Chegou
o BA.2...
Por
Alessandra Leles Rocha
Vai brincando, vai! Detectada em
mais de 40 países, o subtipo BA.2 da variante Ômicron já se mostra mais
contagioso que as cepas anteriores do Sars-Cov-2 1.
Portanto, enquanto essa inquietação coletiva, movida essencialmente pelos
interesses econômicos, em detrimento da própria vida humana, se mantiver
perturbando as tentativas de conter a pandemia, mais distantes de um final
exitoso estaremos.
Somos aproximadamente 7,8 bilhões
de habitantes no planeta e destes, até o momento, cerca de 52,7% foram
totalmente vacinados. Como já se sabe, a imunização contra o Sars-Cov-2 e suas
variantes, por questões ideológicas, políticas e econômicas, infelizmente, não
está transcorrendo de acordo com as necessidades e expectativas.
O que expõe o planeta a uma
constante situação de vulnerabilidade, que arrasta a pandemia por caminhos
obscuros e perigosos, tendo em vista a possibilidade do surgimento de cepas cada
vez mais potencialmente letais e não, somente, com elevada transmissibilidade.
Afinal, a porta para as mutações
está aberta, com pessoas circulando excessivamente e descumprindo as medidas
profiláticas amplamente difundidas ao longo dessa pandemia.
Acontece que, a cada vez que o
cerco da doença acirra, e isso tem sido recorrente nesses dois anos, os
serviços de saúde ficam sobrecarregados. O que a maioria da população não
percebe, ou não quer entender, é que superadas as discussões sobre serviços
públicos e privados, todos os profissionais envolvidos não puderam ainda baixar
guarda no seu trabalho, exercendo-o exaustivamente em jornadas bem superiores
ao recomendado.
Isso porque, as perdas humanas no
setor foram imensas. Não apenas pelos que vieram a óbito pela doença; mas, por
aqueles que impactados, física e emocionalmente, pelo processo pandêmico, decidiram
abandonar a profissão.
E um profissional da área de
saúde, seja ele qual for, não se forma da noite para o dia, especialmente aqueles
que vão atuar nas emergências, nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Então,
há uma visível escassez dessa mão-de-obra no mercado. Não há uma
disponibilidade capaz de preencher as demandas.
Sem contar que os serviços de
saúde não lidam apenas com a pandemia da COVID-19 ou com a epidemia de
Influenza H3N2. Pessoas se acidentam. Pessoas infartam. Pessoas sofrem
acidentes vasculares cerebrais. Pessoas sofrem de apendicite, de úlcera
perfurada, de intoxicação alimentar. Gestantes entram em trabalho de parto. Enfim...
A rotina desses locais é, então,
muito maior e complexa do que se possa imaginar. Porque o tênue limite entre a
vida e a morte é regido pela imprevisibilidade, na maior parte do tempo.
De modo que aquelas cirurgias tidas
como eletivas, nessas alturas do campeonato, podem ser consideradas uma
excentricidade em meio ao caos instaurado. Tendo em vista as restrições logísticas
e de pessoal impostas pelas conjunturas.
Pois é, não adianta tentar fazer
a vida caber nos moldes dos nossos desejos e vontades, quando quem está no
controle é um vírus. Ele está sempre a muitos passos à nossa frente. O que faz
com que muitos caiam, inadvertidamente, na ilusão hipnotizante das fases de
menor tensão, como se a normalidade tivesse sido recuperada.
Mas, não há normalidade com cepas
virais altamente contagiantes circulando por aí, graças a nossa total
disponibilidade em carreá-las para baixo e para cima, enquanto elas se
multiplicam em cada uma das trilhões de células que nos compõem.
Se nós estamos cansados, exaustos,
fadigados, o vírus não está. Ele não se cansa nunca. Nenhuma das estratégias humanas
de tentar negá-lo, negligenciá-lo, esquecê-lo funcionou, porque não funciona
mesmo.
Os imunizantes disponíveis trouxeram
uma certa tranquilidade, quando aplicados corretamente, de acordo com o
protocolo estabelecido pelos laboratórios, no sentido de conter o avanço dos
casos gravíssimos e de maior potencial letal. Mas, nenhuma vacina tem a função
de evitar ou conter a transmissão. Essa é uma responsabilidade, um dever, de
cada indivíduo.
Quanto mais as pessoas esticam a
corda, pior a situação fica. Elas não percebem que estão andando em círculos,
caminhando sob as linhas demarcadas por erros que já deveriam ter se
transformado em lições.
Estamos presos por um imobilismo deliberadamente
ignorante, improdutivo, irracional, que nos aprisiona às correntes virais invisíveis.
Sim, porque da mesma maneira que nos deparamos com o Sars-Cov-2, temos inúmeras
probabilidades de confronto com outros agentes biológicos infectocontagiosos
desconhecidos.
Lições são para serem aprendidas
e apreendidas. Particularmente, quando elas carregam consigo o peso de milhões
de vidas perdidas. Ora, os números são de uma guerra. Comparativamente, já perdemos
ao longo desse tempo, mais de uma esquadrilha. Batalhões foram dizimados. Cemitérios
foram insuficientes para dar o descanso eterno para milhares de pessoas. O
rescaldo, além de incomensurável, é doloroso, cruel, demasiadamente difícil. E pensar
que uma parte significativa desse caos poderia ter sido evitada.
Admitindo ou não, a raça humana
vai carregar nos ombros essa tragédia. Não adianta desconstruir os fatos,
reescrever os acontecimentos, alterar as estatísticas, porque a história
resiste às investidas dessas intempéries. Mais dia menos dia, a verdade se
ergue triunfante através das linguagens.
Porque as memórias, as
lembranças, os registros, são em sua grande maioria um patrimônio privado. Então,
em cada sobrevivente haverá um pedaço desse gigantesco quebra-cabeças. Só espero,
que antes dele atingir o volume de bilhões de peças, a humanidade tenha recobrado
a razão e posto fim a essa pandemia.
Acredito que chegamos a um ponto
dessa jornada que não se trata mais de uma disputa entre nós e o vírus; mas,
uma disputa entre nós e nossas próprias escolhas. E como escreveu o poeta
chileno, Pablo Neruda, “Você é livre para
fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Por isso, “Más influências não são desculpas, cada um
faz o que quer” (Corey Taylor – compositor, cantor e produtor cinematográfico norte-americano).