O
convite da OCDE
Por
Alessandra Leles Rocha
Já dizia o filósofo chinês,
Lao-Tsé, “Mantenha os amigos sempre perto
de você e os inimigos mais perto ainda”. E pensando a respeito, se começa a
decodificar as entrelinhas da notícia da retomada das negociações entre o
Brasil e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)1.
Afinal, uma análise fria e direta
das conjunturas atuais do país aponta para uma não configuração de cenário
promissor e atraente, especialmente no campo econômico e ambiental, capaz de agregá-lo
às nações mais desenvolvidas do planeta.
Antes de tudo, é bom ressaltar que
esse novo convite teve dentre seus vieses, “um
entendimento alcançado entre os Estados Unidos e sócios europeus da OCDE”;
pois, eles “discordavam sobre o ritmo de
ampliação da organização”.
Assim,
“agora, todos os seis candidatos receberam cartas-convites para iniciar o
processo de adesão. A confirmação da entrada depende de um consenso dos 38
países que integram o grupo” 2. No
entanto, isso continua me parecendo insuficiente para justificar o fato, em
relação ao Brasil.
Tomando como ponto de partida que
“o Fundo Monetário Internacional (FMI)
reduziu as previsões para Estados Unidos, China e a economia global e disse que
a incerteza sobre a pandemia, inflação, interrupções na oferta e aperto
monetário nos EUA representam mais riscos” 3,
o que dizer, então, sobre o contexto brasileiro, hein?
O próprio Banco Mundial reviu as
metas para o país e reduziu de 2,5% para 1,4% a projeção de crescimento da
nossa economia em 2022, o que significa a menor taxa entre os 18 países
emergentes e em desenvolvimento considerados.
Ora, diante do relatório Perspectivas
Econômicas Globais, do Banco Mundial, essa desaceleração brasileira se
deve a alguns fatores, tais como “o fraco
sentimento dos investidores, à erosão do poder de compra em decorrência da alta
inflação, às restrições da política macroeconômica, à redução da demanda pela
China, e à queda nos preços do minério de ferro – antes de alcançar 2,7% em
2023” 4.
Bem como, também, pelas projeções
de que “a pandemia deve continuar
afetando a atividade econômica global no médio prazo” e “o fim dos estímulos monetários em economias
desenvolvidas, que devem frear o avanço de países como Estados Unidos e China,
além dos europeus” 5.
Então, o que justificaria um
convite dessa envergadura, ao Brasil, nessas alturas do campeonato? O mais
plausível parece ser a tentativa de conter os arroubos autodestrutivos do país
que podem sim, afetar diretamente o panorama global.
Trata-se de um trâmite burocrático
relativamente curto, de 2 a 5 anos; mas, enquanto ele transcorre, o país
precisa se ajustar ao processo de negociação que envolve se comprometer a
aderir a uma série de boas práticas.
Isso significa dizer, questões
como democracia, meio ambiente e sustentabilidade, direitos humanos, combate à
corrupção e à pobreza, ajustes fiscais e tributários, ou seja, todos os pontos nevrálgicos
para o país.
Porque, de certa forma, essas
exigências escancaram ainda mais o descolamento brasileiro da realidade global,
na medida da sua persistente insistência em governar pela perspectiva do
próprio umbigo, na contramão do mundo.
Portanto, na busca por um
alinhamento de ideias e ações com as nações mais desenvolvidas, a iniciativa da
OCDE não é impor quaisquer interferências à soberania brasileira; mas, colocar ao
Brasil o seu próprio poder de definir o grau de disposição para “cooperar entre os povos para o progresso da
humanidade” 6.
Através da formalização do
convite, o país sinaliza o aceite em se comprometer efetivamente com uma agenda
de parâmetros estabelecidos pela entidade. Ou ele aceita as regras do jogo ou
não pode se unir ao grupo.
Bem, tudo isso me parece um ótimo
motivo para celebrar. Não pelo convite; mas, pelo “freio de arrumação” que ele representa para o país. Alguém está tentando
puxar o barco que está à deriva. E isso é muito bom.
Até aqui foram três anos
ensimesmados, narcisicamente olhando para si mesmo, negligenciando o fato de estarmos
ligados a uma realidade muito maior, muito mais complexa. Querendo se apropriar
de uma autonomia e autossuficiência para as quais nunca tivemos cacife de fato.
Quanta vergonha destilada, sem
nenhum constrangimento, sem nenhuma reflexão, meu Deus! De modo que, diante
dessas circunstâncias, antes que as conjunturas desencadeiem consequências e
desdobramentos ainda mais funestos e irreparáveis, o mundo decidiu agir.
Como dizem por aí, “Ninguém vai bater palma para maluco dançar”.
É a lei da sobrevivência, caro (a)
leitor (a)! O tempo está cada vez mais veloz. O dinheiro cada vez mais curto,
para se perder ou desperdiçar. A realidade cada vez mais arisca e cruel. Então...
Talvez, agora, o Brasil entenda
que não se consegue o “selo de qualidade
da OCDE” sem fazer o “dever de casa”. Discurso e ação não são excludentes. Para reconquistar
a credibilidade, a confiança internacional, terá que “suar a camisa”, que provar por “a mais b” as suas intenções.
Mas, também, terá que torcer. Terá
que sonhar. Terá que se transformar da água para o vinho. Porque além de todas
as fases burocráticas em curso, ainda, será preciso aguardar pelas análises de
diversos comitês da referida organização. Dessa vez, são eles que têm a caneta
nas mãos.
1 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/01/25/ocde-faz-convite-oficial-para-que-brasil-negocie-entrada-na-entidade.ghtml
2 https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/ocde-imp%c3%b5e-redu%c3%a7%c3%a3o-no-desmate-como-condi%c3%a7%c3%a3o-em-convite-ao-brasil/ar-AAT8JkN?li=BBwanrb&ocid=mailsignout
3 https://exame.com/economia/fmi-reduz-estimativas-para-eua-china-e-economia-global/#:~:text=A%20economia%20dos%20EUA%20agora,em%202023%2C%20disse%20o%20FMI.&text=O%20organismo%20rebaixou%20a%20previs%C3%A3o,8%2C1%25%20em%202021.
4 https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/01/11/crescimento-global-deve-desacelerar-ate-2023-e-colocar-emergentes-em-maior-risco-diz-banco-mundial.ghtml
5 Idem 4.
6 CF de 1988, art. 4, inciso IX.