificar as entrelinhas da notícia da retomada das negociações entre o Brasil e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1.

Afinal, uma análise fria e direta das conjunturas atuais do país aponta para uma não configuração de cenário promissor e atraente, especialmente no campo econômico e ambiental, capaz de agregá-lo às nações mais desenvolvidas do planeta.  

Antes de tudo, é bom ressaltar que esse novo convite teve dentre seus vieses, “um entendimento alcançado entre os Estados Unidos e sócios europeus da OCDE”; pois, eles “discordavam sobre o ritmo de ampliação da organização”.

Assim, “agora, todos os seis candidatos receberam cartas-convites para iniciar o processo de adesão. A confirmação da entrada depende de um consenso dos 38 países que integram o grupo” 2. No entanto, isso continua me parecendo insuficiente para justificar o fato, em relação ao Brasil.

Tomando como ponto de partida que “o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu as previsões para Estados Unidos, China e a economia global e disse que a incerteza sobre a pandemia, inflação, interrupções na oferta e aperto monetário nos EUA representam mais riscos” 3, o que dizer, então, sobre o contexto brasileiro, hein?

O próprio Banco Mundial reviu as metas para o país e reduziu de 2,5% para 1,4% a projeção de crescimento da nossa economia em 2022, o que significa a menor taxa entre os 18 países emergentes e em desenvolvimento considerados.

Ora, diante do relatório Perspectivas Econômicas Globais, do Banco Mundial, essa desaceleração brasileira se deve a alguns fatores, tais como “o fraco sentimento dos investidores, à erosão do poder de compra em decorrência da alta inflação, às restrições da política macroeconômica, à redução da demanda pela China, e à queda nos preços do minério de ferro – antes de alcançar 2,7% em 2023” 4.

Bem como, também, pelas projeções de que “a pandemia deve continuar afetando a atividade econômica global no médio prazo” e “o fim dos estímulos monetários em economias desenvolvidas, que devem frear o avanço de países como Estados Unidos e China, além dos europeus” 5.  

Então, o que justificaria um convite dessa envergadura, ao Brasil, nessas alturas do campeonato? O mais plausível parece ser a tentativa de conter os arroubos autodestrutivos do país que podem sim, afetar diretamente o panorama global.

Trata-se de um trâmite burocrático relativamente curto, de 2 a 5 anos; mas, enquanto ele transcorre, o país precisa se ajustar ao processo de negociação que envolve se comprometer a aderir a uma série de boas práticas.

Isso significa dizer, questões como democracia, meio ambiente e sustentabilidade, direitos humanos, combate à corrupção e à pobreza, ajustes fiscais e tributários, ou seja, todos os pontos nevrálgicos para o país.

Porque, de certa forma, essas exigências escancaram ainda mais o descolamento brasileiro da realidade global, na medida da sua persistente insistência em governar pela perspectiva do próprio umbigo, na contramão do mundo.

Portanto, na busca por um alinhamento de ideias e ações com as nações mais desenvolvidas, a iniciativa da OCDE não é impor quaisquer interferências à soberania brasileira; mas, colocar ao Brasil o seu próprio poder de definir o grau de disposição para “cooperar entre os povos para o progresso da humanidade” 6.

Através da formalização do convite, o país sinaliza o aceite em se comprometer efetivamente com uma agenda de parâmetros estabelecidos pela entidade. Ou ele aceita as regras do jogo ou não pode se unir ao grupo.   

Bem, tudo isso me parece um ótimo motivo para celebrar. Não pelo convite; mas, pelo “freio de arrumação” que ele representa para o país. Alguém está tentando puxar o barco que está à deriva. E isso é muito bom.

Até aqui foram três anos ensimesmados, narcisicamente olhando para si mesmo, negligenciando o fato de estarmos ligados a uma realidade muito maior, muito mais complexa. Querendo se apropriar de uma autonomia e autossuficiência para as quais nunca tivemos cacife de fato.

Quanta vergonha destilada, sem nenhum constrangimento, sem nenhuma reflexão, meu Deus! De modo que, diante dessas circunstâncias, antes que as conjunturas desencadeiem consequências e desdobramentos ainda mais funestos e irreparáveis, o mundo decidiu agir.

Como dizem por aí, “Ninguém vai bater palma para maluco dançar”.  É a lei da sobrevivência, caro (a) leitor (a)! O tempo está cada vez mais veloz. O dinheiro cada vez mais curto, para se perder ou desperdiçar. A realidade cada vez mais arisca e cruel. Então...

Talvez, agora, o Brasil entenda que não se consegue o “selo de qualidade da OCDE” sem fazer o “dever de casa”.  Discurso e ação não são excludentes. Para reconquistar a credibilidade, a confiança internacional, terá que “suar a camisa”, que provar por “a mais b” as suas intenções.  

Mas, também, terá que torcer. Terá que sonhar. Terá que se transformar da água para o vinho. Porque além de todas as fases burocráticas em curso, ainda, será preciso aguardar pelas análises de diversos comitês da referida organização. Dessa vez, são eles que têm a caneta nas mãos.