segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Boas novas para a 7ª Arte


Boas novas para a 7ª Arte

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A notícia que São Paulo pode ter um dos maiores circuitos de salas públicas de cinema do mundo, é extraordinária. Ora, em tempos em que a Cultura anda tão abandonada, negligenciada, aviltada, esse projeto acende uma luz importantíssima no fim do túnel.

Sobretudo, porque a ausência de salas de cinema fora de shoppings e galerias tornou-se uma realidade impeditiva ao acesso da grande maioria dos cidadãos. Usufruir de um programa cultural como esse é caro, impacta muito severamente no orçamento das pessoas; de modo que, lentamente, elas vão sendo privadas da expressão artística que flui do cinema. Daí a relevância da proposta das Secretarias Municipais de Educação e de Cultura de São Paulo conjuntamente com a Spcine, de criar “10 novas salas de cinema do circuito Spcine na periferia da cidade” 1.

Dessa forma, “aos 77 lugares do pequeno Bijou, irão se somar os cerca de 3000 das dez novas salas que, em conjunto com as 20 em funcionamento desde 2016, alcançarão cerca de 10 mil cadeiras em cinemas públicos e gratuitos, em regiões onde inexistiam salas” 2.

Portanto, abrem-se as cortinas da 7ª Arte tanto para um público majoritariamente em idade escolar; mas, também, para as produções cinematográficas nacionais, as quais nem sempre encontram espaço nas salas convencionais dos grandes conglomerados.

Esse projeto é, sem sombra de dúvidas, a pavimentação para um caminho não só cultural; mas, particularmente, cidadão. Na medida em que ele cria pontes de linguagem, de comunicação e de construção de conhecimento com o público espectador, cujo alicerce lúdico e afetivo contribui para que essas aquisições não se percam com o tempo.

Bem, eu sempre fui uma apaixonada pelo cinema. Meu primeiro filme foi aos 4 anos de idade, aproximadamente. Fui assistir “Marcelino Pão e Vinho”, uma obra lançada em 1955; mas, reexibida no final da década de 1970. Gostei tanto daquela experiência que nunca mais me distanciei dela.

Confesso que, algumas vezes saí um pouco desapontada da sessão; mas, isso foi bem raro. A probabilidade de se extrair boas informações e reflexões, a partir dos roteiros desenvolvidos, é muito grande. O cinema, apesar desse recorte temporal tão limitado, em torno de 2 horas de exibição, tem essa capacidade sintética lapidada o suficiente para não perder a qualidade e, nem tampouco, a essência das histórias.

É como um mergulho de olhos abertos. Você se lança de corpo e alma ao magnetismo produzido por aquela imensa tela e viaja sem saber qual será o destino final. O certo é que você nunca sai o mesmo de uma sessão de cinema.

E foi graças as essas minhas experiências culturais, que reconheci nele uma das ferramentas mais interessantes e criativas para o exercício docente, independentemente da faixa etária dos meus alunos.

Com um bom planejamento e objetivos bem definidos, os filmes podem abrir vieses e oportunidades discursivas inimagináveis, tornando-se aliados importantes ao processo de ensino-aprendizagem, na medida em que podem se desdobrar, também, em outras manifestações artísticas – literatura, teatro, desenho, pintura, dança etc.

Haja vista a inúmera quantidade de roteiros cinematográficos baseados em best sellers, como por exemplo, a saga de Harry Potter (J. K. Rowling), Cidade de Deus (Paulo Lins), A Elite da Tropa (Luiz Eduardo Soares e Rodrigo Pimentel), A culpa é das estrelas (John Green), Como eu era antes de você (Jojo Moyes), Dona Flor e seus dois maridos (Jorge Amado), Os miseráveis (Victor Hugo), O menino do pijama listrado (John Boyne). A lista é longa!

Essa junção entre livros e roteiros pode propiciar atividades fantásticas e altamente produtivas, surpreendendo os alunos de maneira única, inclusive, pela construção de perspectivas argumentativas diferenciadas. O cinema como ferramenta de ensino traz novas possibilidades à leitura de mundo e adere perfeitamente as proposições da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Considerando que os filmes têm naturalmente um infinito potencial inter e transdisciplinar, o professor consegue trabalhar conteúdos diferentes em um mesmo momento, de modo a criar uma melhor suficiência e eficiência do tempo de aula.

O aspecto lúdico e afetivo envolvido nesse processo catalisa a atenção e o foco dos alunos, facilitando a conquista dos resultados dessa aprendizagem. Ainda que seja preciso considerar que, eventualmente, possa não existir consenso do grupo sobre a escolha do filme, quando bem apresentado e discutido o plano de aula com os alunos, eles acabam se rendendo à decisão e respondendo bem às propostas.

Aliás, esse é um outro aspecto positivo do cinema, a formulação dialógica. Uma aula nesses moldes se torna não impositiva, não forçosamente diretiva. O debate, a discussão, a argumentação, o compartilhamento de pontos de vista, é a base do processo construtivo intelectual.

Sem contar que, dependendo do perfil do grupo, nem sempre a aquisição da obra literária é acessível a todos, então, a sessão de cinema sai do individual da leitura para o coletivo, ou seja, um número maior de pessoas passa a ter acesso à aquela história, aquela obra.  Trata-se de um caminho para popularizar, de certa forma, a aquisição de um determinado elemento cultural.

Por isso, é tão fundamental iniciativas como essa. Afinal de contas, “nossa deformação cultural nos faz pensar que cabe a um segmento da sociedade levar cultura a outro”, quando, na verdade, “nós temos é que buscar a cultura no povo, dando condições para que ela brote” (Fernanda Montenegro – atriz brasileira e membro da Academia Brasileira de Letras).

E o cinema pode sim, exercer essa função de despertar, de acordar, de expandir a identidade cultural brasileira. Sendo assim, espero que São Paulo possa aspergir as boas energias desse projeto, de modo que outras sementes possam germinar iniciativas semelhantes em todo o país.

Que surjam parceiros, patrocinadores, investidores, para serem fiéis depositários dessa esperança cultural tão necessária ao povo brasileiro. Segundo o dramaturgo brasileiro, José Celso Martinez Corrêa, “Só a cultura propicia a possibilidade de sonhar, de imaginar, de criticar, de saber de si mesmo, de saber do seu corpo, de saber da natureza. A cultura, e não a macroeconomia, é a infraestrutura da vida, a energia propulsora. A macroeconomia está fazendo mal à humanidade. Quando o indivíduo, por meio da cultura, desperta para a autopercepção de que é livre, na hora ele sai da miséria”3, ou pelo menos, começa a se questionar para sair.