Coincidência?
Será mesmo?!
Por
Alessandra Leles Rocha
Não acredito em coincidências e,
também, não gasto minhas atenções com teorias da conspiração. Mas, a complexa
teia conjuntural me parece suficientemente clara para entender que há uma
tentativa explícita de desqualificar por completo a vacinação contra a COVID-19,
no país, especialmente em relação às crianças.
Aqui e ali são relatados
episódios de vacinas de vento, vacinas erradas, doses incorretas, para que
eventuais problemas possam sustentar o argumento de que as vacinas não são uma
boa opção na luta contra a COVID-19. Isso sem contar as exigências
injustificáveis para imunização das crianças, tais como declarações dos pais
(ou responsáveis) e/ou a recomendação médica, mesmo que não haja histórico de
quaisquer comorbidades ou doenças pré-existentes.
Aliás, tudo tem girado no sentido
de obstaculizar o combate à pandemia no país. Acontece que a sociedade acaba
entrando nessa espiral insana, ao invés de agir orientada pelo bom senso. Tudo
porque, a velha máxima de seguir as orientações das autoridades, dos cientistas,
dos especialistas no assunto, para ter segurança de embasamento, de repente se
tornou uma ameaça diante da gigantesca babel que as narrativas apresentadas se
transformaram.
Governo, Ciência, órgãos
reguladores, leigos, cada um diz uma coisa. Cada um imprime seu próprio viés ao
assunto. A questão é que saúde é coisa séria. Bem séria. E precisa do respeito
e da adesão ao consenso científico para funcionar de maneira segura e precisa.
Coisa que as vacinas e toda a cadeia de produção de imunobiológicos, ao longo
de décadas, já conseguiram afirmar e reafirmar.
Mas, não para por aí. Toda a
pressa que se vê rondando as discussões sobre a pandemia só tem uma única razão
de ser, os interesses econômicos. Ninguém parou e analisou a situação pela
perspectiva do acontecimento em si. Todos ficaram batendo seus pezinhos e
olhando para os relógios, ansiosos por estabelecer o tempo exato em que a
doença desapareceria do mapa. Mas, na biologia da vida, isso não funciona. Não
é assim que acontece. O vírus não conhece tempo, nem relógio, nem pressa, nem
geografia. Ele é narcísico e legisla em causa própria o tempo todo, defendendo
a sua sobrevivência.
Isso significa que acabar com a
pandemia não é um truque de mágica. Não existe, pelo menos até o momento,
nenhum remédio ou imunobiológico que faça a doença desaparecer em um piscar de
olhos. Tudo obedece ao tempo de resposta biológico. Não dá para acelerar, para
queimar etapas. A Ciência tem sido o mais ágil possível nesse processo de
construção do conhecimento em torno desse novo vírus e de suas variantes; mas,
essa agilidade não representa aquilo que espera a ansiedade coletiva.
De modo que, contrariando as
expectativas mundiais, todas as relações socioeconômicas já contabilizam os
seus prejuízos. E enquanto não se chegar ao tempo da Pós-Pandemia, os
movimentos de avanço e retrocesso nessa dinâmica serão uma realidade a ser
considerada. Porque, também, não faz qualquer sentido pensar economicamente,
desconsiderando a personagem principal desse processo que é o ser humano.
Economia tem muito mais a ver com
pessoas do que propriamente com dinheiro, com capital. Sem elas, a estrutura
econômica deixa de existir, deixa de funcionar, pois não há produção, não há
consumo, não há circulação de bens e serviços, não há demandas a serem
satisfeitas, enfim... E o que se tem visto nesses últimos dois anos é
justamente a inversão disso. Todos preocupados com a economia, com os
prejuízos, não com a população em si.
Porém, apesar de todos os
esforços nesse sentido, nada impediu que a economia balançasse vigorosamente na
corda bamba. Haja vista a inflação, o desemprego, a perda do poder de compra, a
miséria, a fome, a indigência, espalhadas por diversos cantos do mundo,
inclusive, por aqui. Enquanto, paralelamente, a doença continuava se espalhando
e ameaçando de morte a população; sobretudo, os não vacinados. Estabeleceu-se,
então, um cabo de guerra entre a pandemia e os interesses socioeconômicos.
