quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Chegou o BA.2...


Chegou o BA.2...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Vai brincando, vai! Detectada em mais de 40 países, o subtipo BA.2 da variante Ômicron já se mostra mais contagioso que as cepas anteriores do Sars-Cov-2 1. Portanto, enquanto essa inquietação coletiva, movida essencialmente pelos interesses econômicos, em detrimento da própria vida humana, se mantiver perturbando as tentativas de conter a pandemia, mais distantes de um final exitoso estaremos.

Somos aproximadamente 7,8 bilhões de habitantes no planeta e destes, até o momento, cerca de 52,7% foram totalmente vacinados. Como já se sabe, a imunização contra o Sars-Cov-2 e suas variantes, por questões ideológicas, políticas e econômicas, infelizmente, não está transcorrendo de acordo com as necessidades e expectativas.

O que expõe o planeta a uma constante situação de vulnerabilidade, que arrasta a pandemia por caminhos obscuros e perigosos, tendo em vista a possibilidade do surgimento de cepas cada vez mais potencialmente letais e não, somente, com elevada transmissibilidade.

Afinal, a porta para as mutações está aberta, com pessoas circulando excessivamente e descumprindo as medidas profiláticas amplamente difundidas ao longo dessa pandemia.

Acontece que, a cada vez que o cerco da doença acirra, e isso tem sido recorrente nesses dois anos, os serviços de saúde ficam sobrecarregados. O que a maioria da população não percebe, ou não quer entender, é que superadas as discussões sobre serviços públicos e privados, todos os profissionais envolvidos não puderam ainda baixar guarda no seu trabalho, exercendo-o exaustivamente em jornadas bem superiores ao recomendado.

Isso porque, as perdas humanas no setor foram imensas. Não apenas pelos que vieram a óbito pela doença; mas, por aqueles que impactados, física e emocionalmente, pelo processo pandêmico, decidiram abandonar a profissão.

E um profissional da área de saúde, seja ele qual for, não se forma da noite para o dia, especialmente aqueles que vão atuar nas emergências, nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Então, há uma visível escassez dessa mão-de-obra no mercado. Não há uma disponibilidade capaz de preencher as demandas.

Sem contar que os serviços de saúde não lidam apenas com a pandemia da COVID-19 ou com a epidemia de Influenza H3N2. Pessoas se acidentam. Pessoas infartam. Pessoas sofrem acidentes vasculares cerebrais. Pessoas sofrem de apendicite, de úlcera perfurada, de intoxicação alimentar. Gestantes entram em trabalho de parto. Enfim...

A rotina desses locais é, então, muito maior e complexa do que se possa imaginar. Porque o tênue limite entre a vida e a morte é regido pela imprevisibilidade, na maior parte do tempo.

De modo que aquelas cirurgias tidas como eletivas, nessas alturas do campeonato, podem ser consideradas uma excentricidade em meio ao caos instaurado. Tendo em vista as restrições logísticas e de pessoal impostas pelas conjunturas.

Pois é, não adianta tentar fazer a vida caber nos moldes dos nossos desejos e vontades, quando quem está no controle é um vírus. Ele está sempre a muitos passos à nossa frente. O que faz com que muitos caiam, inadvertidamente, na ilusão hipnotizante das fases de menor tensão, como se a normalidade tivesse sido recuperada.

Mas, não há normalidade com cepas virais altamente contagiantes circulando por aí, graças a nossa total disponibilidade em carreá-las para baixo e para cima, enquanto elas se multiplicam em cada uma das trilhões de células que nos compõem.

Se nós estamos cansados, exaustos, fadigados, o vírus não está. Ele não se cansa nunca. Nenhuma das estratégias humanas de tentar negá-lo, negligenciá-lo, esquecê-lo funcionou, porque não funciona mesmo.

Os imunizantes disponíveis trouxeram uma certa tranquilidade, quando aplicados corretamente, de acordo com o protocolo estabelecido pelos laboratórios, no sentido de conter o avanço dos casos gravíssimos e de maior potencial letal. Mas, nenhuma vacina tem a função de evitar ou conter a transmissão. Essa é uma responsabilidade, um dever, de cada indivíduo.

Quanto mais as pessoas esticam a corda, pior a situação fica. Elas não percebem que estão andando em círculos, caminhando sob as linhas demarcadas por erros que já deveriam ter se transformado em lições.

Estamos presos por um imobilismo deliberadamente ignorante, improdutivo, irracional, que nos aprisiona às correntes virais invisíveis. Sim, porque da mesma maneira que nos deparamos com o Sars-Cov-2, temos inúmeras probabilidades de confronto com outros agentes biológicos infectocontagiosos desconhecidos.

Lições são para serem aprendidas e apreendidas. Particularmente, quando elas carregam consigo o peso de milhões de vidas perdidas. Ora, os números são de uma guerra. Comparativamente, já perdemos ao longo desse tempo, mais de uma esquadrilha. Batalhões foram dizimados. Cemitérios foram insuficientes para dar o descanso eterno para milhares de pessoas. O rescaldo, além de incomensurável, é doloroso, cruel, demasiadamente difícil. E pensar que uma parte significativa desse caos poderia ter sido evitada.

Admitindo ou não, a raça humana vai carregar nos ombros essa tragédia. Não adianta desconstruir os fatos, reescrever os acontecimentos, alterar as estatísticas, porque a história resiste às investidas dessas intempéries. Mais dia menos dia, a verdade se ergue triunfante através das linguagens.

Porque as memórias, as lembranças, os registros, são em sua grande maioria um patrimônio privado. Então, em cada sobrevivente haverá um pedaço desse gigantesco quebra-cabeças. Só espero, que antes dele atingir o volume de bilhões de peças, a humanidade tenha recobrado a razão e posto fim a essa pandemia.

Acredito que chegamos a um ponto dessa jornada que não se trata mais de uma disputa entre nós e o vírus; mas, uma disputa entre nós e nossas próprias escolhas. E como escreveu o poeta chileno, Pablo Neruda, “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”. Por isso, “Más influências não são desculpas, cada um faz o que quer” (Corey Taylor – compositor, cantor e produtor cinematográfico norte-americano).