Aqui no Brasil, por exemplo, o
governo lutou com unhas e dentes para investir o mínimo no combate ao
Sars-Cov-2. A negação, o descaso, a negligência, portanto, foram armas
estratégicas para não ter que retirar o dinheiro do bolso e tomar as decisões
certas em favor da população. O que significava, por exemplo, fazer campanhas
de orientação sobre a doença, adquirir equipamentos, insumos e vacinas em tempo
hábil, construir um protocolo de imunização nacional, para dar proteção às
pessoas o mais rápido possível.
Convencer a todos, principalmente
as camadas mais desfavorecidas, de que tudo estava bem era fundamental para não
desviar a sua gestão do roteiro econômico programado, o qual não havia se
pautado na manutenção ou expansão de políticas públicas de caráter
assistencial. Aliás, nunca se viu um recrudescimento tão acentuado na
morosidade dos serviços prestados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Pensões, aposentadorias, perícias e outros serviços tiveram suas filas de
espera ampliadas, deixando a população, em plena pandemia, ainda mais, desassistida
e vulnerabilizada.
Por isso, o governo não se comove
e, nem tampouco, se demove dessas estratégias, seguindo em frente sem se
abalar. Quanto mais marginalizadas, excluídas e desassistidas estiverem as
camadas menos privilegiadas da população, mais susceptíveis aos infortúnios elas
estarão. Isso significa que, lentamente, esse contingente vai perecendo e
demandando cada vez menos atenção e recursos governamentais. O que de certa
forma fez da pandemia, uma aliada de peso nessa engrenagem. Talvez, isso
explique a inação em, ao menos, tentar contê-la.
Não tendo encontrado resistência jurídica
nessa empreitada, capaz de fazê-los parar nas primeiras intenções de marginalização
e banimento social, cada crítica, cada falatório, então, só fez retroalimentar as
pretensões que tinham mente. Eles não se preocupam com o desconforto, com as
notas de repúdio, com os palavrórios da opinião pública, porque se sentem livres
para impor os seus pontos de vista, o seu modo bizarro de governar.
Portanto, o ponto de discussão
não está em se perguntar, simplesmente, onde erramos; mas, qual a razão de nos
termos permitido deixar os erros seguirem adiante. Porque se a pandemia serviu
de algum modo aos interesses governamentais, para a população, ela descortinou uma
realidade nua e crua do país. Ela aflorou de uma só vez todas as mazelas
seculares. Ela colocou o dedo nas feridas mais profundas. Mas, apesar disso, um
outro tipo de inação não permitiu agir.
É pensando sobre isso, tentando
digerir esses processos sociais caóticos que lamento muito o mundo não ter
alcançado ainda uma reflexão como esta: “Quando
o dia começa, junto dele continuo a construção e desconstrução de mim mesma... há
dias que sinto ter encaixado peças importantes, definitivas e dali tenho a
sensação de que tudo que há por vir é só lucro, mas no dia seguinte retiro tudo
aquilo. Desisto daquela ordem de montagem e começo do zero... eu gosto muito de
um trecho de uma música “prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter
aquela velha opinião formada sobre tudo”... é muito chato ter verdades
absolutas, planos definitivos, enfim, nada como um dia após o outro para se ter
sempre a chance do recomeço... de um novo eu... de um novo plano de vida... de
uma melhor verdade... “ (Caio Fernando Abreu – jornalista, dramaturgo e
escritor brasileiro).
Simplesmente, porque dessa forma é
que as pessoas estariam livres e não se deixariam aprisionar por ideias
equivocadas, por sociedades inescrupulosas, por artimanhas desumanas. Assim, não
se permitiriam abrir mão da sua liberdade, dos seus direitos, da sua dignidade,
dos seus sonhos, da sua identidade, da sua vida. Seriam mais fortes. Mais inteiras,
no seu processo contínuo de transformação, de evolução.
Afinal, nada do que acontece é coincidência,
é por acaso. A desconstrução é um processo construtivo fundamental. Ele não destrói,
ele apenas dá a possibilidade de rever, de remodelar, de ressignificar, nossas
crenças, valores, princípios e pontos de vista. Toda vez que isso não é permitido,
sem se dar conta, o ser humano começa a morrer. Morre em vida. Cada dia um
pouquinho. E não importa que seja pelas suas próprias mãos ou de quem lhe possa
cruzar os caminhos, importa que ele morre.